ROSANA BAENINGER
As migrações internacionais vêm ganhando destaque no cenário mundial em função das enormes transformações econômicas, sociais, políticas, culturais e ideológicas experimentadas desde o final dos anos 80; as desigualdades regionais acentuadas e crescentes, os conflitos bélicos, a destruição do bloco soviético, a formação de blocos econômicos, constituem o pano de fundo desses deslocamentos populacionais contemporâneos. O Brasil começou também, a partir das ultimas duas décadas do século passado, a se inserir nesse novo contexto das migrações internacionais tanto com fluxos de saídas de brasileiros para o exterior quanto com a recente entrada de estrangeiros no País. O tema das migrações internacionais ressurge, pois, como questão demográfica no Brasil ao final do século 20.
Depois de quase um século da entrada em massa dos estrangeiros no Brasil, a virada para o século 21 aponta novamente a importância desse fenômeno social.
A história da composição e formação da população brasileira é marcada por distintos movimentos de imigrantes estrangeiros, inseridos em momentos diferentes da economia. Desde o descobrimento do Brasil tivemos a presença do imigrante. Os portugueses foram os primeiros que chegaram. Por volta de 1550, com a necessidade de braços para a lavoura canavieira, iniciou-se o tráfego de escravos africanos (estima-se que cerca de 3 milhões de africanos entraram no País de 1550 a 1850). A partir da segunda metade do século XIX, a implantação da cultura do café conduziu a uma imigração européia de grande magnitude; na primeira onda de imigração estrangeira (de 1880 a 1903) entraram 1,9 milhão de europeus, principalmente italianos, seguidos de portugueses, espanhóis, alemães (Levy, 1974), na segunda onda (de 1904 a 1930) entraram outros 2,1 milhões, destacando-se que essa etapa em particular no pós Primeira Guerra Mundial além dos italianos, nota-se a presença de poloneses, russos e romenos. A terceira onda de imigrantes estrangeiros (1930-1953) foi marcada por volumes bastante inferiores de entradas, com a chegada dos japoneses entre 1932 a 1935 e das novas imigrações espanholas, gregas e sírio-libanesas entre 1953-1960 (imigrações dirigidas em parte ao setor industrial). Os anos 60 encerraram a recepção da imigração estrangeira ao Brasil. Na verdade, com a imigração estrangeira diminuindo progressivamente depois de 1930, as próximas etapas da economia brasileira contaria com a participação das migrações internas.
No entanto, a segunda metade dos anos 80 voltou a trazer a questão da migração internacional para a agenda de pesquisa dos estudiosos. Num primeiro momento, foi o movimento de saída de brasileiros para o exterior que chamou a atenção do fenômeno e revelou a nova característica migratória do País; mais de um milhão de brasileiros encontravam-se fora do Brasil nos anos 90, principalmente nos Estados Unidos, Paraguai e no Japão, além de outros países como a Itália, Portugal, Inglaterra, Franca, Canadá, Austrália, Suíça, Alemanha, Bélgica, Holanda e Israel. Ressalte-se, contudo, que a emigração de brasileiros para o Paraguai data dos anos 70, (re)aparecendo e sendo visualizada agora no novo contexto das migrações internacionais; os brasiguaios constituem o segundo maior volume de emigrantes brasileiros (cerca de 300 mil pessoas), perdendo apenas para os Estados Unidos (mais de 500 mil).
A outra face do fenômeno migratório internacional no Brasil revela-se pela entrada de novos contingentes de imigrantes. O cenário da globalização encurta distências, redefine localizações e cria blocos econômicos, assim o Pais assiste, principalmente a partir dos anos 90, desde a entrada de coreanos até o crescente afluxo de latino-americanos. A indústria de confecção em São Paulo vem sendo administrada por coreanos, que, por sua vez, contratam bolivianos, peruanos e colombianos, na maioria em situação irregular, para trabalharem nesse setor.
No contexto da América Latina, o Brasil figurava até os anos 70 como uma área de evasão populacional para os países vizinhos, em especial para o Paraguai e Argentina. A partir dos anos 80, o País passa a se configurar como uma das áreas de recepção migratória de latino-americanos.
No cenário dos movimentos internacionais na América Latina e Caribe, o Brasil concentra o quarto maior estoque desses estrangeiros (118.525 pessoas, ao redor dos anos 90), contra 181.273 brasileiros residentes nos países da região. Embora o número de emigrantes supere o de imigrantes, ao se examinar os destinos desses emigrantes pode-se apreender que se tratam de situações heterogêneas, revelando, desse modo, as atuais modalidades das migrações latino-americanas de e para o Brasil.
A evolução dos estoques de brasileiros nos países da região indica, principalmente a partir de 1980, uma nova situação do Brasil no contexto regional. O estoque de brasileiros na Argentina de 1960 a 1991 vem diminuindo (de 48 mil para 33 mil pessoas, respectivamente), ao passo que o de argentinos no Brasil vem se elevando (de 15 mil para 25 mil pessoas, nesses 40 anos). Esse mesmo fenômeno vem ocorrendo também com o Uruguai, onde o número de brasileiros tem se estabilizado desde 1975 (em torno de 14 mil pessoas), enquanto que de 11 mil uruguaios no Brasil, em 1960, passou-se para 22 mil em 1991; com o Peru, de 3 mil brasileiros em 1972 para 2,5 mil, em 1993, sendo que haviam 2,5 mil peruanos aqui, em 1960, alcançando 5,8 mil, em 1991; e, com a Colômbia, que chegou a registrar 2,3 mil brasileiros, em 1960, baixando para 1,4 mil, em 1993, registrando o Brasil 2 mil colombianos, em 1991, contra os 685, de 1960.
Alem dos fluxos, já mencionados, o Brasil vem contando com a entrada de fluxos imigrantes de mão-de-obra qualificada vindos da Argentina e do Chile, em direção principalmente à metrópole de São Paulo. Ou seja, no fluxo de entrada de latino-americanos configuram-se grupos sociais distintos e, em particular, com destino metropolitano; já na emigração de brasileiros para os paises da América Latina predominam os agricultores, em direção às áreas de fronteiras. Nesse sentido, o Mercosul precisa também considerar, na elaboração de suas políticas, esses diferentes fluxos que compõem as migrações na região.
Outros fluxos de estrangeiros de mão-obra especializados também vêm crescendo no Brasil; o Ministério do Trabalho indica a entrada, por tempo determinado, de especialistas, gerentes e administradores com origem nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Franca.
Desse modo, o século 21 inicia-se reforçando as tendências dessa migração, consolidando o Brasil na rota dos deslocamentos populacionais internacionais, tanto no que se refere à saída de brasileiros quanto à entrada de estrangeiros no país.
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Rosana Baeninger é professora no Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp.