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Professora da Unicamp fala de projetos que pretende implantar à frente da Sociedade Brasileira de Computação

Por uma computação mais democrática (e feminina)

A professora Claudia Maria Bauzer Medeiros, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, acaba de ser reeleita para a presidência da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), uma das mais importantes entidades científicas desse segmento da América Latina. Durante os próximos dois anos, ela pretende dar continuidade às iniciativas deflagradas na gestão anterior, como a luta pela regulamentação da profissão, eliminando o perigo de reserva de mercado, a ampliação do número de associados e o incentivo à participação da mulher no mundo da computação. De acordo com ela, essa preocupação em ampliar a presença feminina no mundo da ciência já vem ocorrendo em outras áreas, como a Física. “O próprio governo federal está lançando editais para fomentar a participação das mulheres na ciência em geral. Embora a presença feminina venha caindo na área da computação, o mundo corporativo está abrindo espaços para as mulheres, inclusive nas esferas de decisão. As empresas entendem que a mulher tem uma maior capacidade de organização. Também há uma percepção de que homens e mulheres trabalhando juntos conseguem melhores resultados. Muitas organizações consideram que, enquanto o homem quer vender e obter lucro, a mulher quer satisfazer o cliente. A soma dessas duas características resultaria em melhores negócios”, explica a docente. Abaixo, os principais trechos da entrevista de Claudia Bauzer Medeiros ao Jornal da Unicamp.

Jornal da Unicamp – A senhora acaba de ser reeleita para a presidência da SBC. O que é esta entidade e que tipo de trabalho ela desenvolve?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - A Sociedade Brasileira de Computação é uma entidade sem fins lucrativos voltada às atividades acadêmicas e de pesquisa em computação no Brasil. Ela desenvolve uma série de iniciativas educacionais, de pesquisa e de apoio à comunidade técnico-científica do setor, atuando também junto a órgãos do governo. Do ponto de vista da educação, existe uma série de ações, como a edição de livros-texto e o estudo e a definição de currículos mínimos para os cursos de informática no Brasil. Atualmente, esse trabalho atinge mais de 600 cursos de graduação em todo o país, que buscam seguir as recomendações da SBC. Também temos atividades de treinamento de professores. Ainda na área de educação, organizamos um exame nacional de pós-graduação, utilizado pelas universidades como parte da seleção de alunos para seus variados programas. Na Unicamp, o resultado do exame é um dos critérios para avaliar o postulante a uma vaga na pós-graduação em Computação.

JU – A SBC também tem atuação no que se refere à regulamentação da profissão?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Sim. Existe no Brasil a tendência de criar reservas de mercado profissionais, baseadas em diploma, que é um procedimento bastante cartorial. A entidade pretende acabar com isso. Em vários estados do Brasil há uma tentativa de cercear a liberdade do exercício das profissões em informática, definindo, por exemplo, quem pode trabalhar como analista de sistemas ou tecnólogo. Nós, ao contrário, queremos que o emprego na área seja baseado na competência do profissional. Em 2003, conseguimos apoio para um projeto de lei, que está tramitando na Câmara dos Deputados, que assegura a liberdade para exercer a profissão. O empregador é quem vai selecionar quem ele quer. Com isso, basta que a pessoa tenha capacitação para trabalhar. Não é preciso ter diploma ou registro em conselho.

JU – Essa proposta deve sofrer resistência por parte de alguns segmentos, não?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Os cursos particulares de baixa qualidade estão contra a proposta, justamente porque são a favor da reserva de mercado cartorial. Junto com a nossa proposta de regulamentação, há pelo menos mais sete outras tramitando no Congresso. A nossa, que de certa forma se contrapõe às demais, é apoiada por muitas associações profissionais e industriais do país.

JU – No segmento educacional, a atuação da SBC se restringe apenas ao ensino superior?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - A entidade também oferece atividades para alunos de outros níveis. Organizamos olimpíadas nacionais de programação, que envolvem estudantes desde o ensino fundamental até o fim do ensino médio. Os primeiros colocados no país vêm fazer um curso aqui na Unicamp. No final do curso, são selecionados três jovens que participam das olimpíadas internacionais, que em 2005 serão na Polônia. Também promovemos uma maratona de programação, voltada aos universitários, cujos finalistas também participam de uma competição internacional.

JU – Que aspectos a senhora destacaria da gestão passada?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Todos os resultados obtidos só foram possíveis graças ao trabalho voluntário de dezenas de pessoas – diretoria, conselho, secretários regionais, delegados institucionais e muitos outros. Nos últimos dois anos, um destaque foi justamente essa ação no sentido da regulamentação da profissão. Logo no início da minha primeira gestão, começamos a ser chamados para explicar as razões do projeto de lei a membros do Congresso Nacional. Temos trabalhado junto aos parlamentares em favor dessa causa. Outro aspecto importante foi o crescimento do número de associados. Também destaco o aumento das denominadas “Comissões Especiais”, que reúnem pesquisadores de uma determinada área e que organizam eventos científicos. Foram criados, nos últimos anos, comissões em jogos, geoinformática e bioinformática. O interessante é que esses grupos reúnem profissionais de diversas áreas, como psicólogos, biólogos, geólogos etc. Também conseguimos atrair, como sócios institucionais, várias empresas, como a Microsoft e a Intel. A partir do momento em que essas corporações se tornam sócias, passam a ter interesse em apoiar eventos científicos. Oferecem prêmios a alunos ou ajudam a trazer um palestrante estrangeiro para os nossos congressos ou simpósios, por exemplo. Por fim, temos uma cooperação com um grupo de pesquisa da UFMG que disponibilizou serviços de uma biblioteca digital que está indexando os autores e os títulos dos trabalhos apresentados em nossos eventos científicos. Os artigos nem sempre podem ser incluídos, pois muitas obras estão sob a lei do copyright. Graças a essa iniciativa, vários desses trabalhos passaram a ter visibilidade internacional e aumentaram seu fator de impacto.

JU – E em relação aos próximos dois anos, quais são os planos?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Vamos continuar trabalhando no sentido de atrair novos sócios, inclusive com perfis diferenciados. Obviamente, vamos continuar atuando no sentido de acabar com a reserva de mercado na área da computação. Outra iniciativa importante é atrair mais mulheres e apoiá-las para trabalhar em computação. O próprio governo federal está lançando editais para fomentar a participação das mulheres na ciência em geral. Os primeiros editais têm o objetivo de levantar dados sobre a presença da mulher na ciência, pois sequer dispomos dessas informações.

JU – Que tipo de apoio seria esse?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Existem dois ou três pontos a serem atacados. A tecnologia da informação está na base de tudo o que está sendo desenvolvido hoje em dia. Então, precisamos de mais gente preparada e que esteja disposta a trabalhar nisso. Como se consegue mais gente preparada? Com mais alunos de qualidade. Como se consegue mais alunos de qualidade? A criança precisa aprender a valorizar a computação como algo socialmente útil e desafiador, tanto do ponto de vista científico quanto tecnológico. As mães têm papel importante nesse aspecto, pois são as primeiras professoras e podem estimular o interesse das crianças. O filho vai à escola, mas a educação começa em casa. Ao atrair as mulheres, você conquista as novas gerações.

JU – Existe uma razão identificada para a queda de interesse das mulheres pela área?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Trata-se de um fenômeno mundial e não existe uma razão claramente identificada. Umas das hipóteses aventadas é que as meninas, ao atingir 12 ou 13 anos, são direcionadas pelos pais para outras carreiras. A computação, na visão de muitos pais, não seria uma área muito interessante. Outra hipótese de pesquisadores no assunto é que a mulher se interessa menos por atividades que não envolvam pessoas. Se ela acha que trabalhar com computação é mexer apenas com computador ou desenvolver programas, surge o desinteresse. Ela prefere tarefas que estabeleçam relações interpessoais. Isso, claro, também tem um viés cultural. A sociedade latina, de alguma maneira, ainda considera que carro e computador é coisa de homem e boneca e roupa é coisa de mulher. O curioso é que as multinacionais têm buscado cada vez mais mulheres para ocupar cargos de diretoria. Várias delas querem mulheres na diretoria de informática. Por quê? Porque a informática é um setor estratégico para a corporação. E o mundo corporativo entende que a mulher tem uma maior capacidade de organização, inclusive nessa área. Também há estudos que afirmam que homens e mulheres trabalhando juntos conseguem melhores resultados. Enquanto o homem quer muito vender e obter lucro, a mulher quer satisfazer o cliente. A soma dessas duas características resultaria em melhores negócios.

JU – Qual a participação de homens e mulheres na área da computação atualmente?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Fiz um levantamento preliminar que indica que, no Brasil, na pós-graduação em Ciência da Computação, cerca de 25% dos estudantes e entre 25% e 30% de docentes são mulheres. Esses dados, se comparados aos índices dos países europeus e dos Estados Unidos, são muito bons. Estamos no mesmo patamar ou até um pouco acima. Estatísticas do Ministério da Educação nos levam a crer, porém, que na graduação em Ciência e Engenharia da Computação a participação das mulheres tenha baixado de 30% há 15 anos para 5% a 10% agora. Ou seja, a participação caiu muito. Na própria Unicamp, há turmas de Engenharia da Computação com 90 alunos, que têm duas ou três mulheres. Em Ciência da Computação, há quatro ou cinco mulheres em turmas de 50 alunos. Ou seja, é preciso fazer algo para reverter essa tendência.

JU – Ao ingressar nesse mundo da computação, a mulher é vítima de algum tipo de preconceito?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Eu tenho conversado com várias colegas, e o sentimento geral é de que no Brasil não há preconceito contra as mulheres na área da computação. Mas há um problema que atinge mais as mulheres. Em algumas empresas, dependendo da atividade, não há um horário fixo. Isso é ruim para quem é mãe, por exemplo. Mas também há empresas em que se pode trabalhar em casa, o que é bom para a mulher, pois ela pode estar mais perto dos filhos. De modo geral, diria que há prós e contras, mas não identifico preconceito.

JU – O fato de uma mulher presidir a SBC confere um perfil diferente à gestão da entidade?

Claudia Maria Bauzer Medeiros - Eu penso que não. Só depois de eleita para a presidência da SBC, no primeiro pleito, foi que me dei conta de que era a primeira vez que uma mulher presidia a sociedade. Creio que a diferença ocorre sempre que muda a presidência. No meu caso, está apenas na minha visão sobre o que seja a profissão e a forma que tenho de conduzir as discussões e atividades. No mundo, há pouquíssimas mulheres à frente de entidades como a SBC. Sendo assim, meus colegas estrangeiros consideram a minha experiência no comando da SBC um sinal de avanço da sociedade brasileira em geral.