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Pesquisa desenvolvida no Instituto de Computação lança luz sobre doença que afeta citricultura

Seqüenciamento genético de duas bactérias amplia frentes de combate ao cancro cítrico

MANUEL ALVES FILHO


 Fruto atacado pelo cancro cíticro (acima); no destaque da foto abaixo, a folha infestada   Pesquisadores do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, em parceria com especialistas da USP e Unesp, estão em vias de concluir o seqüenciamento genético das bactérias Xanthomonas axonopodis patovar aurantifolii cepas B e C, microorganismos que atacam os citros, especialmente a laranja. O primeiro causa um tipo menos agressivo de cancro cítrico, enquanto o segundo provoca apenas uma reação adversa da planta. Os dados gerados pela pesquisa, somados aos obtidos por ocasião do mapeamento dos genomas da Xanthomonas citri e Xanthomonas campestri, em 2002, deverão ampliar as perspectivas de combate ao cancro cítrico, doença que tem trazido importantes prejuízos à citricultura nacional, notadamente a paulista. Os estudos estão sendo financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Fundecitrus, associação que congrega citricultores e indústrias processadoras de frutas cítricas.

Pesquisa é feita em parceria com USP e Unesp

De acordo com o professor João Setúbal, que coordena os trabalhos no âmbito da Unicamp, coube aos especialistas da Universidade promover a montagem e a anotação dos dois genomas, que apresentam muitas semelhanças com os seqüenciados em 2002. Para isso, o Laboratório de Bioinformática (LBI) do IC teve de sofrer uma pequena adaptação. Também foi necessário adquirir e desenvolver softwares específicos para a tarefa. Esse esforço gerou um artigo científico, já publicado. De acordo com o docente, uma forma de compreender melhor o seqüenciamento genético é compará-lo com a montagem de um quebra-cabeça. Imagine-se que o genoma é constituído por um conjunto extenso de letras. No caso das cepas B e C da Xanthomonas axonopodis patovar aurantifolii, isso corresponde, em média, a 5 milhões de caracteres cada uma.

Ocorre que os seqüenciadores existentes têm capacidade para mapear entre 500 e 1.000 letras de cada vez. Ou seja, no lugar de reunir todos os caracteres numa frase extensa, eles conseguem produzir apenas alguns pedaços dessa frase. No trabalho em questão, foram gerados perto de 100 mil fragmentos de cada genoma. “Nossa primeira missão foi pegar essas 100 mil peças e montar os quebra-cabeças, no caso os genomas”, explica o docente. O passo seguinte foi realizar a anotação desses genomas. Em outras palavras, os pesquisadores compararam os genes das bactérias ainda em estudo com os das seqüenciadas há três anos. Depois, assinalaram aqueles que são comuns e os que são diferentes entre elas.

Esse trabalho de anotação, destaca o professor João Setúbal, é muito importante, pois a partir dele é possível tentar distinguir o gene ou genes capazes de provocar o cancro cítrico. “Como a maioria dos genes é comum às quatro bactérias, boa parte da anotação foi feita de forma automática. Nós identificamos perto de 460 genes diferentes em cada um dos microorganismos que estamos mapeando. Ora, se as bactérias têm um alto grau de semelhança, mas provocam danos distintos nas plantas, variando da doença mais agressiva até uma simples reação adversa, é muito provável que a resposta para a pergunta sobre qual mecanismo provoca o cancro cítrico possa ser encontrada nessas diferenças”, explica o docente do IC.

De acordo com ele, o seqüenciamento ainda deverá consumir mais quatro ou cinco meses de trabalho. O especialista lembra, porém, que antes mesmo de a pesquisa atingir o atual estágio, várias informações foram repassadas antecipadamente aos biólogos da USP e Unesp, para que estes conduzissem estudos complementares. São esses cientistas que promoverão testes de laboratório para verificar, por exemplo, se uma bactéria mutante, desprovida de um ou mais genes, continua tendo ou não capacidade de causar o cancro cítrico na planta. “Esse trabalho já está sendo feito. É possível que, brevemente, nós tenhamos novidades a esse respeito”, afirma Luciano Antonio Digiampietri, aluno de doutorado que integra a equipe coordenada pelo professor João Setúbal.

Descoberto o gene – ou conjunto de genes -– e o mecanismo utilizado por ele para causar o cancro cítrico, esclarece o docente do IC, é possível buscar medidas para combater a doença. Isso pode ser feito de várias maneiras. Uma delas é o desenvolvimento de agroquímicos que matem as bactérias. Outra é o controle biológico, ou seja, o emprego de um predador natural contra os microorganismos fitopatogênicos. Uma terceira alternativa é lançar mão da biotecnologia para produzir plantas mais resistentes a esse tipo de praga. “Penso que estamos dando passos importantes na direção dessas soluções”, analisa o professor João Setúbal.

Segundo ele, além de trazer contribuições para a citricultura, a pesquisa também tem um forte valor acadêmico, visto que ajuda na formação de profissionais altamente qualificados. Além do professor João Setúbal e do doutorando Luciano Digiampietri, participam da equipe da Unicamp o mestrando Gustavo Costa, os graduandos Marcelo Perez, Daniel Machado Faria, Aloísio José de Almeida Júnior, Julia Perdigueiro e Daniel Gasparotto e o funcionário Eric Hainer Ostroski.


Genoma

 O professor João Setúbal, coordenador dos trabalhos na Unicamp: identificados perto de 460 genes diferentes em cada um dos microorganismos mapeadosA partir de 1994, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) criou uma série de programas destinados a orientar o desenvolvimento científico e tecnológico paulista. Entre eles está o Projeto Genoma, com atividades ligadas aos campos da genética e biologia molecular, em setores como citricultura, cana-de-açúcar e câncer humano. O Projeto Genoma produziu resultados como o seqüenciamento das bactérias Xylella fastidiosa, causadora do amarelinho, outra praga da citricultura, e da já mencionada Xanthomonas citri. Os estudos que culminaram com o mapeamento genético deste último microorganismo deram origem a um artigo que foi divulgado, em 2002, pela revista britânica “Nature”, uma das mais prestigiadas publicações científicas do mundo.

A doença
 Eliminação de plantas contaminadas: prejuízo incalculável O cancro cítrico ataca todas as espécies de citros, especialmente a laranja. As variedades mais resistentes são: poncan, mexirica do rio, limão taiti, laranja pêra, entre outras. A doença é causada pela bactéria Xanthomonas citri, que está presente no Brasil há 48 anos, de acordo com informações do Fundecitrus. Ela se manifesta por meio do surgimento de lesões, parecidas com verrugas, nas folhas, ramos e frutos. O microorganismo pode ser disseminado pelo homem, vento ou chuva ou por mudas contaminadas. Ainda segundo a associação que representa os citricultores e as indústrias processadoras de frutas, a bactéria espalha-se rapidamente pelo pomar.

Duas semanas após o surgimento da primeira lesão, formam-se 1.000.000 de microorganismos. Estes, por sua vez, gerarão dez lesões, com aproximadamente 10.000.000 de bactérias. Ou seja, se não for detectada a tempo, a doença fica impossível de ser controlada. Devido à agressividade da Xanthomonas citri e à sua capacidade de destruir os pomares, a notificação do aparecimento do cancro cítrico passou a ser compulsória no Estado de São Paulo. A Secretaria da Agricultura pode, por intermédio da Coordenadoria de Defesa Agropecuária, aplicar multas aos produtores que dificultarem o saneamento da citricultura. A não-comunicação da presença dessa praga pode resultar numa punição pecuniária no valor de 501 a 1.500 UFESPs (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo), que correspondem a R$ 6,7 mil e R$ 20 mil, respectivamente.

Atualmente, a única forma de enfrentar o cancro cítrico é com a eliminação das plantas contaminadas ou sob suspeita de contaminação. De acordo com a legislação, se na área de plantio houver mais de 0,5% de árvores contaminadas, todo o pomar deverá ser destruído. Se o índice de contaminação for igual ou inferior a 0,5%, devem ser erradicados apenas os pés com problema e os que estão situados num raio de 30 metros. O Fundecitrus não soube informar qual o montante do prejuízo financeiro causado para a citricultura paulista pela ação da Xanthomonas citri.




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