Após dez anos à frente da principal agência estadual
de fomento, diretor científico considera sua missão cumprida
Fapesp busca um
sucessor à altura de Perez
CLAYTON LEVY
José Fernando Perez está de saída. Após completar dez anos à frente da diretoria científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o físico que se destacou como um dos responsáveis pelo impulso à inovação tecnológica e ajudou a consolidar a liderança paulista no desenvolvimento científico nacional, está se despedindo para atuar em outras frentes. O anúncio oficial, feito pelo próprio Perez, em carta lida aos membros do Conselho Superior da Fapesp no dia 11 de agosto, teve o tom de “missão cumprida”. Iniciativas que marcaram a ciência brasileira, com repercussão internacional, como o Projeto Genoma, e programas que ajudaram a “abrir” a Fundação, como o financiamento de projetos de pesquisa tecnológica em parceria entre instituições de pesquisa e empresas, são considerados marcos importantes para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional. Após ouvi-lo, o Conselho Superior aprovou, por unanimidade, voto de louvor ao trabalho realizado. Na opinião do reitor Carlos Henrique de Brito Cruz, que foi presidente da Fapesp entre 1996 e 2002 e é membro de seu Conselho Superior desde 1995, o desafio para se encontrar um sucessor à altura será enorme. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Perez, que permanecerá no cargo até a definição de seu substituto, falou sobre a decisão de sair e suas principais ações à frente do cargo.
JU - Por que o senhor decidiu sair da Fapesp?
Perez -Já há algum tempo venho cultivando o sonho de ter uma atuação na inovação tecnológico do lado empresarial. Com a minha experiência na Fapesp fiquei ainda mais estimulado. Se não fosse a questão da crise cambial em 2002, talvez tivesse decidido aceitar esse desafio já naquele momento. Havia algumas oportunidades interessantes, mas entendi que aquele momento não era o mais adequado para sair. Embora não faltem pessoas competentes, o processo de substituição sempre gera turbulências, que não deveriam ser somadas àquelas que já vínhamos passando em razão da crise cambial. Mas a partir de 2003, com a manutenção de uma política bastante austera, conseguimos superar os problemas orçamentários, recompondo o patrimônio e retomando a normalidade do financiamento dos projetos de pesquisa. Então, como voltamos a ter uma condição de céu de brigadeiro, achei que agora seria oportuno partir para uma outra experiência, mesmo porque estamos antecipando em apenas um ano um processo que teria de ocorrer de qualquer maneira no ano que vem. É apenas uma pequena antecipação.
JU - O senhor disse que passará a dedicar-se a atividades de P&D na iniciativa privada. O senhor poderia revelar quais são seus planos?
Perez - Obviamente que tenho propostas muito promissoras, e é por isso que estou tomando essa decisão. Mas ainda são hipóteses. Além disso, no momento, não gostaria de desfocar minha atenção das atividades que ainda continuo tendo à frente da diretoria científica da Fapesp. O que posso dizer é que vou trabalhar do outro lado da fronteira. Acho que precisamos de soldados do lado de lá também, especialmente de pessoas que obtiveram conhecimento sobre o processo da inovação tecnológica e que possam contribuir em atividades de pesquisa e desenvolvimento em ambiente empresarial.
JU - Aliás, o senhor sempre defendeu a inovação tecnológica como uma atribuição das empresas.
Perez - É verdade. Sempre chamei a atenção para o fato de que nossas universidades têm pecado por não estimular a formação de uma cultura voltada para o empreendedorismo. Essa questão precisa ser estimulada no país. Por isso estou muito motivado a tentar criar exemplos de sucesso. É um desafio enorme, mas estou disposto a enfrentá-lo. São hipóteses muito promissoras que oportunamente poderei detalhar melhor.
JU - Durante sua gestão, que ações da Fapesp o senhor destacaria como contribuições importantes à inovação tecnológica?
Perez - Um passo importante foi reconhecer a empresa como um elemento indispensável dentro do processo de inovação tecnológica. Em todos os nossos programas voltadas para inovação tecnológica temos a presença da empresa. Outra contribuição importante foi a idéia de que a transferência do conhecimento do ambiente acadêmico para o setor empresarial tem de ocorrer através de processos em que haja a aferição prévia sobre o interesse das empresas. Não se pode exacerbar demais essa relação do lado da oferta. É importante casar a oferta de pesquisa tecnológica com a demanda. Esses ingredientes são importantes e estão presentes em nossas ações. O PITE (Parceria para Inovação Tecnológica), por exemplo, tem como principal mérito colocar a palavra empresa no dicionário da Fapesp. As empresas que participam do PITE têm de dar uma contrapartida real. Para cada real que a Fapesp investe no projeto, a empresa também tem de colocar a sua contrapartida em real. Esse conceito foi importante para mostrar que a empresa participa compartilhando o risco.
JU - Foi uma mudança de mentalidade importante.
Perez -Não há dúvida. Essa mudança conseguiu duas coisas importantes: primeiro, colocar a empresa na equação e, segundo, colocá-la de uma forma sadia. Não com uma declaração vaga de interesses mas com um comprometimento com o projeto da forma mais expressiva possível, que é com o desembolso de recursos. Por isso, o PITE atingiu marcas importantes. Empresas como a Natura, Embraer e Rhodia, por exemplo, tiveram projetos aprovados. É um programa que continua com muito vigor.
JU - O PIPE (Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas) alcançou os mesmos resultados?
Perez -Claro. O PIPE é uma das jóias da coroa. Esse programa teve o papel de abrir novos horizontes. Depois de sete anos de programa, temos mais de 300 empresas. Isso significa uma empresa por semana. É uma marca expressiva. Quando o PIPE foi lançado havia muito ceticismo quanto à capacidade da demanda qualificada. Além disso, havia uma resistência ideológica por ser o primeiro programa na história do país voltado para o financiamento à pesquisa nas empresas a fundo perdido. Superamos essa barreira e criamos novos paradigmas, reforçando a idéia de que as iniciativas que dão certo em países desenvolvidos também podem dar certo no Brasil.
JU - Que balanço o senhor faz das redes cooperativas, outra novidade implementada na sua gestão?
Perez - Com essa iniciativa, também criamos o paradigma de fazer a comunidade científica se organizar para trazer propostas. Isso proporcionou o desenvolvimento de trabalhos importantíssimos, como o projeto Genoma, Biota, Tídia. Acho que com a implantação das redes cooperativas, a Fapesp resolveu bem um falso dilema, essa dicotomia entre a demanda espontânea e a demanda induzida. As chamadas induções que nós fizemos não foram bem indução e sim articulações para tornar mais coerentes e compatibilizar as demandas da comunidade com a missão institucional.
JU - No campo do fomento à pesquisa, que ações o senhor destacaria durante a sua gestão?
Perez - Houve uma série de ações. Nós fortalecemos muito a linha dos projetos temáticos. Flexibilizamos as normas de maneira a viabilizar projetos. Pelas normas antigas, grupos de áreas teóricas que não demandassem muitos equipamentos não tinham nenhuma motivação para projetos temáticos, que normalmente contam com uma série de vantagens. Esses projetos passaram a ter uma grande importância para a Fapesp porque talvez representem a melhor amostragem de excelência em pesquisa no estado de São Paulo. Também implantamos uma política inovadora para as bolsas de pós-doutoramento. Estamos praticando uma política agressiva. Se o pesquisador vai trabalhar num projeto temático a bolsa de pós-doutoramento pode durar até quatro anos. A Fapesp mantém mais de 850 bolsistas de pós-doutoramento no país. Um bolsista nesse nível vale cerca de 50 mil reais, o que dá uma idéia do volume de investimentos que a Fapesp faz nessa área. Isso é muito importante porque no mundo inteiro os pós-docs são os grandes executores da pesquisa. Nossa idéia com essa política é adensar a competência dos grupos de pesquisa, dotando esses grupos de massa crítica. É uma aposta forte nos grupos de excelência.
JU - Que fatores o senhor apontaria como determinantes para que esses dez anos de gestão fossem tão profícuos?
Perez - Há uma série de circunstâncias. Em primeiro lugar, a Constituição do Estado, em 1989, incluiu duas decisões que considero sábias. Primeiro, aumentar o percentual da Fapesp, de 0,5% para 1% da receita tributária. Essa decisão veio junto com a redefinição da missão institucional da Fapesp, que passou a ser responsável não apenas pelo desenvolvimento científico mas também pelo desenvolvimento tecnológico do Estado. Isso é importante porque à época havia um grande debate sobre se deveria ser criada uma outra agência para financiar o desenvolvimento tecnológico. E o que prevaleceu foi uma visão que considero brilhante e de atualidade crescente, definindo que a pesquisa científica e tecnológica não devem ser separadas uma da outra. Portanto, quando assumimos em 1993, havia esse mandato constitucional. Além disso, tivemos uma relação muito intensa e fértil com o Conselho Superior visando o desenvolvimento científico do Estado. Houve uma sinergia muito grande durante todo esse período.
JU - Que análise o senhor faz do processo de desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil durante esses últimos dez anos?
Perez - Sou muito positivo nesse aspecto. Acho que melhorou tanto o volume quanto a qualidade da pesquisa. Nossos laboratórios estão bem equipados, temos uma pós-graduação de excelente qualidade, formando oito mil doutores por ano. Mais do que isso, houve uma mudança cultural sobre o processo da inovação e o papel de cada um dos atores nesse processo. O papel da universidade, que é de formação de recursos humanos qualificados, e o papel da empresa, que é o ambiente onde tem de crescer a inovação. Há necessidade de criar estímulos governamentais para que a empresa invista mais e possa assumir esse risco.