No dia 15 de dezembro de 2005, a 162ª reunião ordinária do Conselho Nacional de Saúde – instância máxima da representação da sociedade organizada dentro da administração federal – e representantes do Ministério da Saúde aprovaram conjuntamente o texto “Política Nacional de Práticas Integrativas e Medicinas Complementares para o Sistema Único de Saúde”. Construído e amadurecido durante décadas, ele foi fruto da persistência de muitas vozes e instituições preocupadas em estabelecer diretrizes claras, distintas e efetivas que legislassem sobre tema tão importante e controverso.
Trata-se de apontar uma política pública de saúde que defina critérios, normas e prazos para que as medicinas integrativas direcionem seus empenhos também dentro das práticas de saúde pública. Medicina integrativa, nome que veio para corrigir as graves distorções induzidas, ainda que involuntariamente, pelos termos “natural” e “alternativo”. A idéia de uma ação médica integrativa está baseada no conceito desenvolvido por dois autores, Ress e Weil. O primeiro professor do Royal College of Physicians de Londres, UK, o segundo fundador de um programa no ensino médico da Faculdade de Medicina do Arizona. Sugeriram um trabalho transdisciplinar que integrasse efetivamente as várias práticas terapêuticas. Tal modelo foi nomeado como medicina integrativa (“integrative” ou “integrated medicine”) para, de certo modo, fundamentar uma outra concepção e designação para as práticas médicas comumente chamadas de complementares ou alternativas. Os benefícios de atividades médicas como homeopatia, acupuntura e antroposofia ainda são objeto de controvérsias mais passionais do que científicas.
Entretanto há uma outra via pela qual se pode atestar sua importância: a progressiva demanda e o crescente grau de satisfação entre seus usuários conforme dados recentes (2004) da união européia asseguram. Não é pouco, considerando os aspectos que têm validado estas racionalidades médicas de forma consistente nas sociedades contemporâneas em todas as regiões do planeta.
Vale ressaltar que independentemente de posicionamentos favoráveis ou contrários, há que se contar com um mecanismo regulador, que ao mesmo tempo controle e fomente as pesquisas neste campo da medicina. Pesquisas que analisem a consistência epistemológica e a eficácia clínica destes métodos. Mas que levem em consideração a racionalidade adotada em um desenho epidemiológico congruente com eles. Que una farmaco-economia às técnicas psicométricas. Técnicas que, aliás, vêm sendo colocadas como parâmetros cada vez mais usados em sociedades industrializadas para mensurar “qualidade de vida em saúde”, ampliando radicalmente o escopo operacional da transdisciplinaridade, grande área do saber, ainda subestimada.
A medicina integrativa foi mencionada de forma surpreendentemente elogiosa no último relatório da Academia de Ciências Americana, publicada em 2005. Ora, por que uma comunidade de cientistas de uma sociedade altamente industrializada e sob notável desenvoltura biotecnológica resolveu emitir este parecer? Decerto há mais motivos do que aqueles que podemos listar aqui. Destarte, o relatório afirma que é por oferecer para as pessoas aquilo que a biomedicina deixou de fornecer. Não porque a medicina integrativa subscreva uma tese salvacionista. Muito mais porque ao se preocupar com o que a tecnociência deixou de lado, tais medicinas inseriram um importantíssimo contexto benévolo na relação médico-paciente. Ofereceram acolhimento e cuidados de maior amplitude à multiplicidade de queixas clínicas, que antes eram apenas relegados como “resíduos” do mal-estar contemporâneo. Enfatizaram o valor da cura e no cuidar, encorajando expectativas positivas e solidariedade nos pacientes. Tornaram-se assim autênticas medicinas baseadas em narrativas, resgatando o sujeito, sua singularidade e integralidade para a prática clínica.
Vista desta perspectiva a mentalidade integrativa está longe de ser uma prática que instigue sectarismo ou confronto com o que a medicina moderna representa. A medicina integrativa defende o resgate do sujeito independentemente da linha terapêutica que cada médico ou agente da saúde adota. Por isso mesmo o documento aqui mencionado torna-se tão vital. O texto “Política Nacional de Práticas Integrativas e Medicinas Complementares para o Sistema único de Saúde”, assinado e devidamente publicado em Diário Oficial por meio da portaria Nº 971 de 03 de maio de 2006 do Ministério da Saúde, deve agora ser implantado gradualmente com o apoio da sociedade e das Instituições Científicas que elaboraram o Projeto. A sociedade não pode mais esperar e saberá saudar a vida prática desta decisão.
É fundamental destacar, ainda, as diretrizes doutrinárias da Política. A primeira considera a “estruturação e fortalecimento da atenção em Práticas Integrativas e Complementares (PIC) no SUS”, mediante: inserção em todos os níveis de atenção, com ênfase na atenção básica; estabelecimento de mecanismos de financiamento; elaboração de normas técnicas e operacionais para implantação; e articulação com as demais políticas do Ministério da Saúde. A segunda “propõe o desenvolvimento de estratégias de qualificação em PIC, em conformidade com os princípios da Educação Permanente”. A terceira incentiva a “divulgação e a informação dos conhecimentos básicos das PIC para profissionais de saúde, gestores e usuários”, mediante: apoio técnico ou financeiro a projetos de qualificação de profissionais da área de informação, comunicação e educação popular; elaboração de materiais de divulgação; apoio a informação e divulgação em diferentes linguagens culturais; e apoio a experiências de educação popular. A quarta estimula “ações intersetoriais, buscando parcerias que propiciem o desenvolvimento integral”. A quinta “propõe o fortalecimento da participação social”. A sexta ressalta o “provimento do acesso e ampliação da produção pública de medicamentos homeopáticos e fitoterápicos”, mediante: elaboração da Relação Nacional de Plantas Medicinais e da Relação Nacional de Fitoterápicos; cumprimento dos critérios de qualidade, eficácia, eficiência e segurança no uso; e cumprimento das boas práticas de manipulação. A sétima garante o “acesso aos demais insumos estratégicos das PIC, com qualidade e segurança das ações”. A oitava “incentiva a pesquisa em PIC com vistas ao aprimoramento da atenção à saúde, avaliando eficiência, eficácia, efetividade e segurança dos cuidados prestados”. A nona propõe o “desenvolvimento de ações de acompanhamento e avaliação das PIC”. A décima promove a “cooperação nacional e internacional nos campos da atenção, educação e pesquisa”. Por fim, a décima primeira “garante o monitoramento da qualidade dos fitoterápicos pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária”.
O documento ora sancionado salvaguardará, portanto, todos. Contemplará tanto o ceticismo cauteloso que desconfia, como a credulidade entusiasta daqueles que já incorporaram práticas integrativas em suas vidas. Para os primeiros, o documento oferece garantias de que o Estado oferecerá apoio para pesquisas e disporá de um rigor e de um olhar mais atentos à matéria. Para os segundos produzirá um maior número de serviços e um incremento na qualidade ofertada em redes públicas. De qualquer forma, é patente o interesse plural, da sociedade e da República, nesta lei. Ao fim e ao cabo todo médico que vivencia a boa prática clínica sabe que devemos mesmo priorizar o que convém a cada paciente. Síntese que está contida no terceiro princípio hipocrático: “quando nem os contrários nem os semelhantes curam, o que convém é o que cura”.