Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 262 - de 16 a 22 de agosto de 2004
Leia nessa edição
Capa
Artigo: Inovação nas
   multinacionais
Cartas
Fapesp: sucessor de Perez
Sabor mais brasileiro
Reestruturação de banco
Software em sala de aula
Novos indicadores da economia
Sensores químicos
Compostos canceríginos
Painel da semana
Teses da semana
Unicamp na mídia
Consumo abusivo de drogas
Fórum: área da saúde
Tela angelical
 

5

Obra mostra como mudanças estruturais
no Banco do Brasil se confundem com a história recente do país

Livro disseca plano de reestruturação de banco


MANUEL ALVES FILHO


A antropóloga Lea Carvalho Rodrigues: "Modernização alterou a missão do banco"O processo de liberalização da economia brasileira, iniciado no governo Fernando Collor de Mello e intensificado nas duas gestões de Fernando Henrique Cardoso, tem como marco uma experiência considerada exitosa pelos seus idealizadores e executores, mas que se mostrou traumática para milhares de trabalhadores. O plano de reestruturação do Banco do Brasil (BB), fundamentado principalmente no Programa de Desligamento Voluntário (PDV), transformou a imagem da instituição e fez emergir uma série de conflitos e interesses até então desconhecidos da sociedade. Em seu livro “Metáforas do Brasil – Demissões Voluntárias, Crise e Rupturas no Banco do Brasil”, a antropóloga Lea Carvalho Rodrigues, que se doutorou pela Unicamp, faz uma análise minuciosa daqueles acontecimentos e os relaciona com as transformações ocorridas no próprio país na década de 90. “No meu trabalho, tento mostrar como a trajetória do banco se confunde com a trajetória do Brasil sob os pontos de vista histórico, econômico, político e social”, afirma.

13,5 mil funcionários aderiram ao plano

Lea, que trabalhou por quase 20 anos no Banco do Brasil, diz que ao longo de décadas a instituição financeira foi considerada símbolo de identidade nacional e sinônimo de segurança e ascensão profissional para os seus funcionários. Entre suas atribuições estava, por exemplo, o papel de contribuir para o sucesso da política econômica e financeira do país. Em virtude dessa atuação, destaca a autora no livro, “há que se considerar a singularidade das relações do banco com os governos aos quais se reporta e que nele intervêm abertamente e as relações de interação com a própria sociedade brasileira”. A antropóloga concentra seus estudos no período que vai de 1995, ano em que o PDV foi lançado, a 2000. Ela própria valeu-se do programa para deixar o BB. “Como o meu projeto de abraçar a carreira acadêmica já estava consolidado, não foi difícil fazer a opção. Entretanto, a grande maioria dos funcionários viu-se pega de surpresa. Muitos vivenciaram dramas terríveis por conta da escolha que fizeram”, conta.

De acordo com a pesquisadora, a decisão de aderir ou não ao PDV foi tomada no afogadilho. Na prática, lembra, os trabalhadores tiveram apenas 11 dias para se definir. À época, o BB contava com 107 mil funcionários. Destes, 55 mil foram classificados pela empresa como “elegíveis”, ou seja, aptos a participarem do programa. Cerca de 13,5 mil pessoas aceitaram deixar o banco por meio dessa alternativa, o que representou 80% do universo pretendido inicialmente pela instituição financeira. “Isso fez com que o PDV do Banco do Brasil fosse considerado um sucesso mundial em programas dessa natureza. As experiências internacionais apontavam para um índice médio de adesão da ordem de 25%”, aponta Lea.

A medida foi acompanhada de outras ações, que acabaram por provocar, nas palavras da antropóloga, uma ruptura do Banco do Brasil com seus funcionários e com a própria sociedade brasileira. “O plano de reestruturação da empresa, que tinha por objetivos a redução de custo e a melhoria de resultados, para torná-la mais competitiva, tinha claras motivações neoliberais e vinha acompanhado do argumento da modernização. Ocorre, porém, que esta modernização alterou a missão do banco. De uma instituição que tinha como metas a concretização de objetivos sociais e a promoção do desenvolvimento nacional, ela passou a atuar nos moldes de uma organização privada, voltada apenas para o lucro”, analisa a autora.

A pesquisadora destaca, ainda, que a estabilidade proporcionada pelo BB aos seus servidores, que na prática não existia pois os contratos de trabalho regiam-se pela CLT, era considerada pela própria direção da instituição como um valor nacional. “De forma que, para o BB, ao romper com essa estabilidade, em nome de uma eventual empregabilidade, rompiam-se também valores da própria sociedade brasileira”. O que ocorreu no Banco do Brasil, nota Lea, também foi levado a efeito em outras instituições públicas e estatais. A experiência forneceu, por assim dizer, as bases para a Reforma do Estado e implantação das políticas de liberalização da economia na década de 90, que obedeciam à lógica da estabilidade proposta pelo Plano Real e aos ditames dos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, que exigiam também a reestruturação do Sistema Financeiro Nacional, de acordo com a antropóloga.

Não por acaso, prossegue a pesquisadora, a reestruturação do BB aconteceu no momento em que o governo FHC discutia as reformas da Previdência e da Administração Pública. Para executá-las, diz, a quebra da estabilidade dos funcionários do banco teria sido estratégica na tentativa de facilitar o processo, dado que as medidas que estavam sendo gestadas certamente encontrariam muita resistência por parte do funcionalismo público e de segmentos importantes da sociedade, dificultando a sua aprovação no Congresso Nacional. “Por essas e outras razões considero o Banco do Brasil uma metáfora do país. O que ocorreu com a empresa, alvo das chamadas medidas de modernização, é condizente com o que aconteceu com o Brasil nos anos 90. Ambos foram submetidos a mudanças drásticas em vez de processuais, o que, no caso específico do BB, resultou numa profusão de conflitos e revelou que interesses governamentais estavam por trás do conjunto de ações”, sustenta Lea.

Serviço

O livro “Metáforas do Brasil – Demissões Voluntárias, Crise e Rupturas no Banco do Brasil” é o resultado da tese de doutorado de Lea, apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob a orientação do professor Guilhermo Raul Ruben. O estudo foi financiado pela Fapesp. A obra concebida pela antropóloga, que atualmente leciona no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC), tem 390 páginas e foi editada pela Annablume. O preço sugerido é R$ 40,00. Para adquirir exemplares diretamente com a autora, basta entrar em contato pelo e-mail .

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP