Dissertação de mestrado constata que insegurança
marca mulheres no período que antecede a histerectomia
Estudo aborda mitos
sobre retirada do útero
RAQUEL DO CARMO SANTOS
A sensação de ficar frígida, de envelhecer precocemente e o medo de perder a feminilidade são alguns dos pensamentos que povoam a mente da mulher prestes a passar por histerectomia a retirada do útero. Mesmo sabendo que este recurso pode interromper os sofrimentos causados por miomas, sangramento intenso, endometriose, prolapso e outras anomalias, o desconhecido causa ansiedade e insegurança na hora da cirurgia. Esta foi uma das constatações feitas pela psicóloga Adriana Magrin Rivera Sbroggio em seu trabalho de mestrado “Mitos em relação à retirada do útero em mulheres hospitalizadas no período pré-operatório”, apresentado em junho último na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (FCM).
Orientada pelo professor Aloísio José Bedone, Adriana iniciou suas investigações a partir de um estágio realizado no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism). Destacada especificamente para atender pacientes com cirurgia prescrita, ela passou a tomar consciência dos mitos que são absorvidos por essas mulheres. “São sempre as mesmas dúvidas, e existe uma enorme falta de informação sobre o assunto”. Por isso, Adriana defende a necessidade de se criar uma padronização de atendimento pré-operatório das mulheres, semelhante, por exemplo, aos protocolos existentes para aborto e violência sexual. A psicóloga acredita que parte dos abalos emocionais vivenciados pelas pacientes, no período que antecede o procedimento, poderia ser dirimida se elas fossem acompanhadas por um psicólogo desde o momento em que recebem a notícia.
Estima-se que perto de 150 mil mulheres por ano recebem no país a indicação de que precisam se submeter a histerectomia e acabam na sala de cirurgia. Os últimos levantamentos no país datam de 1999, quando foram realizadas 93 mil cirurgias de retirada do útero, mas apenas 5% dos casos provenientes de tumores malignos. Muitos estudos defendem que a cirurgia deveria ser indicada apenas como último recurso no tratamento das doenças. Nos Estados Unidos, o número de mulheres histerectomizadas é ainda maior. São notificados 200 mil casos por ano.
As estimativas aumentam a cada ano, assim como aumenta a preocupação da psicóloga em relação ao problema. Adriana explica que o útero, desde a antiguidade, esteve associado a algo sagrado na mulher. O problema, porém, é que as mulheres só dão conta da sua existência quando precisam engravidar ou retirá-lo.
No trabalho realizado no Caism em um ano e meio, a psicóloga encontrou inúmeras mulheres sem o devido conhecimento do que estava se passando. Para a sua amostragem, ela colheu o depoimento de 10 pacientes na faixa etária de 36 a 52 anos. O nível socioeconômico era baixo e as entrevistadas não tinham escolaridade acima do ensino fundamental apenas uma delas possuía 8a série. Adriana optou por selecionar mulheres com pelo menos um filho vivo, visto que as pacientes sem filhos estariam inseridas em um outro universo de pesquisa.
O método adotado de entrevista com respostas abertas e a mensuração foi qualitativa. Foi perguntado às pacientes o que entendiam da cirurgia e o que representava o útero para elas naquele momento. O objetivo era abordar questões sobre as funções do útero e seu significado; útero e feminilidade; útero, sexualidade e imagem corporal e relacionamento conjugal. A maioria respondeu que não sabia detalhes do procedimento e nem mesmo conhecia o termo histerectomia. Em todas as respostas, notou-se a dificuldade em lidar com a inexistência de um vínculo com o médico. O primeiro contato era com o profissional do posto de saúde, depois passavam pelo ambulatório, enfermaria e só então, eram encaminhadas para a cirurgia. Nesta ciranda, pelo menos, três médicos faziam o atendimento. “Muitas não souberam, inclusive, responder qual médico iria operá-las”.
A indicação de um tratamento psicológico pré-operatório para as mulheres alcançaria também os familiares, na opinião de Adriana. Em sua pesquisa, ela constatou ainda que o apoio do marido é fundamental. “Percebi que muitas vezes os maridos tinham mais dúvidas que a própria mulher”.
Se as pacientes não possuíam um mínimo de conhecimento do seu próprio corpo, os maridos também não. Houve respostas das mulheres em que o marido chegava a declarar que não queria “uma mulher faltando pedaço”. Acreditavam que o prazer sexual era impulsionado pelo útero e por isso, a mulher se tornaria frígida.