Jornal da Unicamp 185 - 12 a 18 de agosto de 2002
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Veneno de aranha dá pistas
sobre processo inflamatório

ISABEL GARDENAL

A Unicamp desvenda a ativação de receptores de serotonina em nervos sensoriais pelo veneno da aranha armadeira Phoneutria nigriventer e está prestes a identificar mecanismos que levam à inflamação de causa nervosa, conhecida como neurogênica. Alguns testes do Laboratório de Inflamação e Cardiovascular do Departamento de Farmacologia da Unicamp trazem nova esperança à evolução de drogas antiinflamatórias, sobretudo para a pele. É o que atesta o farmacologista Edson Antunes no trabalho "Mecanismos farmacológicos envolvidos na inflamação neurogênica induzida pelo veneno da aranha P. nigriventer".

A última palavra é que pesquisadores do laboratório, motivados pela visita de uma especialista inglesa em reações inflamatórias, passaram a injetar, por acaso, o veneno, que provoca edema no local da picada, num modelo vascular. "Foi inestimável verificar que o veneno produz reação intensa", comemora Antunes. "O conhecimento do processo promete levar à nova classe de agentes, já que, mesmo corticóides, com todo poder antiinflamatório, ainda não podem combater certas doenças inflamatórias."

Antissoro – É inacreditável que a temível nigriventer passe a ser útil à terapêutica. Responsável pela maioria dos acidentes por araneísmo em São Paulo e perigosa em sua tática de ataque, ela arma o bote apoiando-se nas patas traseiras para projetar as dianteiras – daí o nome popular de "aranha armadeira". Mesmo assim, o atendimento aos casos enviados para o Centro de Controle de Intoxicações (CCI) do HC tem sido favorável, graças ao antissoro.

Achados – Grande parte das experiências com o veneno foi feita em coelhos e ratos, pois estes apresentam distribuição de nervos similar à dos humanos. Para se ter idéia, a microcirculação cutânea é dotada de fibras nervosas hábeis em produzir as sensações de frio/calor e dor. Quando estimuladas, provocam inflamação na pele. Acredita-se, por aí, que dermatites como a psoríase (lesões avermelhadas nos cotovelos e no couro cabeludo que invadem o corpo) resultem da ativação dessas fibras sensoriais.

Em animais de laboratório, desprovidos de fibras sensoriais funcionais, o veneno não age, pois possuem componentes que liberam fatores pró-inflamatórios destas fibras – as taquicininas.

Antunes conta que uma doutora da Unicamp, que investiga o mesmo veneno, transferiu-se para a Inglaterra a fim de examinar um modelo de fibra nervosa, isolada do animal, inexistente no Brasil. Os resultados revelaram que o veneno ativa, seletivamente, o receptor de serotonina do tipo 5HT4 no terminal sensorial.

Dessa forma, cria-se a hipótese de que antagonistas desta classe de receptores seriam efetivas drogas antiinflamatórias."Mas ainda não temos os antagonistas de 5-HT4 disponíveis para a clínica", lamenta Antunes. Ele prossegue: "Mais adiante, não só doenças de pele, mas também asma, artrite reumatóide e lúpus eritematoso, serão esclarecidas com tratamentos que, infelizmente, não estão elucidados. É certo que adicionamos um degrau à escada."