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Apesar de ter firmado redes sociais, comunidade
brasileira enfrenta muitas dificuldades nos EUA
Os guetos da segunda geração
MANUEL ALVES FILHO
Embora tenha maior domínio do idioma e conte com serviços de apoio mais efetivos, a segunda geração de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos enfrenta adversidades semelhantes às vividas por seus pais, que chegaram naquele país a partir de meados da década de 1980. De modo geral, os jovens continuam executando trabalhos desprezados pelos norte-americanos, seguem cumprindo longas jornadas de trabalho e mantêm a tendência de conviver em guetos formados por seus próprios compatriotas ou outros latinos. A análise é da socióloga Teresa Sales, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. Ele ressalta, porém, que apesar dessas dificuldades, a comunidade brasileira tem firmado redes sociais que permitem antever mudanças importantes no seu perfil ao longo dos próximos anos. Atualmente, estima-se que 40% dos cerca de 2 milhões de brasileiros que emigraram vivem nos Estados Unidos.
Para os jovens, dinheiro é importante
Teresa Sales dedica-se ao estudo dos fluxos migratórios internacionais desde 1995. Em 1999, ela escreveu o livro “Brasileiros longe de casa”, que trata justamente da primeira geração de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos. De acordo com ela, essas pessoas deixaram o país a partir da segunda metade dos anos 80, em busca de ascensão financeira e social. O fenômeno coincide com a chamada “década perdida”. Em razão do fracasso dos sucessivos planos de estabilização econômica, uma parcela da população desencantou-se e decidiu “fazer a vida” no exterior. A maioria desses brasileiros, originários da classe média, rumou para os Estados Unidos. Lá, eles depararam com uma realidade bastante dura.
Como geralmente não dominavam o idioma e não tinham qualificação, passaram a sobreviver de trabalhos esporádicos e/ou informais. Muitos viraram pedreiros, pintores, encanadores, eletricistas e empregados domésticos, apenas para citar algumas atividades. Para auferir ganhos que lhes permitissem custear a estada no país e ainda ajudar os familiares que ficaram no Brasil, os brasileiros submeteram-se a jornadas exaustivas de trabalho. Tudo isso, destaca a professora Teresa Sales, numa sociedade que enxerga os imigrantes de forma bastante enviesada. “Como essa integração com os nativos sempre foi muito difícil, os brasileiros restringiram suas relações pessoais aos seus compatriotas ou a outros latinos e africanos, estabelecendo uma espécie de gueto”, afirma.
Um aspecto importante em relação a esta primeira geração de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos é que a maioria manifestava, inicialmente, o desejo de permanecer no exterior apenas pelo tempo necessário para fazer o pé-de-meia. Passados 20 anos, muitas dessas pessoas já revelam a intenção de estender indefinidamente a sua estada na América. “Embora haja quem diga que pretende voltar ao Brasil, também existe uma parcela que pensa em permanecer. Muitas pessoas estão comprando casas e se estabelecendo de forma mais efetiva por lá”, conta a pesquisadora do Nepo. E a segunda geração, que é constituída basicamente pelos filhos desses pioneiros, como vive e que relação mantém com os Estados Unidos e o seu país de origem?
De acordo com Teresa Sales, a maioria das crianças que acompanharam os pais nessa aventura por terras estrangeiras hoje é adolescente. Em relação aos mais velhos, esses jovens levam a vantagem de dominar o idioma inglês, de freqüentar as escolas norte-americanas, mesmo estando na ilegalidade, e de contar com uma rede social consolidada, constituída por organismos que lutam pela ampliação dos seus direitos. “Quando a primeira geração de brasileiros chegou aos Estados Unidos, ela era extremamente desorganizada. Atualmente, existem entidades que defendem a comunidade em variadas áreas, como a trabalhista e a social. Recentemente, participei de uma solenidade na região metropolitana de Boston em comemoração aos 10 anos do Centro do Imigrante Brasileiro. Esta e outras organizações latinas têm feito gestões junto ao governo americano no sentido de criar leis que protejam os imigrantes”, diz.
Esse nível de organização, prossegue a intelectual, fornece elementos que permitem afirmar que a segunda geração de brasileiros nos Estados Unidos contribuirá para mudanças importantes no perfil de toda a comunidade ao longo dos próximos anos. Enquanto isso não acontece, reconhece a pesquisadora do Nepo, os jovens seguem enfrentando dificuldades semelhantes às encaradas por seus pais. O mundo do trabalho, conforme Teresa Sales, está presente no cotidiano dos adolescentes brasileiros. Embora freqüentem a escola, a exemplo dos mais velhos eles também trabalham duro, em atividades extremamente exaustivas. Muitos são lavadores de pratos, pedreiros, pintores, empregados domésticos etc. “Ganhar dinheiro, para esses jovens, é um aspecto importante. Numa entrevista que fiz com um grupo deles, metade disse que usa o dinheiro para bancar despesas pessoais, enquanto o restante afirmou ajudar no orçamento doméstico”.
Como a jornada de trabalho desses adolescentes tem que ser conciliada com os estudos, normalmente parte das tarefas é cumprida aos finais de semana. Ou seja, os períodos que deveriam ser dedicados ao lazer são normalmente ocupados pelo compromisso “profissional”. Conseqüentemente, as vidas social e familiar desses jovens acabam sendo prejudicadas. A professora Teresa Sales afirma que não avaliou o desempenho escolar dos brasileiros, mas considera ser razoável imaginar que ele também seja afetado por causa dessa dedicação ao trabalho. “O curioso nesse aspecto é que os brasileiros criaram um estereótipo, no qual passaram a acreditar. Eles dizem que o brasileiro é sempre um estudante brilhante. De fato, há alunos com excelente desempenho. Mas isso evidentemente não pode ser estendido a todos jovens da comunidade”, pondera.
Sobre a relação que essa segunda geração tem com o Brasil e os Estados Unidos, a socióloga identificou algumas diferenças. O país de origem normalmente é associado à família, à lembrança de avós, tios e primos. Também há uma identificação com os aspectos naturais, como a praia e o sol. Já a América representa para esses jovens a oportunidade de estudar em boas escolas e, sobretudo, ganhar dinheiro e ascender financeira e socialmente. “Depois de 20 anos, os personagens mudaram, mas o sonho permanece o mesmo”, conclui a socióloga.
Fluxo intensificou-se na década de 1980
De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores, cerca de 2 milhões de brasileiros algo como 1% da população vive hoje no exterior. Esses dados, adverte a socióloga Teresa Sales, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, são possivelmente defasados. Ainda conforme o Itamaraty, esses emigrantes estão assim distribuídos pelo mundo: 40% nos Estados Unidos, 19% no Paraguai, 14% no Japão, 18% nos vários países da Europa e 9% em nações como Argentina (2%), Suriname (1%), Guiana Francesa (0.7%) e Canadá (0,7%).
Teresa Sales explica que o fluxo migratório para os Estados Unidos começou a se intensificar a partir da segunda metade da década de 1980, período que coincide com a chamada “década perdida”. Em razão do fracasso dos planos de estabilização econômica, muitos brasileiros decidiram tentar a vida em outras terras. O movimento teve início em Minas Gerais, mais especificamente na região de Governador Valadares. “Como os mineiros daquela área já tinham uma relação antiga com os americanos, por conta do fornecimento de mica, mineral utilizado pela indústria bélica durante a Segunda Guerra Mundial, essa saída foi facilitada. Depois, moradores de outros estados cumpriram o mesmo caminho”, explica.
Levantamento feito pelo Departamento de Saúde Pública de Massachusetts indicou que, entre 1999 e 2001, 39,98% das brasileiras que deram à luz naquele estado eram nascidas em Minas Gerais, enquanto 12,45% eram paulistas. Embora não disponha de dados precisos, a professora Teresa Sales considera que o fluxo migratório de brasileiros em direção aos Estados Unidos continua intenso. Uma evidência dessa situação é a recente prisão e deportação de grupos flagrados ingressando ilegalmente naquele país. A pesquisadora considera que a novela “América”, exibida pela Rede Globo e que trata justamente da realidade dos imigrantes brasileiros nos Estados Unidos, tem alguma participação na decisão dessas pessoas de tentar a vida no exterior.
Ela esclarece que apesar de a produção mostrar todas as agruras pelas quais passam os imigrantes ilegais, ela também exibe o glamour que cerca essa aventura. “As pessoas tendem a filtrar as informações e valorizar apenas o aspecto positivo. Não é por acaso que os brasileiros constituem, atualmente, o grupo que mais cresce em termos de apreensão por parte do setor de imigração norte-americano”, lembra a pesquisadora do Nepo, que tem sido fonte obrigatória da imprensa brasileira quando esse assunto é abordado.
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