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A Penúltima Pérola
Nelson
Pereira dos Santos filma Sérgio Buarque na Unicamp
em
documentário elogiado mesmo antes de finalizado e anuncia sua "aposentadoria"
com ficção que terá a Guerra do Paraguai
como
pano de fundo
LUIZ
SUGIMOTO
O
maior cineasta em atividade no Brasil passou praticamente despercebido
pela Unicamp em 16 de agosto. Nelson Pereira dos Santos veio filmar o acervo
pessoal de Sérgio Buarque de Holanda – livros, documentos, cartas,
fotos e objetos do cotidiano deixados pelos familiares aos cuidados da
Biblioteca Central e do Arquivo Central da Universidade. Ele está
finalizando um documentário inspirado no centenário do historiador,
que será exibido em dois ou três episódios na televisão
e em longa metragem de 90 minutos nos cinemas, provavelmente a partir de
novembro.
"Vocês
sabem que conheço bem Campinas? Vivi bons tempos aqui", disse Pereira
dos Santos após os cumprimentos, quebrando a formalidade. Deu a
impressão de que preferiria falar sobre suas peripécias na
cidade, tal como histórias contadas no demorado almoço com
anfitriões da BC e do Siarq. Pena que a entrevista precisasse ser
rápida diante do trabalho que o chamava. Mesmo quanto a Raízes
do Brasil – uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda, o cineasta
preocupou-se mais em enaltecer a figura do intelectual e a família,
como se ele também fosse mero espectador de uma "pérola",
segundo antevêem críticos que tiveram acesso ao material colhido
até o momento.
"Ao
invés de um narrador profissional, que não viveu a realidade
de Sérgio Buarque, preferi conservar como intérpretes pessoas
da família: viúva, sete filhos, quatorze netos, amigos. É
através deles que surge a figura do escritor, historiador, jornalista",
explica Pereira dos Santos. E para reafirmar o caráter impessoal
do filme, o cineasta acrescenta: "A biografia não é individual.
Ela se ramifica na mulher, filhos e netos. Cada um tem um pedaço
de Sérgio Buarque em sua atividade. O mais conhecido é o
Chico, mas em todos vejo a mesma visão democrática, libertária,
anticonvencional, a favor do Brasil".
São duas abordagens: a do homem, pai e amigo, contada por familiares e amigos; e a do autor e obra, mesmo assim com base em apontamentos da mulher Maria Amélia. "Seria impossível citar tantos livros e acontecimentos. Pesquisamos arquivos de montão. A fase na Alemanha, por exemplo, é riquíssima: o expressionismo, a ascensão de Hitler, as grandes figuras que ele conheceu. Sem falar na história do País anos 30, quando ele produz "Raízes do Brasil", que aliás continua muito atual e merece ser discutido".
Obra
final – Em meio à conversa, Nelson Pereira dos Santos revela
que vai se aposentar. E que já tem pronto o roteiro para seu último
filme, uma ficção, que espera rodar no próximo ano.
"A história se passa na Guerra do Paraguai, mas não se trata
de um filme épico, não há batalhas. A guerra é
pano de fundo para um exército que ficou imobilizado no charco durante
dezoito meses. O título será Guerra e Liberdade, retratando
a procura da liberdade especialmente pelos escravos que, ao voltarem da
luta como soldados, deveriam ser cidadãos livres".
"É hora de deixar para os jovens", reitera o cineasta, otimista quanto ao futuro da arte no País. "O cinema brasileiro sempre foi fértil: quando o terreno é regado, o fruto cresce, e isso tem sido demonstrado com as leis de incentivo fiscal". E conclui: "Os filmes estão muito diferentes entre si, o que mostra pluralidade na profissão. Antes, quem tinha respeito por si mesmo fazia cinema empenhado nas liberdades e na questão social. Esta obrigação já não existe e vemos um cinema mais rico. O cineasta jovem não tem mais obrigação de salvar o mundo, mas de se abrir e contar sua história".
Papai
faz 100 anos
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A
família de Holanda (com um "l" ou dois, dependendo da grafia adotada
por cada membro), ainda lamentava um projeto inviabilizado sobre a vida
do patriarca junto à GNT (TV a cabo), quando soube que Nelson Pereira
dos Santos fazia um documentário sobre o centenário de Gilberto
Freyre. "Ora, daqui a dois anos é papai quem faz cem anos", lembrou
Ana de Hollanda, cantora e filha do historiador, que adotou dois "ll".
A
partir daí, a família toda foi à luta, inclusive a
viúva Maria Amélia, que acabou como intérprete principal
do documentário. Por causa da dificuldade em obter financiamentos,
pensou-se em desistir do filme. "Mas já havia tanto envolvimento,
inclusive do Nelson, apaixonado pela figura do meu pai, que resolvemos
tocar o projeto no peito", afirma Ana. Ainda não entrou "dinheiro
de verdade", mas já se tem a garantia de uma estatal para cobrir
parte dos custos, pelo menos dos profissionais que trabalham sem receber,
inclusive o diretor.
Ana
de Hollanda acompanhou as filmagens na Unicamp e volta ao campus para fazer
o show de abertura do simpósio internacional que o IFCH realiza
em 9 e 10 de setembro, dentro das comemorações do centenário.
Sobre os resultados das filmagens, a cantora recorda a exibição
do material bruto feita para a família. "Ficamos muito emocionados.
Mamãe tem 92 anos e, de repente, reviu toda a sua vida, a grande
luta dos dois. Ficamos felizes por ela", festeja Ana. Se o documentário
é uma pérola? Sorrindo, a filha de Sérgio Buarque
responde: "Pérola é pouco. É brilhante". |
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