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Memorial da América Latina
oferece sua infra-estrutura à Unicamp
para pesquisas que levem à integração
dos países latino-americanos |
LUIZ
SUGIMOTO
O
termo latino-americano costuma vir acompanhado de significados negativos,
trazendo o carimbo de subdesenvolvido, de secundário, de submisso.
E, ao longo dos séculos, ao invés de buscarem a união
para derrubar este preconceito por parte do primeiro mundo, os países
da América Latina sempre caminharam no sentido inverso, alimentando
desconfianças e rivalidades geopolíticas, econômicas
e culturais, acabando por acentuar este isolamento. De "cucarachos" são
chamados os latinos pelos yankees, preconceito que destilamos entre nós
mesmos, visto que de "macaquitos" são chamados os brasileiros pelos
argentinos.
"O
isolamento não é uma característica do Brasil. Colocamos
nossa língua como um diferencial, mas todos os países latino-americanos
sempre se comunicaram muito pouco entre si", critica o professor Fábio
Magalhães, diretor-presidente do Memorial da América Latina.
Atendendo a convite da CORI (Coordenadoria de Relações Institucionais
e Internacionais), ele concedeu palestra na Unicamp em 9 de agosto, onde
esclareceu que o Memorial, embora tenha se destacado por suas iniciativas
nas artes, sempre esteve aberto às outras áreas do conhecimento,
o que inclui ciência e tecnologia.
Magalhães
anunciou que pesquisadores de todas as áreas da Unicamp, envolvidos
ou interessados em questões latino-americanas, podem contar com
a infra-estrutura e o prestígio do Memorial para a viabilização
de projetos que contribuam no esforço para a integração
desses países. Segundo o coordenador da CORI, professor Luís
Cortez, inicialmente a Universidade criará um centro virtual para
pesquisadores já com projetos nesta área, buscando a ajuda
da Fundação para a interligação de redes (veja
matéria na página).
Ao
recordar e contextualizar historicamente a criação do Memorial
da América Latina, Fábio Magalhães ressaltou o ideal
do antropólogo Darci Ribeiro, que projetou a instituição
em companhia de outros notáveis como Oscar Niemayer: "Darci levava
em conta um sonho antigo, da "pátria grande", idéia bolivariana
bem presente. Ele imaginava criar um espaço para fomentar, irradiar
e integrar as culturas latino-americanas juntamente com as universidades.
Queria um órgão para reflexão, mas que não
permitisse uma duplicidade em relação à academia;
a instituição não deveria ter quadros e sim incentivar
nas universidades uma atividade latino-americana", explica.
Não
é por acaso, portanto, que o Memorial possui em seu conselho curador
os reitores das três universidades paulistas – Unicamp, USP e Unesp
–, além do presidente da Fapesp e dos secretários estaduais
de Cultura e de Ciência e Tecnologia. "No aspecto simbólico,
não há paralelo de um esforço tão grande por
parte do Estado em criar um conjunto arquitetônico deste porte com
o objetivo da integração latino-americana", observa o presidente
da Fundação.
Provincianismo Fábio Magalhães, que dirige o Memorial há oito anos, expôs de forma esclarecedora o leque de obstáculos a serem superados para a integração latino-americana: os atritos entre alguns países em relação a suas fronteiras; os tantos entraves no Mercosul; a viabilização da navegação comercial nas bacias hidrográficas; a inexistência de acordos no aproveitamento de energia; a falta de posições unificadas para o comércio exterior; o provincianismo de estados brasileiros como São Paulo, que apesar do volume de negócios mantidos com a Argentina ainda não tomou a iniciativa de intensificar, por si, suas relações internacionais.
É
realmente um leque aberto aos pesquisadores da Unicamp, que poderiam contribuir
com projetos em todas as áreas. "Apesar dos recursos parcos, minha
gestão tem sido muito voltada para a pesquisa e para a criação
de um espaço de discussão dessas questões", afirma
o professor. "Uma área que considero fundamental é a de estudos
comparados. Com a Unicamp, a partir da orientação de Antonio
Cândido, publicamos um livro sobre a história da literatura
latino-americana", recorda, acrescentando que acaba de receber da Universidade
uma tese na área de alimentação, comparando o consumo
da América Latina ao da União Européia.
Grande avanço Magalhães cita também uma discussão sobre integração real em pesquisa científica e tecnológica, levantada por Eduardo Frei, presidente chileno, em palestra no Memorial: "Ele chamou a atenção para a importância de acordos que fortaleçam determinadas áreas de pesquisa. Se o Chile possui um setor de excelência, por que não convidar cientistas brasileiros que enriqueçam os estudos, ao invés de trabalhar isoladamente?", questiona.
O
presidente do Memorial, apesar da crise que atinge todos os países,
reitera sua confiança no sonho da integração, principalmente
depois do grande avanço observado desde o início do processo
de democratização da América Latina. "No caso do Brasil,
a ditadura levou uma elite intelectual a viver no Chile, Argentina, México.
Temos toda uma geração que viveu a experiência latino-americana
e hoje ocupam cargos de decisão. O processo de integração
também traz a experiência recente e dolorosa dos exílios",
finaliza.
Parceria estratégica para a Universidade |
"A
parceria com o Memorial da América Latina é estratégica
para Unicamp", afirma o professor Luís Cortez, coordenador da CORI,
ao anunciar uma roupagem nova dada ao conjunto de projetos para o Mercosul
elaborado ainda na administração anterior e agora adaptado
à realidade presente, com sua extensão a todos os países
latino-americanos. "Visitamos o Memorial e, nos termos da fundação,
vimos que ele foi concebido para contemplar também às áreas
científica, tecnológica e política, entre outras",
acrescenta.
Segundo
Cortez, a Unicamp pretende criar, de início, um centro virtual de
estudos latino-americanos, contando com o apoio logístico do Memorial,
que mantém contatos estreitos com o Ministério de Relações
Exteriores e com as próprias redes já existentes. "Ao lado
do Memorial funciona o Parlatino (Parlamento Latino-Americano), que atrai
parlamentares de cada país", acrescenta.
Depois
de reuniões com os responsáveis pelo projeto anterior, percebeu-se
que a estratégia para as pesquisas não deveria mais ser a
de focar a América do Sul de maneira global, mas por temas. "O focos
podem estar, por exemplo, na integração dos países
da região amazônica (Brasil, Guianas, Colômbia, Venezuela)
ou no Pantanal (Brasil, Paraguai, Bolívia)", afirma Cortez. Da mesma
forma, o coordenador da CORI sugere temas em ciências políticas
(a própria formação de cientistas políticos),
economia (relações comerciais, sindicais e trabalho), saúde
e educação. "A Universidade possui vários centros
trabalhando com essas questões", acrescenta.
Na
opinião de Luís Cortez, a opção por projetos
temáticos também facilitaria a aprovação de
financiamentos por agências de fomento nacionais e internacionais
e o encontro de parceiros nos outros países latino-americanos para
que ajudem a equacionar esse problema dos recursos. "Sabemos que, atualmente,
são poucos os governos em condições de financiar pesquisas.
Chile e o México talvez sejam os únicos a cooperar de igual
para igual com o Brasil. Para os demais países, teremos de procurar
agências internacionais como as fundações Ford e Rockfeller",
afirma.
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