Proteína hidrolisada de soro de queijo
aumenta em até 2,6 vezes o desempenho físico de animais de laboratório
Em teste, um ‘elixir’ para atletas
LUIZ SUGIMOTO
Em setembro do ano passado, o queniano Paul Tergat correu os 42.195m da Maratona de Berlim em 2h04min55seg, obtendo o recorde mundial da modalidade. Se ele fosse um rato, e não um homem, teria a possibilidade de adquirir resistência para cumprir 2,6 vezes esta distância (110km) sem diminuir a cadência das passadas. Nada a ver com doping. O desempenho extraordinário foi registrado em animais de laboratório submetidos a duas semanas de dieta com a proteína hidrolisada de soro de queijo, na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. “Enquanto ratinhos treinados e alimentados com a proteína intacta do soro lácteo correram durante 60 minutos, outros que receberam a proteína hidrolisada resistiram por 160 minutos”, informa a doutoranda Maria Inés Abecia Soria, que assina o trabalho juntamente com o professor Jaime Amaya-Farfán e as colegas Fernanda Pimenta e Flávia Auler, do Departamento de Alimentos e Nutrição.
Jaime Farfán guarda a expectativa de, ainda este ano, poder finalizar os trâmites junto à comissão de ética e reunir um grupo multidisciplinar com pesquisadores das áreas médica e de educação física, iniciando testes em humanos. “Obviamente, não veremos um ganho desta proporção na resistência de um atleta já bem condicionado fisicamente, pois é uma resposta praticamente impossível para uma pessoa adulta. Mas também não temos motivos para duvidar que a proteína hidrolisada levará a uma melhora importante do seu desempenho”, prevê o professor. A equipe da FEA trabalhou com duas formas diferentes de uma mesma proteína do soro de queijo: a proteína intacta, chamada de isolada, e a hidrolisada, que passou por um processo de pré-digestão. “Depois do tratamento para remover a lactose (açúcar do leite), sobra uma proteína praticamente pura a mesma encontrada na ricota , que é desidratada e ganha consistência e sabor de leite em pó”, explica Farfán.
Num grupo de 30 ratos que receberam a proteína intacta, 10 permaneceram sedentários em suas gaiolas e 20 foram treinados diariamente em esteira, por tempo limitado. Dentre os ratos treinados, 10 foram posteriormente submetidos a teste de exaustão. Procedimentos idênticos foram adotados com outro grupo de 30 ratos alimentados com a proteína hidrolisada. “Considerando o tempo de exaustão, o desempenho físico dos animais que consumiram a proteína hidrolisada foi quase três vezes superior. É uma diferença notável”, ressalta Maria Inés Abecia.
Em todos os grupos foram determinados parâmetros bioquímicos para verificar o estado fisiológico do animal. Mediram-se as alterações na concentração de certas substâncias indicadoras do estresse metabólico, normalmente encontradas em indivíduos (homens ou animais) durante os exercícios físicos. Entre esses parâmetros, segundo Jaime Farfán, está o ácido láctico, que pode provocar contração muscular contínua quando se acumula em excesso. O glicogênio hepático e muscular, substância capaz de produzir energia em curto prazo, é outro indicador de capacidade de realizar exercício. O nível de glicose também é importante, pois se estiver muito baixo o atleta pode perder seus reflexos neurológicos ou até desmaiar. O pesquisador cita ainda a albumina sérica, cuja quantidade cai drasticamente quando o atleta é submetido à exaustão numa maratona, por exemplo. “Segundo os especialistas em biodinâmica, é muito difícil garantir um nível elevado de albumina no maratonista apenas por meio de dieta”, observa.
Pré-digerida O professor da FEA ressalta o fato de que nem homens, nem animais, consomem normalmente as proteínas hidrolisadas pré-digeridas. “As proteínas encontradas na natureza, presentes em plantas ou carnes, são inteiras. O que estamos fazendo é uma modificação na forma de ingerir a proteína, descobrindo efeitos até agora desconhecidos”, afirma Farfán. “A proteína hidrolisada, não tendo que passar por todo o processo natural de digestão, pode seguir caminhos diferentes dos normais, nos diversos pontos do processo. Buscamos o grau de hidrólise apropriado. Em trabalho anterior de outro aluno de pós-graduação, André Godoy Ramos, utilizando um grau de digestão maior, o produto mostrou-se sem efeito. Nosso grau é médio”, acrescenta Maria Inés.
Apesar da comprovação dos resultados, persiste uma dúvida básica relacionada com a parte enzimática. “Vimos que aquele tipo específico de proteína hidrolisada é bom, mas ainda não sabemos como ela mexe com o metabolismo. Nosso esforço é tentar entender o mecanismo”, diz a doutoranda. Jaime Farfán enumera outras dúvidas: por quanto tempo é necessário alimentar o indivíduo; se os resultados são melhores no indivíduo mais jovem, como se tem observado; se o mero consumo por um indivíduo sedentário ofereceria algum ganho; se proteínas hidrolisadas de fontes diferentes do soro lácteo trariam igual benefício; se alimentos fermentados também apresentam graus de hidrólise conseqüentes. “Ainda não sabemos, por exemplo, por que a hidrólise efetuada pelo rato não tem efeito, quais são os peptídeos ativos para a obtenção desses resultados e o quanto do efeito é resultado da inadequação da dieta do animal mesmo trabalhando com as dietas padrão”, admite o professor.
Produto nobre Os estudos com o soro lácteo no Departamento de Alimentos e Nutrição começaram em 1996. “O soro de queijo é o resíduo da fabricação do produto, que antigamente era jogado fora e considerado um poluente da indústria de alimentos. Agora é reconhecido inclusive como alimento funcional, apresentando certas propriedades benéficas à saúde e uma composição melhor para os humanos do que a do próprio queijo. Alguns de seus aminoácidos, como os sulfurados, estão presentes em quantidades bem maiores do que as recomendadas pela FAO”, afirma Maria Inés. De acordo com a pesquisadora, o soro lácteo vem enriquecendo a composição de bolachas e bolos, bem como de alimentos próprios para consumidores com problemas de hipersensibilidade, além de servir como suplemento para a dieta de esportistas. A literatura médica também aponta sua utilização para aumentar ou reter a massa muscular de pacientes com HIV, ajudando ainda a fortalecer o sistema imune.
Na opinião de Jaime Farfán, trata-se de uma proteína comprovadamente rica, mas que ainda precisa ser estudada em inúmeros aspectos. “Não podemos sair recomendando que todos tomem soro de leite. Ele contém muito açúcar e, para quem mostra intolerância à lactose, por exemplo, acaba funcionando como laxante caso o soro não seja processado. De qualquer forma, o que era um subproduto da indústria de queijos, tornou-se ingrediente nobre e, faz oito anos, pesquisamos suas propriedades especiais”, diz o pesquisador.
Sobre a existência de produtos anunciados como hidrolisados no mercado, Farfán observa que é muito difícil saber qual é sua composição. “Os fabricantes não especificam a composição de fragmentos da proteína e a quantidade, sendo que o nível de hidrólise é outro fator crítico. Não há como provar se esses produtos funcionam”, alerta. “Além disso, eles são comercializados como suplementos alimentares, enquanto nós estamos sugerindo a proteína hidrolisada de soro lácteo como única fonte protéica”, complementa Maria Inés Abecia.