Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 263 - de 23 a 29 de agosto de 2004
Leia nessa edição
Capa
Artigo: Vargas e herança
   populista
Hemocentro
Microorganismos
Medicina alternativa
Liberdade de expressão
Governo no campo da
   informação
Jogo da inovação
Pinga de primeira
Ciência de cotidiano
Fórum
Painel da semana
Teses da semana
Unicamp na mídia
Ricardo Antunes
Feijão caseiro. Em cinco
   minutos
 

3

Centro desenvolve três pesquisas
cuja linha comum é a transferência de material genético para células do paciente

De olho no futuro, Hemocentro
aposta na área da terapia gênica



PAULO CÉSAR NASCIMENTO


A professora Sara Teresinha Olalla Saad: “Desafio atual é como melhorar a eficiência e preservar medidas de segurança”Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro) da Unicamp desenvolve três novos estudos no campo da terapia gênica. Essa revolucionária modalidade de tratamento é considerada o futuro da Medicina e consiste na manipulação e transferência de material genético para células do paciente com o objetivo de corrigir doenças, em substituição a ingestão de medicamentos ou cirurgias. Incluído no seleto grupo dos principais centros internacionais com atuação nessa área, o Hemocentro participa atualmente de pesquisas potencialmente benéficas para portadores de hemopatias, como anemias hereditárias e hemofilia, e de arteriosclerose.

Estudos são benéficos para portador de hemopatia

Um dos trabalhos consiste na clonagem e utilização do gene da eritropoetina (hormônio gerado nos rins e responsável pela produção de glóbulos vermelhos) para elevar as taxas de hemácias. Pessoas com insuficiência renal sofrem de anemia porque o organismo produz o hormônio de forma insuficiente. Para correção do problema, injetam periodicamente no organismo doses de medicamento contendo eritropoetina sintética.

“O problema, porém, é tratar pacientes que têm bloqueio para essa proteína, como nas ocorrências de alguns cânceres e até mesmo Aids. Ou seja, o organismo até produz a eritropoetina, mas a resposta a ela não é significativa. Nesses casos, são necessárias doses excessivamente altas de medicamento, o que encarece e até torna proibitivo o tratamento tradicional”, afirma a professora Sara Teresinha Olalla Saad, responsável pela pesquisa.

Situação semelhante, segundo ela, ocorre nos casos de talassemia e anemia falciforme. Devido ao alto custo da droga, não tem sido possível tratar os pacientes de maneira adequada. De acordo com a especialista, a quantidade de eritropoetina disponibilizada pelo Estado para instituições de referência, como o Hemocentro, é sempre menor que o necessário, e mesmo assim o custo mensal de um tratamento é de aproximadamente R$ 2.000,00 por paciente.

“O beneficio da pesquisa com terapia gênica é, portanto, viabilizar outras opções terapêuticas além daquelas disponíveis hoje no mercado”, salienta a pesquisadora. “Em vez de sintetizar a proteína, que é um processo caro, queremos alcançar os mesmos resultados injetando o gene e deixando o próprio organismo produzi-la, de uma forma mais natural”.

Glóbulos demais – A característica básica da terapia gênica é a de provocar uma alteração no DNA do portador da patologia. Nos experimentos realizados pelo Hemocentro, o gene manipulado da eritropoetina foi transferido para camundongos e cães anêmicos por meio de injeção muscular. Os músculos foram capazes de produzir a proteína e liberaram o hormônio na corrente sanguínea, elevando entre 50% e 80% a quantidade de glóbulos vermelhos nas cobaias.

O problema é que o tratamento deu certo demais, ou seja, em alguns ensaios constatou-se um aumento exagerado das hemácias, o que desencadeou tromboses. Corrigir esse desempenho anormal da experiência por meio do “desligamento” do gene ou pela indução da morte apenas da célula que produz a proteína é, agora, uma das preocupações da equipe liderada por Sara.

Verificar a ocorrência de possível resposta imunológica à injeção, por meio de exame do tecido muscular, e de biodistribuição do gene em diferentes tecidos além daquele no qual foi injetado, como fígado, baço, rins, testículos e ovários, com uso da técnica de amplificação de DNA, é outra providência a ser tomada.

“A terapia gênica envolve alguns problemas operacionais, como a rejeição do organismo aos genes introduzidos, mesmo quando exatamente iguais, relatada em experiências no exterior. Então, o desafio atual é como melhorar a eficiência e preservar medidas de segurança”, esclarece Sara.

Para viabilizar a terapia gênica com a eritropoetina em humanos será necessário ainda cumprir outras etapas, como o controle estrito da produção do hormônio e o estudo em animais de grande porte para análise das concentrações a serem utilizadas, eficácia e toxicidade.

Posição consolidada – O Hemocentro já realizou, desde 1990, mais de 300 pesquisas na área de genética que resultaram em publicações em revistas de circulação internacional indexadas ao SCI. Em 1998 iniciou pesquisa na área de terapia gênica, dando continuidade aos estudos de genética. Foram formados cerca de 40 pós-graduandos neste período e apresentados mais de 1000 trabalhos em congressos nacionais e internacionais.

“É verdade que ainda existe um longo caminho pela frente. Mas o Hemocentro da Unicamp pode se orgulhar de possuir uma das mais sólidas e eficientes estruturas para pesquisas na área de genética e terapia gênica. Desde o primeiro projeto totalmente desenvolvido em uma plataforma de investigação científica na área de biologia molecular, em 1990, as pesquisas nesta área ajudaram o Brasil a consolidar sua posição frente ao mundo”, ressalta a doutora Sara.

Esperança para hemofílicos

A hematologista Margareth Castro Ozelo: Brasil é representado pela Unicamp A terapia gênica também se mostra promissora para o tratamento de hemofílicos, portadores de uma condição hemorrágica hereditária, que incide principalmente no homem, caracterizada por hemorragias abundantes, por ocasião de traumatismos mínimos subcutâneos, musculares, articulares e viscerais. É uma doença causada por um deficiência nas proteínas do sangue (denominadas fator 8, no caso da hemofilia A, e fator 9, no caso da hemofilia B) responsáveis pelo processo de coagulação.

“É comum ocorrer rompimentos de alguns vasos menores no organismo, mesmo sem trauma, mas a coagulação adequada impede a perda de sangue. Os hemofílicos, contudo, podem ter sangramentos intensos, e, o que é muito comum, dentro das articulações”, esclarece a médica hematologista Margareth Castro Ozelo.

Responsável por acompanhar os pacientes com esse quadro atendidos pelo Hemocentro, ela participa de uma pesquisa internacional colaborativa em que genes manipulados estão sendo introduzidos no DNA de portadores humanos de hemofilia B para corrigir o problema. O Brasil, representado pela Unicamp, é o único país latino-americano a integrar esse estudo pioneiro.

“Como há, nesse gene, uma falha, uma mutação que leva a um defeito no código dessa proteína, a idéia da terapia gênica é transferir para a célula-alvo uma nova e correta seqüência do gene para que o paciente produza o fator do qual necessita”, explica Margareth.

Ela informa que o uso de terapia gênica na hemofilia B tem cerca de 15 anos, e há aproximadamente seis anos, após as etapas experimentais em animais, é que se iniciaram as pesquisas em humanos, nos Estados Unidos, incluindo quatro pacientes selecionados e acompanhados pelo Hemocentro.

No primeiro estudo clínico, o gene contendo o código correto foi injetado nas células musculares da coxa. Numa segunda fase, em novo ensaio com o mesmo grupo de hemofílicos, o alvo foi a célula do fígado, órgão responsável pela produção da proteína nas pessoas sem a doença. A intenção era fazer com que a própria artéria hepática produzisse a proteína necessária.

“Os resultados de ambos os trabalhos estão em avaliação para que possa ser proposta a maneira mais segura e eficaz de continuidade das pesquisas”, esclarece a especialista.

Isquemia é simuladada

O pesquisador Erich Vinicius de Paula: tratamento com genes clonados em laboratórioOutro pesquisador do Hemocentro, Erich Vinicius de Paula, desenvolve um inédito estudo experimental com ratos, em que testa o efeito da terapia gênica com o uso de dois genes em associação, um denominado Fator de rescimento de Fibroblastos (FGF) e outro Fator de Crescimento Derivado das Plaquetas (PDGF).

A experiência consiste em simular na pata do animal uma isquemia (insuficiência localizada de irrigação sangüínea) semelhante ao que ocorre nos membros inferiores do ser humano e tratar o problema com a introdução no organismo do animal dos dois genes clonados no laboratório. Ele deseja comparar os resultados dessa terapia com os de um outro tratamento gênico

desenvolvido a partir de meados da década de 90, já aplicado em humanos, ainda que experimentalmente, em que os cientistas utilizam um único gene, o Fator de Crescimento do Endotélio Vascular (VEGF).

Nas duas experiências o que se pretende é que os fatores estimulem a produção de novos vasos sanguíneos e permitam a melhora da irrigação, a partir de uma reação do próprio organismo, e sem a indução por meio de alguma droga. Mas os resultados, segundo ele, ainda não demonstraram de forma inequívoca que um tratamento poder ser mais eficaz ou mais seguro que o outro, e se ambos podem efetivamente ser capazes de resolver o problema.

Caso os resultados sejam positivos, a terapia gênica proposta pelo hematologista poderá no futuro substituir o procedimento mais tradicional para tratar isquemias, que é a cirurgia de revascularização dos membros comprometidos, em que há substituição das artérias entupidas.Ao permitir a produção de novos vasos, o procedimento inovador poderá também

beneficiar aqueles pacientes com avançado estágio do problema, em que a cirurgia não pode ajudar, e que hoje são submetidos a amputações ou convivem com intensos processos dolorosos.

As alterações vasculares como a arteriosclerose são hoje a principal causa de morte em paises desenvolvidos, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Podem aparecer como conseqüência de outras doenças, como diabetes e obesidade, e além da obstrução arterial nos membros inferiores, pode levar a infartos e a derrames, quando se manifestam no coração e no cérebro, respectivamente.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP