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O
que há
entre
o trabalhador
e
o diploma
Premissa de escolaridade é retórica para culpar desempregado
por sua exclusão do mercado, diz pesquisadora
LUIZ
SUGIMOTO
A
mudança de rumos da política econômica nos anos 90
sustenta-se no discurso da modernização produtiva, que para
obter sucesso exigiria, além de tecnologias e técnicas organizacionais
inovadoras, uma nova forma de uso do trabalho, com a valorização
dos recursos humanos e a integração do trabalhador vestindo
a camisa da empresa. Qualificação, então, passou a
ser a palavra de ordem no mercado de trabalho. Hoje ela é colocada
como tábua de salvação do assalariado que perdeu o
amparo dos sindicatos ora enfraquecidos em função do desemprego,
e como essencial ao currículo de quem ingressa na labuta para garantir
seu futuro.
"É
justamente esta relação direta que eu questiono. Tento mostrar
que o fato de estar qualificado não garante emprego", afirma Eliane
Navarro Rosandiski, ao comentar sua tese de doutorado Modernização
Produtiva e a Estrutura do Emprego Formal nos Anos 90 no Instituto de
Economia da Unicamp. Eliane compilou e sistematizou informações
das indústrias automotiva e têxtil, com o objetivo de conferir
em campo as avaliações teóricas, muitas vezes superficiais,
de que o processo de modernização estaria levando a melhores
indicadores de estabilidade de emprego, escolaridade dos trabalhadores,
remuneração e produtividade.
Os
dados tabulados a partir da Relação Anual de Informações
Sociais (RAIS/Mtb) para os anos de 1989 e 1999 atestam que o ajuste do
emprego foi essencialmente quantitativo e não qualitativo, e que
a melhoria dos indicadores de escolaridade da mão-de-obra ainda
empregada resulta fundamentalmente desse processo. No setor têxtil,
que contrata muita mão-de-obra, a necessidade de modernização
de equipamentos para concorrer com produtos importados provocou o corte
de metade dos trabalhadores na década. "De fato, tem-se contratado
pessoas com maior nível de escolaridade, mas para ocupar inclusive
os cargos de baixa qualificação. Isto ocorre porque os quadros
foram muito enxugados no bojo da reestruturação organizacional.
Havendo apenas três vagas, pode-se selecionar um trabalhador mais
escolarizado, independente de qual seja a qualificação mínima
necessária para o desempenho da tarefa", pondera a professora.
Em
seu estudo, Eliane segmentou as qualificações em quatro níveis
de trabalhadores: periférico baixo, periférico médio,
intermediário e superior. Na área têxtil, o trabalhador
periférico baixo era contratado por 2,4 salários mínimos
em 1989 e, em 99, por 2 salários; a escolaridade subiu de 6 para
8 anos e o funcionário permaneceu nas mesmas ocupações.
"Ou seja, aumentou-se a escolaridade, mas paga-se menos", observa a pesquisadora.
Em termos de composição da estrutura ocupacional, 70% dos
empregos continuam sendo periféricos, mantendo-se os patamares de
baixas qualificação e remuneração e alta rotatividade
dos trabalhadores alocados nestes grupos.
Sem
culpa "Na verdade, está se vendendo ao trabalhador a idéia
de que se ele estudar, se correr atrás, vai ter emprego, o que não
é verdade. É um discurso falso, que culpa o coitado do trabalhador
por estar desempregado. Não é ele quem decide se terá
emprego; quem decide empregar não é nem o empresário,
que está amarrado pelo cenário concorrencial", critica Eliane.
A
pesquisadora acrescenta que, dentro da lógica de modernização,
não se pode pegar um parque produtivo, jogá-lo no lixo e
comprar um novo, com novas características e novas tecnologias.
A modernização se dá em partes, adquirindo-se equipamentos
mais eficientes por trechos da linha de montagem. Segundo ela, esta alteração
das características produtivas ainda é muito pequena frente
a tanta exigência por qualificação.
"O
critério da qualificação serve para alguns postos,
os mais nucleares, da gerência para cima. Para servir café,
cuidar da limpeza e realizar outros trabalhos periféricos, a qualificação
não faz tanta diferença. Em dez anos de modernização
observou-se que não existe um determinismo tecnológico tão
forte, capaz de alterar a composição da estrutura do emprego.
Então de onde está vindo esse aumento da escolaridade? Vem
muito mais de uma retórica do que de uma necessidade", conclui Eliane
Do
topo à marginalização
Em
sua tese de doutorado, Eliane Rosandiski ressalta que as empresas romperam
com as antigas formas de controle do trabalho, em que o Estado e os sindicatos
cumpriam papel decisivo. Diante do acirramento das condições
de concorrência, as empresas buscaram uma maior autonomia para flexibilizar
as relações de trabalho e adequá-las às flutuações
na produção. O resultado foi uma "internalização"
de decisões, tais como requisitos mínimos de qualificação
para o trabalhador, formas de remuneração e jornadas, devendo-se
destacar o ambiente propiciado pelo enfraquecimento do movimento sindical.
Segundo
a pesquisadora, esta reestruturação não levou a um
ambiente de trabalho mais qualificante, salvo exceções. Na
indústria automotiva é possível afirmar que, em seu
topo, surgiu um ambiente ocupacional compatível com a retórica
da modernização melhores indicadores de escolaridade, tempo
de serviço, remuneração e produtividade. No entanto,
esta cadeia apresenta uma especificidade: os trabalhadores desqualificados,
demitidos das montadoras, contam com um setor bastante segmentado. "Eles
podem ser realocados nas empresas de auto-peças de primeira e principalmente
de segunda linha. A desqualificação é redistribuída
ao longo da cadeia", diz Eliane.
Já
na indústria têxtil, onde predomina a função
de baixa qualificação, o resultado da modernização
é trágico. "Quando se automatiza o processo produtivo, imediatamente
se desqualifica o trabalhador e não há como recolocá-lo
na própria cadeia, pois a função deixa de existir
e ele é mesmo eliminado", atesta a pesquisadora. "Para contornar
os efeitos negativos do desemprego tecnológico até existem
programas de treinamento, mas sua ação é limitada,
pois muitas vezes estão dirigidos para uma função
que logo se esgota. O escoamento de mão-de-obra é muito maior
que a capacidade de absorção da indústria, mesmo porque
estamos vivendo uma recessão", acrescenta.
Diante
desse quadro, a professora também critica a proposta de desregulamentação
do trabalho, tão em voga. "Tirar a proteção trabalhista
é condenar o empregado de nível periférico, que continua
descartável, a uma situação de marginalização.
E este é o grande problema do momento: o que fazer com o trabalhador
desqualificado e desempregado, sem idade ou condições para
se qualificar e que não encontra espaço na sociedade?", é
a questão colocada por Eliane. Para ela, diante da crescente desregulamentação,
mesmo os trabalhadores que ocupam postos superiores na estrutura ocupacional
sentem-se ameaçados, pois apesar do discurso da qualificação,
a manutenção do emprego passa a depender unicamente das condições
de lucratividade da empresa.
SETOR TÊXTIL
Variação de Emprego e Distribuição por Escolaridade
|
Variação
do Emprego |
|
1989-1999 |
Indústria Transformação |
- |
23,90% |
Setor Têxtil |
- |
51,51% |
Faixas
de Escolaridade |
1989 |
1999 |
Analfabeto |
1,8 |
0,9 |
1gr. Incompleto |
72,5 |
48,2 |
1 gr. Completo |
16,4 |
31,9 |
2 gr. Completo |
6,9 |
16,1 |
Sup. Completo |
2,0 |
2,8 |
Fonte:
RAIS (Relação Anual de Informações Sociais)
Não inclui segmento de confecções e microempresas.
MONTADORAS
Variação de Emprego e Distribuição por Escolaridade
|
Variação do
Emprego
|
|
1989-1999
|
Indústria Transformação |
- |
23,90%
|
Montadoras |
- |
37,21%
|
Faixas de Escolaridade
|
1989
|
1999
|
Analfabeto |
0,3 |
0,0 |
1gr. Incompleto |
61,9 |
21,7 |
1 gr. Completo |
22,7 |
33,8 |
2 gr. Completo |
11,4 |
34,0 |
Sup. Completo |
3,7 |
10,4 |
Fonte:
RAIS (Relação Anual de Informações Sociais)
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