Quando Zeferino Vaz convidou Marcello Damy de Souza Santos para dirigir em 1967 o recém-criado Instituto de Física da Unicamp (decreto de dezembro de 1966), o reitor deu uma cartada de mestre. Zeferino sabia que o ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear não era bem visto pelos militares em razão de suas convicções nacionalistas. Sabia da mesma forma o que representaria, naquela fase embrionária do instituto, um nome como o de Damy, tido como um dos maiores físicos experimentais do país. O físico nuclear, que tinha livre trânsito nos maiores laboratórios do mundo, caía como uma luva nos planos de Zeferino, cuja intenção era implantar um instituto estruturado sobretudo na pesquisa. E assim foi feito.
Damy voltaria à sua cidade natal, de onde saíra aos 17 anos, com a missão de instalar um instituto numa época em que ainda predominavam as cadeiras de Física. A despeito das atividades na Unicamp e recém-aposentado na USP, o físico continuava com suas pesquisas no chamado reator nuclear do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), montada por ele e inaugurado, na Cidade Universitária, em 1957, então com o nome de Instituto de Energia Atômica. O ambiente na USP não era dos melhores. Campinas, nesse sentido, era um refrigério.
Razões não faltavam. A convulsão política do período respingava no prédio da Rua Maria Antônia, onde funcionava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, unidade que até 1970 seria responsável pela formação de físicos. O horizonte não era dos melhores para docentes e alunos. Listas de cassações, caos administrativo e brigas entre grupos de diferentes orientações ideológicas e acadêmicas, entre outros fatores, transformaram a USP num caldeirão prestes a explodir. Damy sabia que o terreno estava minado. E sabia também, como poucos, onde estava pisando.
Foi na Faculdade de Filosofia, ainda no início dos anos 30, que Damy, então aluno da Escola Politécnica, travaria contato com seu futuro orientador e parceiro, o cientista italiano de origem russa Gleb Wataghin, considerado por seus pares o pai da física no Brasil. E foi na USP que Damy, com a anuência de Zeferino, recrutou em 1967 o nome de maior prestígio na ciência brasileira à época: César Lattes. Agastado com a universidade em razão de um concurso interno na Cadeira de Física Superior, Lattes, que havia sido aluno de Wataghin e de Damy, desenvolvia pesquisas na área de radiação cósmica nos Andes bolivianos. Não titubeou em aceitar o convite para dar aulas na Unicamp.
A estratégia de Damy e Zeferino não era segredo para ninguém: Lattes serviria de chamariz para novos pesquisadores. Seu nome era garantia de prestígio. Além disso, sua linha de pesquisa seria “importada” da USP, e o departamento criado para abrigá-lo (Raios Cósmicos), logo nuclearia outras áreas, formando uma massa crítica fundamental para que o Instituto decolasse. Não demorou para que, entre 1968 e 1969, orientandos de Lattes seguissem seus passos: Armando Turtelli Júnior, Áurea Rosas Vasconcellos,Cláudio Santos, Edison Shibuya, Margarita Ballester e Marta Mantovani, que mais tarde seriam contratados como professores, acompanhavam Lattes nas pesquisas desenvolvidas no porão do Colégio Bento Quirino (hoje Colégio Técnico da Unicamp), na Rua Culto à Ciência, onde funcionava o Instituto de Física e a área administrativa da Universidade. A unidade nascia, portanto, sob o signo da pesquisa experimental.
As aulas ficavam a cargo de professores egressos do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, que havia sido encampada em janeiro de 1967 pela Unicamp. Eram eles: Carlos Alfredo Arguelo, Germano Braga Rego, Eduardo Araújo Farah, Jorge Rego Freitas, Luiz Brescansin, Nicolau Januzzi, Sérgio Bianchini Bilac e Zoraide Arguello. Outros dois professores, oriundos do ITA, João Martins e Raul Cavalheiro, completavam o quadro de docentes pioneiros.
Revelações – Os tempos de porão do Colégio Bento Quirino, de uma certa forma, refletiam a forma de trabalhar de Lattes, um cientista que não raro gostava de recorrer à improvisação em seus experimentos. Nos andares de cima do prédio, funcionava a sede da Universidade; no subsolo, a equipe de pesquisadores havia implantado um laboratório de raios cósmicos onde eram feitas as revelações de chapas fotográficas de 40 x 50 centímetros quadrados. Esse material ficava exposto, de um ano a um ano e meio, a 5.220 metros de atitude, no Monte Chacaltaya, nos Andes bolivianos.
As revelações, feitas em escala industrial, precisavam ser processadas rapidamente, sob pena de os filmes perderem a sensibilidade. Caso isso ocorresse, as imagens da radiação detectadas desapareceriam. O material era trazido da Bolívia em envelopes lacrados, à prova de luz. Em um só dia, revelam-se de 600 a 1.000 chapas. As instalações eram adequadas e o controle da temperatura ambiente, perfeito. Um detalhe, porém, deixava o grupo apreensivo: a secagem das chapas não podia ser apressada, sob o risco de a película que revestia os filmes ser danificada. A saída foi estender varais improvisados, nos quais as chapas eram penduradas com prendedores fabricados pelos pesquisadores.
Enquanto as pesquisas lideradas por Lattes ganhavam projeção internacional, Damy e Zeferino prosseguiam na tarefa de fazer a prospecção – e recrutamento – de novos nomes. Ainda em 1969, chegaria dos Estados Unidos o físico Nelson Parada, que chegou a assinar contrato com a USP mas acabou optando pela Unicamp. Entre suas missões, estava a implantação do sistema computacional e do curso de Pós-Graduação do Instituto; depois, em 1971, Parada presidiria a Comissão de Pós-Graduação da Unicamp, assumindo uma função equivalente hoje à do pró-reitor. Parada foi o autor também do primeiro projeto feito exclusivamente para obtenção de recursos junto ao BNDES, via Funtec (Fundo de Tecnologia). Data dessa época o primeiro aporte de recursos recebido pelo instituto. Roberto Luzzi, outro nome recrutado pela direção, foi um dos primeiros professores do curso de pós.
Consolidação – Em 1970, o Instituto de Física transferiu-se para o campus de Barão Geraldo, funcionando provisoriamente em salas da Faculdade de Engenharia Mecânica. Mais do que a mudança física, entretanto, o ano seria marcado como o início da fase de consolidação da unidade. Chegavam professores de todas as partes; novos departamentos foram criados. Egresso da Bell, laboratório norte-americano, Rogério Cerqueira Leite veio para a Unicamp na condição de chefe do Departamento de Estado Sólido, depois de recusar proposta da USP.
Em 1971, a unidade, já funcionando em instalações próprias, passou a se chamar, por sugestão de Damy e Lattes, Instituto de Física “Gleb Wataghin”. O “pai da física brasileira”, a propósito, era professor visitante do Instituto. No mesmo ano, Cerqueira Leite assume a direção do IFGW. Sua linha de ação priorizou sobretudo duas frentes. A primeira consistia no recrutamento de professores e docentes em universidades e laboratórios do Brasil e do exterior (sobretudo dos EUA, Europa, Índia e Argentina). A outra frente era a prospecção de recursos em bancos e agências de fomento.
Foram contratados pesquisadores de renome internacional. Sérgio Porto, expoente da física disputado pelos maiores laboratórios do mundo, saiu da Universidade do Sul da Califórnia para implantar e chefiar o Departamento de Eletrônica Quântica. José Ellis Ripper deixou a Bell para assumir a chefia do Departamento de Física Aplicada. Ao cabo de cinco anos, o número de professores saltaria de uma dúzia para quase uma centena. Foram implantados cerca de 30 laboratórios independentes.
O período foi marcado também por expressiva vinda de recursos para financiamento de pesquisas e compra de equipamentos. A conjuntura soprava a favor. O governo federal, por exemplo, passou a ter a Unicamp como estratégica no seu projeto de modernização do parque industrial e de domínio de novas tecnologias, sobretudo nas áreas de física de plasma, separação isotópica com laser, telecomunicações e física da matéria condensada. A descoberta da fibra ótica e a aplicabilidade de alguns tipos de lasers criavam uma atmosfera favorável à inovação.
Emblemática dessa época foi a parceria entre a Universidade e a Fundep, então comandada por José Pelúcio Ferreira. Além do órgão governamental, recursos chegavam por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Badesp, entre outras fontes. Calcula-se que o IFGW tenha recebido cerca de US$ 50 milhões entre 1971 e 1975. O montante, obviamente, logo renderia frutos na cadeia produtiva.
Dezenas de empresas foram criadas na região de Campinas a partir das pesquisas feitas no IFGW, destacando-se a AsGA (fabricação de lasers), Xtal (fotônica) e PadTec. A interação entre o Instituto de Física e a indústria, outra característica da unidade, começava a consolidar-se. Na outra ponta, parceria firmada entre a Unicamp e a Telebrás na área de comunicações óticas resultaria na implantação do CPqD. Calcula-se que, hoje, as empresas com vínculos diretos ou indiretos com o IFGW movimentam cerca de R$ 400 milhões/ano.
Prestígio – O IFGW está hoje seguramente entre os três melhores institutos de Física do país. Os trabalhos produzidos nos seus 69 laboratórios e quatro departamentos (Eletrônica Quântica, Física Aplicada, Física da Matéria Condensada e Raios Cósmicos e Cronologia), tanto no campo teórico como no experimental, ganham as páginas das mais prestigiosas revistas internacionais. No ano passado, por exemplo, foram produzidos 300 artigos em revistas indexadas. Outro indicativo é o expressivo número de citações.
O Projeto KyaTera (Plataforma Óptica de Pesquisa para o Desenvolvimento da Internet Avançada), coordenado pelo professor Hugo Fragnito, e as pesquisas desenvolvidas na área de raios cósmicos no Observatório Pierre Auger, na província argentina de Mendoza, sob o comando do professor Carlos Escobar, são dois dos muitos exemplos que colocam o IFGW na vanguarda da Física brasileira. O atual diretor científico da Fapesp e ex-reitor da Unicamp (2002-2005), professor Carlos Henrique de Brito Cruz, desenvolveu sua carreira no IFGW, do qual foi diretor em duas oportunidades (1991-1994 e 1998-2002).
A Pós-Graduação, conceito A (máxima, nota 7) pelos critérios da Capes, coloca o instituto no mesmo patamar das melhores instituições internacionais. Atualmente, o curso de Pós-Graduação conta com 62 alunos no mestrado e 153 no doutorado. Ao longo dos seus 39 anos, o IFGW ostenta uma marca expressiva: formou 524 doutores e 707 mestres. O Instituto tem matriculados 770 alunos na graduação, sendo cerca de 300 nos cursos de licenciatura integrada a Matemática e Química.
O Instituto, que ocupa uma área construída de 22.450 metros quadrados, vem mostrando agilidade também na busca de novas linhas de pesquisa. Foi criado um sistema quadrianual de planejamento na área. Nesse contexto, em 2003, uma comissão formada por uma maioria de membros externos, analisou todos os grupos de pesquisa do Instituto, selecionando as linhas que mereciam ser incrementadas. Ademais, a comissão sugeriu a criação de novas frentes de pesquisa, entre as quais a física teórica relacionada com biossistemas.