O professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, do Laboratório de Genômica e Expressão do IB, conta que a Unicamp participou com o seqüenciamento de cerca de 10% dos 200 mil genes do café, trabalho complementado por pesquisadores da Embrapa e de outras instituições públicas. No entanto, o principal papel de sua equipe, integrada também pelos alunos Marcelo Cazarolle e Eduardo Formigheri, foi o de organizar e formatar esse banco de dados. “Recebemos os resultados obtidos por todos os pesquisadores. Acontece que 200 mil seqüências não significam 200 mil genes, pois muitos genes produzem mais de uma dessas seqüências. Na clusterização, juntamos todas as seqüências e, dentro delas, identificamos quantos genes individuais existem”, explica o professor.
Um papel fundamental da bioinformática diz respeito à identificação e localização dos chamados “genes de expressão”. “Não basta saber quantos genes existem. Com a bioinformática, por comparação, definimos qual é o gene, quantas vezes ele se expressa no genoma e em quais locais. Vemos nitidamente que certos genes tendem a se expressar em situações e tecidos específicos: na folha madura, folha velha, caule, raiz, raiz velha etc. Chegamos a aproximadamente 30 mil genes de expressão, que efetivamente respondem pelas inúmeras características do café. Podemos dizer que formamos o cérebro, onde as informações são armazenadas e disponibilizadas”, simplifica Gonçalo Pereira.
O próximo passo será agregar, em torno desta ferramenta, os cientistas que trabalham na pesquisa tradicional, muitas vezes de forma independente e na base de tentativas e erros. Segundo o pesquisador da Unicamp, um mérito da genômica é o de permitir que se levante uma hipótese sólida de trabalho através do banco de dados, com maior possibilidade de sucesso nos testes de campo. “Podemos ter um café resistente à ferrugem, mas com sabor e aroma ruins, e outra planta de qualidade excelente, mas vulnerável à doença. Identificado o gene resistente à ferrugem, é possível fazer cruzamentos a partir da semente e, por meio de teste genético, verificar se ele foi incorporado pela planta boa. Na pesquisa convencional, em que se espera a planta crescer para submetê-la à doença, o mesmo processo leva anos. Muitos pesquisadores passam a vida realizando uma pesquisa e morrem sem conhecer os resultados”, ilustra Pereira.
O professor insiste que o seqüenciamento dos genes do café oferece uma ferramenta fantástica para abreviar as pesquisas no setor, mas adverte que o mesmo não passará de um “catálogo telefônico”, com nomes e endereços, se não houver um esforço adicional por meio de novas políticas, acordos e contratos que incentivem os pesquisadores a desvendar seu conteúdo. “Agora precisamos organizar as ‘páginas amarelas’, buscando uma utilidade para cada informação. Temos trabalho para centenas de pesquisadores, por muitas gerações. Estamos lidando com um sistema biológico, que não se exaure nunca. Podemos criar uma planta com genes resistentes a uma doença hoje, mas amanhã aparecerão outras pragas, que vão exigir novas pesquisas no banco de dados”, compara.
Em relação à qualidade do café, por exemplo, Gonçalo admite que se trata de um processo extremamente complexo, envolvendo uma infinidade de reações químicas e enzimáticas, mas acha possível utilizar o genoma para aperfeiçoar caracteres como o do aroma. “Conhecendo as enzimas, bons químicos ou bioquímicos conseguiriam enxergar as rotas metabólicas que levam à produção de substâncias aromáticas e de outras envolvidas na qualidade do produto”, afirma.
Celeiro agrícola Na opinião de Gonçalo Pereira, não há mais dúvidas de que o Brasil é o grande celeiro agrícola do planeta. Lembra que estamos num país tropical, com uma imensidão de solos agriculturáveis e muita tecnologia a ser explorada, enquanto a maioria das pesquisas agropecuárias foi desenvolvida para climas temperados. “As soluções encontradas lá, não podem ser adequadas para cá. No caso do café, tenho visitado a Colômbia com freqüência e asseguro que, embora eles possuam centros de pesquisa excepcionais, não estão minimamente capacitados para nos alcançar na área de biotecnologia”, informa o pesquisador, a respeito de um dos principais concorrentes no mercado internacional.
Pereira afirma que os colombianos manifestaram interesse em interagir com o Brasil em pesquisas com genômica, mas observa que é preciso mensurar o valor estratégico do banco de dados que se acabou de obter. “Embora seja um projeto desenvolvido pela academia, acho que devemos ser precavidos ao disponibilizar essas seqüências genéticas. Esse cuidado se estende aos artigos científicos, que seriam estudados caso a caso, e cuja publicação só ocorreria depois de obtidas patentes dos trabalhos importantes”, sugere.
O professor do IB também visualiza situações interessantes em que poderia haver participação da iniciativa privada, como o da pesquisa pré-competitiva, reunindo produtores, pesquisadores e governo num esforço concentrado para gerar bancos de dados específicos, referentes a espécies em relação a solo e clima, por exemplo. Outra alternativa seria a própria exploração comercial, em que um investidor financiaria a pesquisa de uma planta mais resistente e daria uma retribuição pelo uso do banco de dados, em troca do direito de negociar as mudas. “É assim que a pesquisa funciona em outros países e, aliás, o que está se aprendendo a fazer no Brasil. Na Unicamp, a agência Inova é uma boa tentativa de consolidar esse tipo de captação de recursos”, diz Gonçalo Pereira. Ele próprio festeja a construção de um prédio de dois andares para abrigar o Laboratório de Genômica e Proteômica, que deverá ser inaugurado em dezembro, graças a recursos da Unicamp e do Ministério de Ciência e Tecnologia.