Os serviços são executados com a utilização de ferramentas adequadas, geralmente acionadas e controladas por programas para computadores acoplados às máquinas operatrizes. Durante os processos, as ferramentas sofrem altos desgastes que exigem troca constante de suas arestas de corte, aquecem-se e levam ao aquecimento das peças trabalhadas, o que pode provocar dois efeitos indesejáveis: alterações nas dimensões pretendidas e geração de tensões internas que podem comprometer a utilização da peça.
Para minimizar os desgastes das ferramentas e o aquecimento da peça, vários recursos podem ser utilizados, entre os quais o emprego de fluido de corte, uma mistura líquida constituída em geral de óleo e água em proporções adequadas a cada caso, que variam de 3 a 15 de óleo. A utilização mais eficiente desses fluidos de corte no torneamento ou fresamento, ou até sua supressão, tem constituído uma das linhas de pesquisa do professor Anselmo Diniz.
Explica o pesquisador que, em grande parte dos casos, o fluido de corte tem efeitos indesejáveis: pode gerar alergias ou outros problemas de saúde ao operador da máquina pelo contato com a pele ou pela inalação dos seus vapores durante anos; deteriora porque adquire fungos e bactérias, o que exige tratamento periódico, e mesmo assim precisa de tempo em tempo ser reciclado, pois não pode ser descartado no solo. As grandes empresas mantêm sistema de reciclagem; outras precisam entregar o fluido de corte para empresas certificadas pela Cetesb. Isso tem custos. “Portanto, a utilização do fluido de corte gera efeitos colaterais na área da saúde, na área ecológica e na área econômica”, diz.
Em vista disso, duas linhas de pesquisa se revelam bastante fortes. Primeiro, o desenvolvimento de novos fluidos de corte, ecologicamente corretos, que não prejudiquem a saúde do operador, que durem mais tempo na máquina e que não precisem ser trocados com tanta freqüência. Segundo, o desenvolvimento de processos que não precisem de fluidos de corte ou que o utilizem em menor quantidade. “Minhas pesquisas se orientam nesta segunda linha, ou seja, desenvolvimento de processos que não precisem de fluido de corte ou que diminuam muito seu uso sem diminuir significativamente a vida da ferramenta, ou até em muitos casos, aumentam sua vida útil sem prejuízo para a peça”.
O pesquisador exemplifica: “Temos obtido bons resultados. Se em muitos casos não há o que fazer, em vários outros tivemos significativo sucesso como no caso da Embraer, que precisa fresar um tipo de aço inoxidável utilizado na aeronáutica e usa fluido de corte em abundância (injeção de 40 litros por minuto da mistura óleo/água)”.
Como a ferramenta entra e sai da peça continuamente, esquenta e resfria em ciclos muito rápidos, esta alternância faz com que a vida da ferramenta caia quando comparada com o corte a seco. Mas a Embraer não aceita o corte a seco porque a peça não pode sofrer nenhum dano térmico passível de gerar tensões no material, intoleráveis em peças destinadas à aeronáutica. “Na impossibilidade do corte a seco, tentamos outras soluções como o uso da mínima quantidade de fluido (MQF), que corresponde a vaporizar pequena quantidade de óleo integral em fluxo de ar comprimido (10 a 60 ml de óleo integral por hora). Essa mistura não tem quase capacidade de refrigeração e não gera ciclos de aquecimento/resfriamento. Além disso, quando fora da peça, a ferramenta recebe o fluxo de óleo que a lubrifica e, ao fazê-lo, aumenta sua vida útil em relação ao uso a seco. Estabelecendo uma comparação grosseira, diria que se o corte com fluxo em abundância dá à ferramenta uma vida de dez minutos, o corte a seco daria uma vida de 15 minutos e o corte com MFQ levaria a uma vida de 20/25 minutos”, explica o docente.
Motivado pelo sucesso dessa tentativa, o pesquisador resolveu utilizar óleo integral em quantidade bem pequena, sem atingir o gotejamento, eliminando o fluxo de ar comprimido, que torna o funcionamento do equipamento muito barulhento. A quantidade de óleo injetada passava a ser maior do que no MQF, mas ainda incomparavelmente menor do que no fluido em abundância.
O professor comparou os resultados dessas duas tentativas com o que a Embraer faz hoje, que é o de utilizar o fluido em abundância, e com o corte a seco. Ele concluiu que, em termos de vida útil da peça, “a injeção de óleo integral com vazão pequena deu melhores resultados, seguido do MQF, do corte a seco e, por último, do fluido em abundância”. Com base nesses resultados Anselmo Diniz pondera: “A Embraer está preocupada com a qualidade da peça e com a segurança, e não com o custo da ferramenta. A empresa não pode correr riscos. Imagine uma peça que sofra uma trinca. Isso não pode ocorrer. Estamos em processo e vamos fazer uma apresentação dos resultados para a Embraer. As decisões dependem ainda de muitos outros testes a serem realizados pela empresa. Trata-se de uma peça de avião, o que envolve uma situação muito delicada, e exige uma quantidade enorme de estudos e análises antes de qualquer alteração no processo”.
Os trabalhos desenvolvidos pelo professor Anselmo Diniz revelam outros elementos quando se considera o conjunto de suas pesquisas. No torneamento, para testar o corte a seco, que em geral prejudica a peça e a ferramenta, já testou mudanças no material da ferramenta, utilizando ligas bastante resistentes ao desgaste e às variações de temperatura.
Testou também modificações nas condições de usinagem, variando a velocidade de rotação da peça, a velocidade de avanço da ferramenta, de maneira a não aumentar o tempo de corte e de produção, e de forma a conseguir que o corte a seco produza os mesmos resultados do fluido de abundância. E esclarece: “Mesmo que o rendimento da ferramenta, sem o uso do fluido de corte, seja 15 a 20% menor, talvez seja melhor não utilizá-lo. Por quê? Porque o que se vai gastar com o fluido, com o cuidado diário que ele exige na eliminação das bactérias e fungos e na sua reciclagem, talvez seja menos do que seria gasto a mais na substituição mais intensa das ferramentas. Esses novos parâmetros se mostram positivos em alguns casos e negativos em outros. Cada caso exige uma solução mais adequada”.
Aponta nessa mesma direção o trabalho que o professor havia feito anteriormente para a Embraer envolvendo usinagem de aço inoxidável. Na ocasião, a empresa solicitara que se mantivesse o uso de fluido de corte em abundância e que se estudasse o efeito de outras variáveis como tipos de ferramentas mais adequados, utilização de materiais alternativos nas ferramentas, condições de corte, entre outras, sempre com o objetivo de diminuir tempo e custos da produção. Depois de sua conclusão, o pesquisador sugeriu estudos referentes a modificações naquilo que considerava principal, que eram aquelas referentes ao uso do fluido de corte.
Anselmo Diniz explica ainda que “a usinagem de uma matriz de forjamento constitui um processo muito caro e este é um campo em que o Brasil ainda está muito atrás de países como Portugal, um dos centros de ponta na produção de matrizes. Pesquisa-se muito na área de usinagem de matrizes, de confecção de matrizes e tenho trabalhado nessa área também, não só em relação ao fluido de corte, como testando ferramentas e condições de corte diferentes, sugerindo modificações nas geometrias das ferramentas. Nossos estudos têm propiciado modificações nas geometrias e na funcionalidade das ferramentas, implementadas pelos fabricantes, e têm permitido que o MQF fosse implantado na usinagem de matrizes, em ambos os casos por subsidiárias de multinacionais”.
Um sucesso editorial
Quando começou a dar aulas na disciplina Usinagem de materiais, que consta do currículo de graduação da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, Anselmo Diniz utilizava o mesmo livro que já vinha sendo adotado desde que fora aluno, Fundamentos da Usinagem dos Materiais, que rejeitava no seu tempo de estudante, por considerá-lo pesado, de linguagem pouco acessível e que trazia uma série de informações que não interessavam.
“Dois ou três anos depois que assumi a disciplina, resolvi fazer uma apostila para atender às necessidades didáticas. Comecei, então, a desenvolver a apostila selecionando informações do livro que vinha sendo utilizado e de outros. Passava o ano lendo e anotando o que julgava servir para cada um dos capítulos da apostila. Deixava as férias para fevereiro e, em janeiro, no período de férias da maioria, quando tudo aqui estava tranqüilo, ia montando a minha apostila. Em anos sucessivos a coisa se repetiu de forma que ano após ano a apostila ia sendo melhorada. Num certo momento julguei ter chegado a um livro e pedi a meu ex-orientador uma leitura crítica. Com base nela fizemos novas modificações. Nessa época coincidiu de uma das empresas fabricante de ferramentas pretender publicar um livro sobre usinagem para distribuir para seus usuários. Mas queriam um livro pronto. Oferecemos o que tínhamos acabado de fazer e um dos seus gerentes técnicos sugeriu várias alterações que também incorporamos. Conseguimos publicar porque a empresa comprou metade da primeira tiragem de dois mil exemplares”, revela.
O livro caiu no gosto industrial e a partir daí foi a editora que se interessou em republicá-lo. Hoje está na 4ª edição e é procurado por estudantes de graduação e de pós-graduação de engenharia mecânica que estudam usinagem, e pelo meio industrial. Sobre a mesa do professor Diniz se encontra um volume com anotações que se destinam à 5ª edição, que já devia ter sido publicada: “Ela vair quando eu conseguir concluir minhas anotações. A editora está esperando. Sempre aparecem outras prioridades e vou deixando. Enquanto isso, a editora lança reimpressões”.
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