A Nasa e a arte, o que têm a ver? “O ferro-fluído nos interessa por causa de sua consistência plástica. É um líquido sensível que, sob a atuação de campos magnéticos, alinha-se a eles transformando-se em belíssimas imagens, cujas formas podemos ampliar com o uso de lentes macroscópicas acopladas a câmeras fotográficas ou de vídeo e visualizar num painel. Trabalhamos com a idéia por dois anos”, justifica Hildebrand. O professor do IA integra o SCIArts, grupo interdisciplinar que desenvolve projetos na intersecção entre arte, ciência e tecnologia desde 1995. Dentro desse gênero, artistas utilizam teorias científicas e tecnologias variadas para a construção de espaços poéticos. No caso, ferro-fluído é o produto da ciência que alimenta o mais novo trabalho do SCIArts, “Atrator Poético”, uma instalação multimídia interativa que fica até 11 de setembro no Itaú Cultural de São Paulo, dentro da exposição Cinético Digital, juntamente com dezenas de trabalhos individuais e coletivos (veja nesta página).
O conceito de "atrator" surge no interior da matemática quando lida com a dinâmica de sistemas não lineares e caos e pode ter aplicações em inúmeras áreas de conhecimento da física, da biologia e da engenharia. a definição de atrator é atribuída a um ponto, uma curva ou uma superfície no espaço de fase, para o qual um sistema tende a se dirigir à medida que evolui. Também pode ser um fractal (ou atrator estranho) em que o sistema apresenta o caos e movimentos que nunca se repetem. Quanto a “Atrator Poético”, pode-se dizer, é um termo que sintetiza o diálogo da imagem e som com o ferro-fluído, havendo a intervenção do público, que acaba construindo a poética da obra.
Aparato A instalação pediu um aparato tecnológico. Na entrada da sala, a primeira visão é de um tablado circular (com 1,80m de diâmetro e 0,60m de altura), dotado de sensores de movimento e de proximidade. À sua frente está um totem de 2,20m de altura, com uma parte envidraçada que permite visualizar bobinas eletromagnéticas, câmera de vídeo e um recipiente contendo ferro-fluído. Ficam numa cabine os equipamentos de controle da instalação: o computador com um software para gerenciar entrada e saída de informações, as placas de conexão entre os sensores, a mesa de som e mais bobinas eletromagnéticas.
Já nos primeiros passos do visitante, uma imagem é projetada sobre o tablado e o som ambiente ganha outras notas. Esta primeira interação, que decorre de sensores de movimento ocultos na parte inferior do tablado, ainda é involuntária. No entanto, quando a pessoa se aproxima e passa a mão nos sensores de proximidade implantados em cima do tablado, surgem outras imagens e sons. Logo se percebe, dentro do totem, que um líquido preto se movimenta, exibindo volumes diversos e pontiagudos que brotam e desaparecem de sua superfície. Percebe-se, também, que é daquele fluído a imagem capturada pela câmera e projetada no tablado, e que tanto as formas como os sons são compostos pela movimentação do visitante e o passar de mãos nos sensores. Desta interação voluntária, nasce a poética.
O SCIArst possui um núcleo fixo formado por Renato Hildebrand e os professores Fernando Fogliano (Senac), Milton Sogabe (Unesp) e Rosangella Leote (PUC-SP), mas os projetos, dependendo de suas características, contam com a participação de técnicos, cientistas, teóricos e artistas convidados. “A instalação no Itaú Cultural foi enriquecida com os elementos sonoros integrados ao sistema pelo compositor Edson Zampronha, professor da Unesp. O som é importante porque o visitante compreende mais rapidamente a proposta da instalação. Em trabalhos eletrônicos, existe essa dificuldade de percepção”, comenta o pesquisador do IA.
Arte via fax Matemático por formação, Hildebrand já lidava com processamento de imagens quando chegou à Unicamp para o mestrado em multimeios. Seu primeiro trabalho foi com o professor Paulo Laurentiz, quando um aparelho de fax serviu como meio de comunicação e expressão da arte, num diálogo com japoneses do outro extremo do mundo. O evento telemático, na passagem do ano de 1990 para 91, chamou-se “No Time” porque ocorreu nas doze horas entre a meia-noite de lá, onde já era Ano Novo, e o meio-dia daqui, quando os brasileiros ainda se preparavam para a passagem. A poética estimuladora era o fato de os participantes estarem em anos diferentes, mas vivendo temporalmente o mesmo instante. No primeiro fax, os japoneses enviaram imagens do relógio mostrando que naquele país era 1991.
“De hora em hora, mandávamos arquivos com imagens e sons, nas quais eles interferiam e devolviam, e vice-versa. O interessante é que todos os trabalhos gráficos, sem qualquer combinação prévia, tinham uma referência à lua. Isso porque a lógica de elaboração do fax esteve atrelada à percepção de que a Terra somente pode ser observada ‘sem tempo’ se estivermos fora dela. E o primeiro astro que permitiria isso é a lua”, observa Renato Hildebrand. Em outro trabalho com fax, L’Oeuvre du Louvre, o grupo promoveu uma “invasão” do museu, congestionando o aparelho com imagens de obras ali expostas. “Nós no Brasil, por exemplo, só temos acesso às obras de arte por meio da impressão, processo que altera as cores. Não vemos a pintura original. Então, devolvemos ao Louvre as imagens que recebemos”, conta o professor.
Nome de placa SCIArts não vem da mescla de ciência com artes. Originalmente, é o nome de uma placa de computador: sistema de controle de instalações de artes, o que hoje os engenheiros chamam de controlador lógico programado, para entrada e saída de informações. “Foi a placa que deu nome ao grupo. Tivemos que produzi-la porque ainda não existia no mercado (hoje já estão disponíveis) e vem sendo útil desde 1996. Antes, chegamos a promover eventos de conexão com outras partes do mundo, mas era loucura o trabalho de montagem de rede, configuração de modem e ligação telefônica. Não havia tempo para a poética, o sucesso estava em conseguir a conexão”, brinca Renato Hildebrand.
O professor afirma que o diálogo surgido com o fax hoje ocorre em ambiente multimídia, o que permite poéticas mais elaboradas, sempre lidando com o conceito de interação. Alguns trabalhos do SCIArts são “Entremeios I e II” (o segundo, vencedor do prêmio Sérgio Motta), “Re-Trato”, “Por um Fio” e “Imagina”. “Re-Trato”, por exemplo, é uma instalação que recorre à idéia do “você está sendo filmado”, em que o visitante é observado por câmeras e vê o que está sendo observado. “Mas a pessoa é mostrada apenas de lado ou por trás, nunca de frente. É uma perspectiva do olhar que difere do usual por meio do espelho”, comenta.
“GiraSOL” é mais um projeto que mostra como a ciência e a tecnologia inspiram as atividades do grupo. Segundo Renato Hildebrand, trabalhou-se com uma liga dita inteligente, parecida com o ferro. Aquecida em determinada temperatura, a liga pode ser moldada, como na forma de uma letra. Ela volta ao formato original quando desaquecida, mas ganhará a forma da letra sempre que atingir a mesma temperatura. Esta liga vem sendo utilizada na fabricação de prótese dentária, que é moldada na temperatura do corpo, mantendo-se sempre tensionada e eliminando a necessidade de ajustes periódicos. Se usada na armação de óculos, esta liga pode ser desamassada quando aquecida. A Unicamp é rica em matérias-primas para nossas obras de arte. Sempre que surge um material que ofereça uma boa imagem, corremos atrás”.