Jornal da Unicamp 186 - 19 a 25 de agosto de 2002
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Integração
Memorial da América Latina
oferece sua infra-estrutura à Unicamp
para pesquisas que levem à integração
dos países latino-americanos

Magalhães, presidente do Memorial: lembrando Darci Ribeiro e sua idéia bolivariana de "pátria grande"LUIZ SUGIMOTO

O termo latino-americano costuma vir acompanhado de significados negativos, trazendo o carimbo de subdesenvolvido, de secundário, de submisso. E, ao longo dos séculos, ao invés de buscarem a união para derrubar este preconceito por parte do primeiro mundo, os países da América Latina sempre caminharam no sentido inverso, alimentando desconfianças e rivalidades geopolíticas, econômicas e culturais, acabando por acentuar este isolamento. De "cucarachos" são chamados os latinos pelos yankees, preconceito que destilamos entre nós mesmos, visto que de "macaquitos" são chamados os brasileiros pelos argentinos.

"O isolamento não é uma característica do Brasil. Colocamos nossa língua como um diferencial, mas todos os países latino-americanos sempre se comunicaram muito pouco entre si", critica o professor Fábio Magalhães, diretor-presidente do Memorial da América Latina. Atendendo a convite da CORI (Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais), ele concedeu palestra na Unicamp em 9 de agosto, onde esclareceu que o Memorial, embora tenha se destacado por suas iniciativas nas artes, sempre esteve aberto às outras áreas do conhecimento, o que inclui ciência e tecnologia.

Magalhães anunciou que pesquisadores de todas as áreas da Unicamp, envolvidos ou interessados em questões latino-americanas, podem contar com a infra-estrutura e o prestígio do Memorial para a viabilização de projetos que contribuam no esforço para a integração desses países. Segundo o coordenador da CORI, professor Luís Cortez, inicialmente a Universidade criará um centro virtual para pesquisadores já com projetos nesta área, buscando a ajuda da Fundação para a interligação de redes (veja matéria na página). 

Ao recordar e contextualizar historicamente a criação do Memorial da América Latina, Fábio Magalhães ressaltou o ideal do antropólogo Darci Ribeiro, que projetou a instituição em companhia de outros notáveis como Oscar Niemayer: "Darci levava em conta um sonho antigo, da "pátria grande", idéia bolivariana bem presente. Ele imaginava criar um espaço para fomentar, irradiar e integrar as culturas latino-americanas juntamente com as universidades. Queria um órgão para reflexão, mas que não permitisse uma duplicidade em relação à academia; a instituição não deveria ter quadros e sim incentivar nas universidades uma atividade latino-americana", explica.

Não é por acaso, portanto, que o Memorial possui em seu conselho curador os reitores das três universidades paulistas – Unicamp, USP e Unesp –, além do presidente da Fapesp e dos secretários estaduais de Cultura e de Ciência e Tecnologia. "No aspecto simbólico, não há paralelo de um esforço tão grande por parte do Estado em criar um conjunto arquitetônico deste porte com o objetivo da integração latino-americana", observa o presidente da Fundação.

Provincianismo – Fábio Magalhães, que dirige o Memorial há oito anos, expôs de forma esclarecedora o leque de obstáculos a serem superados para a integração latino-americana: os atritos entre alguns países em relação a suas fronteiras; os tantos entraves no Mercosul; a viabilização da navegação comercial nas bacias hidrográficas; a inexistência de acordos no aproveitamento de energia; a falta de posições unificadas para o comércio exterior; o provincianismo de estados brasileiros como São Paulo, que apesar do volume de negócios mantidos com a Argentina ainda não tomou a iniciativa de intensificar, por si, suas relações internacionais. 

É realmente um leque aberto aos pesquisadores da Unicamp, que poderiam contribuir com projetos em todas as áreas. "Apesar dos recursos parcos, minha gestão tem sido muito voltada para a pesquisa e para a criação de um espaço de discussão dessas questões", afirma o professor. "Uma área que considero fundamental é a de estudos comparados. Com a Unicamp, a partir da orientação de Antonio Cândido, publicamos um livro sobre a história da literatura latino-americana", recorda, acrescentando que acaba de receber da Universidade uma tese na área de alimentação, comparando o consumo da América Latina ao da União Européia.

Grande avanço – Magalhães cita também uma discussão sobre integração real em pesquisa científica e tecnológica, levantada por Eduardo Frei, presidente chileno, em palestra no Memorial: "Ele chamou a atenção para a importância de acordos que fortaleçam determinadas áreas de pesquisa. Se o Chile possui um setor de excelência, por que não convidar cientistas brasileiros que enriqueçam os estudos, ao invés de trabalhar isoladamente?", questiona.

O presidente do Memorial, apesar da crise que atinge todos os países, reitera sua confiança no sonho da integração, principalmente depois do grande avanço observado desde o início do processo de democratização da América Latina. "No caso do Brasil, a ditadura levou uma elite intelectual a viver no Chile, Argentina, México. Temos toda uma geração que viveu a experiência latino-americana e hoje ocupam cargos de decisão. O processo de integração também traz a experiência recente e dolorosa dos exílios", finaliza.

Parceria estratégica para a Universidade

Cortez, da CORI: criação de um centro virtual para pesquisadores da Unicamp"A parceria com o Memorial da América Latina é estratégica para Unicamp", afirma o professor Luís Cortez, coordenador da CORI, ao anunciar uma roupagem nova dada ao conjunto de projetos para o Mercosul elaborado ainda na administração anterior e agora adaptado à realidade presente, com sua extensão a todos os países latino-americanos. "Visitamos o Memorial e, nos termos da fundação, vimos que ele foi concebido para contemplar também às áreas científica, tecnológica e política, entre outras", acrescenta.

Segundo Cortez, a Unicamp pretende criar, de início, um centro virtual de estudos latino-americanos, contando com o apoio logístico do Memorial, que mantém contatos estreitos com o Ministério de Relações Exteriores e com as próprias redes já existentes. "Ao lado do Memorial funciona o Parlatino (Parlamento Latino-Americano), que atrai parlamentares de cada país", acrescenta.

Depois de reuniões com os responsáveis pelo projeto anterior, percebeu-se que a estratégia para as pesquisas não deveria mais ser a de focar a América do Sul de maneira global, mas por temas. "O focos podem estar, por exemplo, na integração dos países da região amazônica (Brasil, Guianas, Colômbia, Venezuela) ou no Pantanal (Brasil, Paraguai, Bolívia)", afirma Cortez. Da mesma forma, o coordenador da CORI sugere temas em ciências políticas (a própria formação de cientistas políticos), economia (relações comerciais, sindicais e trabalho), saúde e educação. "A Universidade possui vários centros trabalhando com essas questões", acrescenta.

Na opinião de Luís Cortez, a opção por projetos temáticos também facilitaria a aprovação de financiamentos por agências de fomento nacionais e internacionais e o encontro de parceiros nos outros países latino-americanos para que ajudem a equacionar esse problema dos recursos. "Sabemos que, atualmente, são poucos os governos em condições de financiar pesquisas. Chile e o México talvez sejam os únicos a cooperar de igual para igual com o Brasil. Para os demais países, teremos de procurar agências internacionais como as fundações Ford e Rockfeller", afirma.