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Convidado pela Unicamp, professor pesquisa jogos
tradicionais brasileiros e contribuição dos imigrantes
Diretor do Museu do Esporte de Madri sugere projeto semelhante no Brasil
LUIZ SUGIMOTO
Recém-chegado ao Brasil para uma estada até 30 de setembro, o professor Manuel Hernández Vázquez, da Universidade Politécnica de Madri, surpreende-se com a quantidade de crianças empinando pipas nas cidades que vem conhecendo. “Los cometas, como chamamos na Espanha, parecem objeto de um dos jogos mais populares do país, excetuando-se obviamente o futebol. Assim mesmo, não vi tantos meninos jogando bola nas ruas”, afirma. O professor se inscreveu no programa de Cátedra Ibero-americana firmado entre sua universidade e a Unicamp, e nesses dois meses se ocupará do esporte do nosso país, estudando, por exemplo, os jogos tradicionais brasileiros e a influência que sofreram de imigrantes espanhóis. Vasquez participa, no dia 23 próximo, do Fórum Permanente de Arte e Cultura, no auditório da Biblioteca Central da Unicamp. Sua palestra começa às 14 horas.
Professor integra programa de Cátedra Ibero-americana
A origem e a evolução no Brasil de atividades lúdicas como a pipa, pião, pau-de-sebo e peteca, são tão interessantes para o professor madrilenho quanto a trajetória dos nossos esportistas olímpicos. Hernández é diretor do Museu de Desportes do Instituto Nacional de Educação Física (INEF), um museu que merece matéria à parte nesta página, e sugere que o Brasil adote um projeto semelhante. O professor também reúne rica coleção de objetos esportivos e de documentação ligada ao tema. Seu acervo sobre jogos olímpicos é invejável e, no momento, ocupa-se de uma pesquisa sobre a evolução e a história das bicicletas.
Contudo, mais do que um colecionador aficionado, o professor de educação física é um estudioso que leva o esporte muito a sério, recorrendo sempre a um viés antropológico, ou seja, considerando os motivos e a forma com que o homem vem conduzindo a “pelota” ao longo da história. “O jogo esportivo não é uma atividade nova na história da humanidade, pois sempre desempenhou um papel importante na vida cotidiana dos povos. Podemos considerar que se trata de uma força instintiva, anterior inclusive à aparição da cultura, sendo, depois da alimentação, uma das formas mais antigas de inter-relação da espécie humana com o seu meio. Para sua sobrevivência, o homem sempre foi levado a exercitar sua força física e habilidades motoras”, proclama.
Hernández acrescenta que o esporte também vem cumprindo uma função seletiva, segundo um critério evolutivo. “Os melhores corredores, nadadores, saltadores ou lutadores, eram o produto natural de uma necessidade de caçar, atacar ou defender-se contra os inimigos naturais”, afirma. Entretanto, o professor lembra que sempre existiu um impulso de competição lúdica impregnando a vida do homem. “O jogo desportivo, desde suas origens, tem mantido as mesmas qualidades, que podemos resumir, por um lado, em sua importância como meio de formação física e espiritual, e também como meio de cobrir o tempo de ócio. Por último, já em períodos históricos, o jogo serviu como meio de controle e de manipulação da sociedade por parte dos poderes constituídos”, ilustra.
Sobre a pipa, Manuel Hernandez é capaz de contar toda a sua história, desde a origem na China há cerca de 700 anos, até o flysurf, esporte bastante praticado em praias espanholas e que, a rigor, une uma pipa mais sofisticada à prancha de surfe. “É basicamente um ‘cometa’”, compara. No Brasil, o professor pretende levantar todos os modelos e materiais que os meninos utilizam para construir suas engenhocas voadoras. “Em Campinas, vi jovens vendendo pipas de variados tipos. Seria o caso de comprar todas para promover uma exposição. Ainda não temos coleções para montar um museu fisicamente, mas esses fundos existem. Por isso, por que não criar um museu virtual do esporte brasileiro? É preciso procurar e catalogar documentos, equipamentos, jogos, livros antigos, em acervos particulares ou públicos. As crianças, sobretudo, merecem conhecer a história do esporte no Brasil”, aconselha.
La pelota Jogos infantis e adultos praticados por todo o mundo mostram muitas semelhanças, mesmo quando não existe uma relação direta entre as culturas o que torna mais difícil identificar sua origem. Hospedado em casa de amigos, o professor soube, por exemplo, da bocha, que diz parecer com o chamado “jogo de bolos” que se popularizou nas zonas rurais da Espanha, e que nos Estados Unidos evoluiu para o boliche. “No Museu do Inef temos pinturas dos séculos 16 e 17 retratando o jogo, e uma coleção com aproximadamente 60 tipos de bolas e pinos”, informa.
Como o próprio Cristóvão Colombo levou para a América um livro de jogos, muitas modalidades européias acabaram disseminadas no continente, quase sempre com mudanças nas regras que acabaram resultando em jogos distintos. “O intercrosse é jogado ao estilo do hóquei, com uma bola e um bastão largo que traz na ponta uma cesta. As competições reuniam várias tribos americanas, que apostavam suas posses. Alguns antropólogos afirmam que o jogo era um sistema de redistribuição de riquezas”, observa. O jogo de pelota maia, no entanto, era praticado nas Américas Central e do Sul bem antes da invasão dos colonizadores, e consistia em fazer passar por uma argola uma bola de três quilos.
A atração por “la pelota” objeto redondo que se pode golpear ou lançar vem de muito antes do surgimento do látex, desconhecido pelos europeus antes da descoberta das Américas. “Os primeiros jogos eram com bolas de trapo cheias de pêlos de cabra ou com órgãos de animais inchados com ar. O látex foi uma revolução, pois a bola teve sua velocidade multiplicada por cem e todos os jogos tiveram de ser adaptados ao material”, recorda o Hernández. Segundo o professor, esportes como o tênis e suas diferentes versões só se tornaram viáveis por causa da rapidez da bola de borracha. “Na Espanha existe um jogo individual em que a bola é arremessada contra uma parede, o frontenis, e que em países americanos ganhou regras e nomes diferentes (squash). Mas tudo tem origem na França: tênis vem do verbo ‘ter’ em francês (‘tener la pelota’)”.
O grande achado de Segóvia
Há pouco mais de 30 anos, estudiosos espanhóis do esporte foram informados sobre a existência de um ginásio de ginástica completo, com equipamentos originais do final do século 19 e início do século 20, todos em bom estado de conservação. Ficava em Segóvia, a 60 km de Madri. “Foi uma descoberta casual, mas comparável à de arqueólogos que encontram um sítio único no mundo. Era um ginásio típico espanhol, com influência do norte da Europa, mas que desapareceu do continente, não havendo mais do que peças soltas. É o único que conhecemos”, afirma o professor Manuel Hernández Vázquez.
O ginásio de Segovia, fundado em 1889, era utilizado para preparar aspirantes à Academia Militar. Teve como última sede um palacete renascentista, que segundo a população local foi propriedade da rainha Joana, a Louca, e que depois foi decorado com adereços e pinturas denunciando o funcionamento de um prostíbulo ou “café de camareiras”. Na entrada, os pesquisadores encontraram um cartaz: Mens sana in corpore sano, o famoso escrito que, observa Hernández, é uma redução de “Roguemos a Deus por uma mente sã e um corpo são”, o que contradiz a tese de que a prática do esporte era execrada durante a Idade Média.
Desde 2001, com a criação do museu, todo o material está exposto no Instituto Nacional de Educação Física, em Madri. Um cavalo de madeira em tamanho natural, sobre o qual cadetes aprendiam a montar e desmontar, foi escolhido como símbolo do museu. Lá estão quase todos os predecessores dos atuais aparatos olímpicos: barras paralelas, banco de remo fixo, aparelho de salto sobre o cavalo, argolas, balão de boxe, equipamentos de esgrima.
Também em madeira de qualidade, vê-se uma bicicleta ergométrica (de 1890, mas tendo ao lado versões de 1930 a 1960, mostrando sua evolução), uma esteira, um aparelho para abdominais, medidores antropométricos e uma estranha peça com orifícios para prender mãos e pés, chamado de estirador, que na Inquisição era utilizado para torturas. Pelo visto, servia para ‘esticar’ candidatos à Academia Militar que não tinham altura suficiente”, explica Manuel Hernández.
Como soldados vão à guerra, no ginásio foram instados vários aparelhos para reabilitação. Um deles chama a atenção porque apresenta encaixes para os dedos das mãos e um pedal. “O proprietário desenvolveu o equipamento para que um amigo, pianista, recuperasse a mobilidade dos dedos”, acrescenta o professor.
O Museu do Inef guarda, ainda, coleções de jogos tradicionais e infantis, livros antigos e fac-símiles medievais, e de peças desportivas. Há um arquivo iconográfico e um estudo antropológico que conta a evolução dos jogos desportivos na Península Ibérica desde os primeiros registros gráficos até a idade moderna. Um dos livros admirados por Manuel Hernández traz pinturas detalhando trajes, adornos e armas de cavaleiros da Ordem de Santiago. “É uma obra linda, cuja curiosidade é ter sido produzida durante um longo período que vai do século 13 ao século 17. Podemos ver a evolução não apenas dos trajes e armas, como dos estilos de ilustração”.
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