Leia nesta edição
Capa
Artigo
Uma questão de sangue
Música e tecnologia
Frutas do cerrado
Euclides da Cunha
Nas Bancas
Bem-estar do trabalhador rural
Painel da Semana
Oportunidades
Teses
Unicamp na Mídia
Portal Unicamp
Livro da Semana
Mercado de trabalho
Futebol como fenômeno social
 

9

Objetivo de pesquisas é minimizar situações
que sejam prejudiciais à saúde, ao conforto e à eficiência

Semeando o bem-estar
do trabalhador rural

MANUEL ALVES FILHO

Os professores Mauro Tereso (à esquerda) e Roberto Funes, da Feagri: melhorias nos aspectos físicos, ambientais e organizacionais (Foto: Antoninho Perri)A face mais conhecida da ergonomia talvez seja a que se ocupa de fornecer subsídios para o desenvolvimento de ferramentas, equipamentos e mobiliários que assegurem conforto, segurança e salubridade durante a execução de uma determinada tarefa. Mas esta ciência, que surgiu por ocasião da Segunda Guerra Mundial, justamente para solucionar problemas gerados pelo uso de novas tecnologias por parte dos militares, tem outras aplicações. Uma delas, que ganha cada vez mais espaço no mundo acadêmico e produtivo, é a chamada ergonomia de diagnóstico. Este segmento cuida de estudar o ambiente, o ferramental e a organização do trabalho, de modo a propor medidas para adequar uma dada atividade à necessidade do operador. O objetivo das intervenções é garantir o bem-estar do trabalhador, sem que isso traga prejuízos à produtividade.

Trabalho agrícola é considerado mais complexo

Na Unicamp, o Grupo de Estudos em Ergonomia, Trabalho e Agricultura, formado por profissionais de variadas formações, tem se ocupado de desenvolver pesquisas nessa área, desde sua criação, em meados de 2003. Os trabalhos são coordenados pelos professores Roberto Funes Abrahão e Mauro José Andrade Tereso, ambos da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri). De acordo com eles, os pesquisadores aplicam uma metodologia denominada Análise Ergonômica do Trabalho (AET), de origem francesa. Esta, explicam, difere de outras vertentes da ergonomia de diagnóstico, notadamente a inglesa e a norte-americana, por privilegiar a atividade real do trabalho. Ou seja, os cientistas saem a campo para verificar, in loco, em que condições os trabalhadores, chamados tecnicamente de operadores, desempenham suas funções.

A pesquisa compreende desde longas observações, até a aplicação de questionários e medições. O interesse dos especialistas da Unicamp está voltado para o trabalho agrícola, considerado por eles muito mais complexo do que o desempenhado na indústria, por exemplo. Eles esclarecem que numa unidade industrial as tarefas normalmente são prescritas e obedecem a uma mesma rotina, dia após dia. Um exemplo é trabalhador de uma linha de montagem, que cumpre seguidamente a missão de colocar um parafuso num equipamento. Na agricultura, ao contrário, o operador quase sempre executa múltiplas atividades, em diferentes épocas. Ou seja, há um período em que ele se ocupa de preparar o solo, outro em que faz o plantio, um terceiro em que zela pelo desenvolvimento das plantas e, por último, um em que promove a colheita.

Trabalhador rural em canavial na região de Sertãozinho, interior de São Paulo: principal problema é o turno de trabalho (Foto: Antonio Scarpinetti)

O desafio dos pesquisadores, segundo os professores da Feagri, tem sido descrever e entender o trabalho agrícola, para eventualmente sugerir melhorias nos aspectos físicos, ambientais e organizacionais. O objetivo, como já foi dito, é superar ou pelo menos minimizar situações que sejam prejudiciais à saúde, conforto e eficiência do trabalhador. “A ergonomia não está preocupada em adequar o operador ao trabalho, mas sim o contrário”, afirma Roberto Funes. Sempre que possível, acrescenta o docente, a ciência procura propor soluções que não interfiram na produtividade. “Mas se houver um impasse, o que é relativamente raro, a ergonomia não tem dúvida em sugerir uma medida que privilegie o ser humano em detrimento da produção”.

Além de estudar esses aspectos, outro interesse do grupo de pesquisadores da Unicamp é refletir sobre a AET, concebida originalmente para a análise do trabalho na indústria. Conforme Mauro Tereso, os especialistas estão preocupados em encontrar a melhor forma de adaptar o ferramental teórico para estudar as atividades desenvolvidas na agricultura. “Nesse aspecto, as pesquisas acadêmicas já concluídas ou em desenvolvimento são fundamentais para nos apontar possíveis rumos”, afirma. Um aspecto importante da metodologia, aponta o docente, é que ela preconiza que a investigação seja conduzida com a participação de todos os atores envolvidos no trabalho. Ou seja, se o estudo for feito numa unidade agroindustrial, ele envolverá desde os executivos, passando pelos gerentes e chegando aos trabalhadores do campo.

A ergonomia, informam os professores da Feagri, procura levantar elementos a partir das diferentes perspectivas de cada grupo de atores, nas variadas situações de trabalho. “O grande objetivo é culminar com um diagnóstico que seja validado pelos próprios atores. Assim, fica mais fácil identificar os problemas e propor as soluções. Não se trata, portanto, de alguém de fora dizendo o que deve ser feito. As próprias pessoas envolvidas no trabalho é que fornecem os subsídios para a análise”, esclarece Mauro Tereso. Essa participação é muito importante, destaca Roberto Funes, em razão da distância entre a tarefa prescrita e a executada. A ergonomia, afirma, trabalha exatamente nessa faixa.

Quando os responsáveis pela organização do trabalho determinam o cumprimento de uma tarefa, eles normalmente têm como perspectiva uma situação ideal. Ocorre, porém, que para executá-la o operador tem que atuar numa situação real, configurada por suas determinantes pessoais e pelas ferramentas e treinamentos disponíveis. “Desse modo, cada situação é única. O diagnóstico e as soluções encontradas pela ergonomia servem para uma situação específica. Ao ergonomista cabe levantar e hierarquizar os problemas, analisar as tarefas e atividades relacionadas a esses problemas, construir hipóteses relacionando os problemas com seus efeitos nas situações de trabalho, elaborar e validar o diagnóstico. O resultado final da intervenção ergonômica, não raro, faz com que as pessoas se surpreendam. Às vezes elas consideram que as maiores dificuldades estariam num aspecto, quando podem estar em outros. Imaginam que o problema principal está relacionado ao uso de uma tecnologia, mas descobrem que o principal entrave é o turno de trabalho, que causa fadiga nos operadores”, exemplifica Mauro Tereso.

A mão e a luva

Mas como a ergonomia funciona na prática? As pesquisas desenvolvidas na Feagri ajudam a responder a essa questão. Um estudo interessante foi o desenvolvido a partir da dissertação de mestrado de Maria Cristina Gonzaga, objeto de um acordo entre um sindicato de trabalhadores da agricultura, Fundacentro [órgão do Ministério do Trabalho que atua nas áreas de medicina e segurança do trabalho] e uma usina sucroalcooleira paulista. O alvo da investigação foi um equipamento de proteção individual usado no corte manual da cana. Como vários trabalhadores apresentavam problemas osteomusculares, havia a hipótese de que essas enfermidades tivessem alguma relação com o uso de um tipo de luva de couro.

De acordo com o professor Roberto Funes, Maria Cristina valeu-se da AET para esmiuçar o caso. Em razão do desgaste natural do couro, somada à liberação do sumo da cana, que agia como uma espécie de impermeabilizante da superfície, a luva perdia a aderência ao cabo do facão. Isso obrigava os trabalhadores a empunharem a ferramenta com muito mais força, propiciando o surgimento de distúrbios osteomusculares, agravado pelo esforço repetitivo na atividade de trabalho. Além desse diagnóstico, a pesquisadora também fez ensaios experimentais, para medir o coeficiente de atrito da luva com a madeira. Posteriormente, ela também procedeu a uma análise qualitativa com seis tipos de luvas, para identificar qual deles mereceria a preferência dos operadores.

De acordo com o professor Mauro Tereso, ao contrário do que seria de se imaginar inicialmente, a opção dos cortadores de cana não recaiu sobre a luva com maior coeficiente de atrito, mas sim sobre um equipamento intermediário, mais flexível, que lhes garantisse a um só tempo conforto térmico e percepção tátil. “Nesse caso, descobrimos que o atrito era importante, mas não era o aspecto que mais preocupava os trabalhadores”, conta o docente. Conforme Roberto Funes, as informações que chegaram até a Feagri dão conta de que as luvas consideradas inadequadas foram substituídas pelo modelo escolhido pelos empregados da usina. Um dado curioso acerca desse equipamento é que, mesmo sendo inapropriado, ele havia sido certificado pelo Ministério do Trabalho. “Nesse caso, a AET pode ser um instrumento importante também para estabelecer parâmetros mais rígidos para a aprovação de equipamentos de segurança”, afirma Mauro Tereso.

Outra pesquisa, esta conduzida para a tese de doutorado de Carolina Marchant Dintem, empregou a AET para estudar os diferentes resultados alcançados por empresas avícolas que integram uma cooperativa agrícola paulista. O desafio proposto era descobrir que fatores contribuíam para que as empresas de organização familiar apresentassem, proporcionalmente, maior produtividade do que as patronais e as mistas. A pesquisadora contemplou na sua análise os recursos tecnológicos empregados nas propriedades, dividindo-os em dois estágios: nível 1 e nível 2. Assim, ela selecionou seis empresas, sendo duas familiares, duas patronais e duas mistas. De cada dupla, uma pertencia ao nível 1 de tecnologia e a outra, ao nível 2.

Ao final da investigação, a autora da tese descobriu que as empresas familiares tinham maior maturidade para lidar com os recursos tecnológicos. Além disso, elas trocavam menos freqüentemente de tecnologia do que as propriedades de organização patronal, por exemplo, o que fazia com que seus integrantes dominassem melhor as máquinas e equipamentos. Outra conclusão interessante de Carolina refere-se ao fluxo da informação entre os trabalhadores das empresas avícolas, nos diversos níveis hierárquicos. Nas propriedades familiares, em que o envolvimento das pessoas com o negócio é maior, ela flui mais facilmente do que nas outras duas. A conjugação desses fatores é que levava, portanto, as avícolas familiares a apresentarem um nível de produtividade proporcionalmente maior do que nas demais.

Além dos dois trabalhos citados acima, a Feagri produziu outros a partir da aplicação da AET, que exigiriam pelo menos mais uma página do Jornal da Unicamp para serem detalhadas. Ao todo, o grupo já realizou quatro trabalhos em nível de pós-graduação e tem outros três em andamento, fora os de iniciação científica. Um dos estudos que estão sendo desenvolvidos, que conta com financiamento da Fapesp e participação de pesquisadores da USP e da Fundacentro, objetiva identificar, com o auxílio da análise ergonômica, as diferenças entre a agricultura convencional e a orgânica no campo do trabalho. “Nós não queremos jogar uma contra a outra e nem apontar qual é a melhor. Nosso interesse é compreender as diferenças, saber como elas se organizam e como isso se reflete na atividade do trabalhador”, explicam os professores Roberto Funes e Mauro Tereso.

Topo

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP
Pesquisadores no brejoImpactos ambientaisBiofotônicaResponsabilidade FiscalJosé Dirceu e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a cerimônia de assinatura da “MP do Bem”, no último dia 15: ministro-chefe da Casa Civil cairia no dia seguinte (Foto: Lula Marques/Folha Imagem)As raízes da criseOs meninos do ITAIlustração: ReproduçãoIlustração: ReproduçãoIlustração: ReproduçãoIlustração: ReproduçãoFoto: Reprodução/divulgaçãoÀ esquerda, Arquivo Central da Unicamp (Siarq); acima, o Serviço de Arquivo Médico (SAM); e à direita, Arquivo Edgard Leuenroth (AEL): fontes de pesquisasPesquisando por músicaSonoridade de rituaisMães lésbicas: vítimas de preconceitoEfeito colossal (Foto: Antoninho Perri)Brasil e ArgentinaÍndios: padrões religiososCaiçaras contra dor muscular (Foto: Neldo Cantanti)