Processo inédito consegue atenuar efeitos
nocivos de subproduto gerado pela indústria de suco de laranja
Microorganismos
degradam poluente industrial
MANUEL ALVES FILHO
O controle de poluentes industriais por meio de processos biológicos é um dos objetivos de uma linha de pesquisa coordenada pela professora Lucia Regina Durrant, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Recentemente, o esforço ganhou nova contribuição, graças ao estudo desenvolvido para a tese de doutorado de uma de suas orientadas, a farmacêutica Fabiana André Falconi. Ela isolou e posteriormente selecionou microorganismos capazes de degradar altas concentrações de D-limoneno, subproduto gerado pela indústria do suco de laranja e que pode trazer danos ao meio ambiente caso seja descartado juntamente com os efluentes. Os índices de degradação obtidos a partir de ensaios laboratoriais foram de 80% e 50%, em meio sintético com D-limoneno e nos efluentes da indústria cítrica, respectivamente.
A pesquisa de Fabiana, que tem contornos inéditos, partiu de um problema prático, como conta a professora Lucia Durrant. A docente da FEA foi chamada por uma indústria de suco de laranja localizada na região de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, para verificar um problema relacionado a sua linha de tratamento de efluentes, da qual exalava um odor forte e desagradável. Naquela ocasião, a empresa chegou a interromper as atividades por mais de uma semana. “Com base em dados da literatura, imaginei que o problema tivesse relação com a alta concentração do D-limoneno. Isso me deu a idéia de propor o desenvolvimento de um estudo voltado à biodegradação desse composto, desafio que foi prontamente abraçado pela Fabiana”.
De maneira simples, o D-limoneno é o principal componente do óleo da casca da laranja. É aquela substância que, em contato com os olhos, provoca ardor. Embora tenha aplicação nas indústrias química, farmacêutica, e de cosméticos, o D-limoneno também possui uma forte ação antimicrobiana. A sua liberação para a linha de tratamento de efluentes industriais é prejudicial, pois pode destruir a flora microbiana ali presente. O trabalho da autora da tese consistiu, primeiramente, em isolar os microorganismos presentes no próprio efluente gerado pela indústria cítrica. Inicialmente, ela chegou a 570 fungos, bactérias e leveduras. A estes foram somados mais 58 microorganismos pertencentes à coleção do Laboratório de Sistemática e Fisiologia Microbiana da FEA, perfazendo um total de 628.
O passo seguinte foi selecionar aqueles que apresentavam capacidade de degradar altas concentrações de D-limoneno. Do total, apenas cinco microorganismos foram considerados. Destes, três foram identificados e efetivamente empregados nos ensaios laboratoriais: as bactérias Pseudomonas sp e Enterobacter sp e o fungo Fusarium sp. Os índices de degradação obtidos, como já mencionado, foram de 80% e 50% em meio sintético com D-limoneno e nos efluentes da indústria cítrica, respectivamente. A concentração de D-limoneno em que os microrganismos apresentaram melhor crescimento, porcentagem de degradação e atividades enzimáticas foi de 3%.
Os resultados alcançados pelo estudo são animadores, segundo a professora Lucia Durrant. “Temos uma boa indicação de que os microorganismos com os quais a Fabiana trabalhou podem ser devolvidos aos efluentes e, assim, atuar na degradação do D-limoneno. Essa comprovação, porém, dependerá de novos estudos”, explica. Fabiana destaca que trabalhou com os microorganismos de forma isolada. “A seqüência a ser dada por numa nova pesquisa é a promoção de um consórcio de microorganismos, para verificar se é possível melhorar ainda mais os índices de degradação”, diz. A farmacêutica acrescenta que o objetivo a ser alcançado futuramente é a degradação total do D-limoneno nos efluentes. Já na área da química fina a meta é empregar os microorganismos para transformar a substância em compostos que possam ser utilizados na fabricação de remédios, perfumes etc.
De acordo com a professora Lucia Durrant, o desenvolvimento desse tipo de tecnologia é muito importante para o Brasil. Ela assinala que alguns países já fabricam “pacotes” de microorganismos que cumprem a função de degradar poluentes, conceito conhecido como biorremediação. Ocorre, entretanto, que esses produtos, cotados normalmente em dólar, são muito caros. Além disso, sempre há o risco de que bactérias, fungos ou leveduras que não sejam naturais do Brasil possam trazer efeitos deletérios para o nosso meio ambiente.