| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 334 - 21 a 27 de agosto de 2006
Leia nesta edição
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Medicina Integrativa
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Educação
20 anos de vestibular
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150 anos de Freud
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Transtornos alimentares
Fotojornalismo opinativo
 

6-7

20 anos do vestibular
que valoriza a capacidade
reflexiva e de expressão

No dia 7 de dezembro de 1987 a estudante de cursinho Andréa Camargo Casquero, então com 18 anos, acordou antes que o despertador tocasse. Eram precisamente seis e dez da manhã. A noite fora longa e o sono não passara de um transe errático. Engoliu o café sem sentir o gosto, olhou-se uma última vez no espelho e saiu de sua casa, em Mogi Mirim, para enfrentar um desafio desconhecido: o vestibular sem cruzinhas da Unicamp.

Modelo que acabou com as cruzinhas foi um divisor de águas

“Ninguém imaginava o que seria um vestibular feito inteiramente com questões dissertativas”, recorda Andréa, que foi aprovada no curso de Educação Física e depois prosseguiu na pós, tendo concluído em 2005 o doutorado em Biologia Funcional e Molecular, na área de Fisiologia. “Além disso, ainda tinha a tal prova de redação”. A expectativa que fez Andrea pular mais cedo da cama também tomou conta dos outros 13.259 candidatos que disputaram as 1.380 vagas oferecidas. “Estávamos todos diante de uma coisa completamente nova”.

Era exatamente essa a idéia. Ao realizar o seu primeiro vestibular desvinculado da Fuvest, a Unicamp não estava apenas abandonando o convencional sistema de testes de cruzinhas. O que estava em jogo era o surgimento de um novo paradigma, no qual a capacidade de raciocínio e expressão eram mais importantes que a simples memorização. Passados quase vinte anos, o novo modelo confirmou-se como um divisor de águas no sistema de seleção de alunos para as universidades, com impacto direto tanto nas outras instituições de ensino superior quanto nos currículos do ensino médio.

Se do lado dos candidatos a ansiedade era grande, entre os idealizadores do novo modelo a expectativa não era menor. Ninguém dormiu direito naquela madrugada”, conta, bem humorado, o professor Jocimar Archangelo, primeiro coordenador da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest), instituída oficialmente em 1986, na gestão do ex-reitor Paulo Renato Costa Souza. “Depois das provas respiramos aliviados”.

Jocimar fora “importado” de São Paulo especialmente para coordenar a Comvest. No início de 1986, ainda como diretor do cursinho Equipe, ele publicou na página final de Veja, a convite da revista, um artigo defendendo mudanças no sistema de vestibulares. Formado em filosofia pela Universidade Estadual de São Paulo (USP), ele criticava a ausência de interação entre universidades e escolas de segundo grau e pregava, entre outras coisas, o fim das famigeradas cruzinhas. Após ler o artigo, Paulo Renato decidiu: “Vamos trazer o Jocimar”.

Jocimar Archangelo, que coordenou o primeiro vestibular com questões dissertativas: “Ninguém dormiu direito naquela madrugada”.Quando Jocimar chegou, em maio de 1986, as discussões internas já haviam sido iniciadas pelo filósofo e educador Rubem Alves, assessor especial para assuntos de ensino na gestão do reitor anterior, José Aristodemo Pinotti. Seu principal argumento para a criação de um modelo próprio era que os vestibulares convencionais tendiam a discriminar as classes de menor poder aquisitivo, tornando o seu acesso ao estudo universitário mais difícil. Havia, portanto, um descontentamento interno com o sistema anterior, mas ainda não se havia chegado ao um consenso quanto ao modelo capaz de substituí-lo e quais os instrumentos para viabilizar a mudança.

Ao assumir a tarefa, uma das primeiras providências de Jocimar foi cercar-se de pessoas experimentadas capazes de colaborar na construção do novo modelo. Os professores Marco Antonio Scarparo e Claudio Lucchesi, ambos com larga experiência no vestibular da Fuvest, desempenhariam importante papel nesse contexto. Com a equipe formada, o trabalho prosperou. Primeiro, definiu-se o perfil do aluno pretendido: alguém com raciocínio claro e capacidade de expressão. A partir daí, chegou-se ao modelo das provas: questões dissertativas nas duas fases, incluindo redação na primeira etapa.

Após a realização do primeiro vestibular com a marca Unicamp, Jocimar enviou dez mil correspondências aos segmentos ligados à educação em todo o país. Queria conhecer as opiniões sobre o trabalho realizado. Das mais variadas e desconhecidas localidades chegaram respostas, em sua maioria apoiando a iniciativa. O corpo docente da Escola Estadual de 1º e 2º Graus “Dona Geny Gomes”, da cidade paulista de São Sebastião da Grama, por exemplo, fez a seguinte apreciação: “Questões bem elaboradas, expostas com clareza e objetividade, exigindo do candidato o exercício da capacidade de expressão e interpretação”.

Paulo Barbosa: “Quebramos o mito de que o vestibular da Unicamp era difícil” Por outro lado, alguns professores do ensino médio criticaram a nova configuração, que certamente traria impactos na metodologia de ensino das escolas. Habituadas a ensinar nos moldes da memorização, elas agora teriam de estimular o raciocínio e a organização de idéias. O principal alegação, naquele momento, era que a mudança de filosofia reduziria as chances de aprovação dos candidatos vindos da rede pública.

Jocimar ouvia as opiniões e contra-argumentava. O fato de as provas exigirem clareza de raciocínio e capacidade de expressão não significava que as questões seriam difíceis. Ao contrário, a solução do problema muitas vezes estava na própria formulação, só que para encontrá-la seria preciso pensar. “Não queríamos saber se o candidato se lembrava da fórmula, e sim se era capaz de aplicá-la corretamente”, conta Jocimar, que hoje atua na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Tanto é, que em muitas questões a fórmula já era fornecida junto com a prova. Aos poucos, consolidou-se a certeza de que a mudança traria um salto qualitativo para todas as partes.

Caráter nacional – Impulsionado pela repercussão positiva, Paulo Renato decidiu expandir a área de abrangência do vestibular já em 1988. Naquele ano, o número de municípios credenciados para inscrições saltou de 9 para 19, incluindo as capitais Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. E, no ano seguinte, mais quatro cidades: Campo Grande, Juiz de Fora, Uberlândia e Londrina. O lema era: “buscar os melhores alunos onde estiverem”. Ampliou-se, ainda, o caráter nacional do vestibular com a realização das provas pela primeira vez em Brasília, Curitiba e Rio de Janeiro. Atualmente, as provas são realizadas simultaneamente em 25 municípios, sendo 9 capitais. Desde o vestibular 2004, as inscrições passaram a ser feitas via Internet.

Marco Antonio Scarparo: trazendo a experiência na USP para a UnicampOutro indicador de sucesso é a crescente demanda pelo vestibular Unicamp. Já no primeiro ano, o número de candidatos saltou de 13.260 para 29.988, chegando a 50.549 em 2004. No último exame foram registrados 49.606. Ao longo destes vinte anos, exatos 742.347 candidatos se inscreveram no processo seletivo da universidade.O número de vagas oferecidas a cada ano também aumentou. De 1.380 em 1986 foi para 2.954 em 2006.

“Conseguimos quebrar o mito de que o vestibular da Unicamp é difícil”, explica o professor Paulo Barbosa, que substituiu Jocimar a partir de 1996, permanecendo na direção da Comvest até 1998. “Para isso, realizamos uma grande campanha de esclarecimento, percorrendo feiras de vestibular e promovemos encontros com professores do ensino médio em todo o país”, conta. O trabalho deu resultado. Entre os inscritos no vestibular 2006, 29% vieram da Região Metropolitana de São Paulo, 25,% da Região Metropolitana de Campinas, 40% de outras regiões do estado de São Paulo e 6% de outros estados.

A mudança de paradigma inclui, ainda, um outro fator que, embora pouco divulgado, foi fundamental para a consolidação do novo modelo. “O sucesso de um vestibular discursivo está na metodologia para correção”, afirma a professora Maria Bernadete Abaurre, que dirigiu a Comvest de 1998 a 2002. Segundo ela, nesse plano, há dois aspectos a considerar: a escolha das questões e a clareza da banca quanto às expectativas de respostas. “Os corretores têm de conhecer não apenas as respostas esperadas, mas também aquelas que se aproximam da resposta esperada e que vão merecer ponto”, explica. E conclui: “Não é mais na base do tudo ou nada”.

Maria Bernadete Abaurre: “Sucesso está na metodologia para correção”Inclusão social – Recentemente, a Comvest escreveu um dos capítulos mais marcantes da história do vestibular Unicamp, ao desenvolver o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS). Instituído em 2004, após aprovação no Conselho Universitário da Unicamp, o PAAIS é um programa de ação afirmativa sem cotas, que visa estimular o ingresso de estudantes da rede pública na Unicamp ao mesmo tempo que estimula a diversidade étnica e cultural. O aspecto mais importante do PAAIS é a adição de pontos à na nota final dos candidatos no vestibular.

O programa prevê que estudantes que tenham cursado todo o ensino médio na rede pública brasileira recebam automaticamente 30 pontos a mais na nota final da segunda fase. Candidatos autodeclarados pretos, pardos e indígenas que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas também podem ter, além dos 30 pontos adicionais, mais dez pontos acrescidos à nota final. Desde a sua implantação no Vestibular 2005, o número de estudantes de escolas públicas aumentou em 39 dos 56 cursos da Unicamp. Em alguns cursos, a quantidade de alunos egressos de escolas estaduais mais do que dobrou em 2006. É o caso de Midialogia (um dos mais concorridos da Unicamp, com 39 candidatos por vaga). Em 2005, 10% dos matriculados em Midialogia eram estudantes vindos de escolas públicas, já em 2006, eles representaram 33% dos matriculados. Além de Midialogia, a participação de matriculados vindos de escolas públicas, em comparação com a média dos estudantes ingressantes nos Vestibulares de 2004 e 2005, dobrou em mais 6 cursos: História, Medicina (Famerp), Letras (Licenciatura), Música (Licenciatura), Medicina (Unicamp) e Ciências Sociais (Integral).

 

Hora de avaliar o passado e
pensar o vestibular do futuro

CLAYTON LEVY

Alunos durante prova dissertativa do vestibular da Unicamp: 742.347 candidatos inscritos nesses 20 anos Na próxima semana, a Unicamp abrirá as inscrições para o seu vestibular 2007. Será o vigésimo desde a separação da Fuvest e criação do modelo próprio, idealizado em 1986. Para comemorar a data, a Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest) promove no dia 28 de agosto um evento que vai reunir os coordenadores atuais e das gestões passadas para um debate sobre os avanços e as perspectivas futuras. O evento será realizado no Centro de Convenções da Unicamp, em Campinas, das 14hs às 17h30 e contará com a participação do escritor e educador Rubem Alves, professor emérito da universidade e um dos idealizadores do Vestibular Nacional Unicamp. Para fazer um balanço sobre estes vinte anos, o Jornal da Unicamp ouviu o atual coordenador da Comvest, professor Leandro Tessler.

Jornal da Unicamp – Qual o saldo destes vinte anos?
Leandro Tessler – Muito positivo. O vestibular da Unicamp é sem dúvida uma referência nacional, não só quanto à maneira como selecionamos os estudantes mas também no que diz respeito ao seu impacto no ensino médio. No Brasil inteiro, o ensino médio passou a levar em conta o que fazemos aqui. Se você olhar a maneira como as escolas estão ensinando os conteúdos mais complexos, vai perceber que tem muito a cara do nosso vestibular. Essa abordagem interdisciplinar, a idéia de resolver problemas, a idéia de ler e escrever, são aspectos que vêm aumentando muito no ensino médio em conseqüência da abordagem que damos ao nosso vestibular.

JU – Quando o vestibular da Unicamp foi instituído, em 1986, esse impacto foi bastante notório. Passados vinte anos, o senhor acha que esse quadro ainda permanece?
Tessler – Permanece porque isso transcende ao objetivo de entrar na universidade. A Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp, apesar de não oferecer nenhum curso, criou uma metodologia para aferição do conhecimento. Com isso, o candidato que está preparado para o vestibular da Unicamp está preparado para muito mais que um mero processo seletivo.

JU – A redação sempre foi uma prova com peso importante no vestibular da Unicamp. Isso deve continuar?
Tessler – A leitura e a escrita são dois aspectos que sempre serão privilegiados no vestibular da Unicamp. São dois aspectos importantes no perfil do aluno que nós queremos. A redação vale metade da primeira fase. Ela é fundamental na passagem do candidato da primeira para a segunda fase. Por isso ela é tratada com tanta atenção. Ao treinar alguém para essa prova, você está ensinando alguém a ler, entender e escrever.

O professor Leandro Tessler, atual coordenador da Comvest: preocupação com a dificuldade de logística para corrigir a quantidade crescente de provas.JU – Há dois anos decidiu-se que só teriam a redação corrigida aqueles candidatos que atingissem uma pontuação mínima nas demais questões em função do curso pretendido. Com isso, reduziu-se pela metade o número de redações a serem corrigidas, o que solucionou um sério problema de logística. Para os próximos vestibulares há alguma outra mudança em estudo?
Tessler – Nos preocupa muito o próprio modelo atual. Por quanto tempo ainda conseguiremos fugir da múltipla escolha? Assim como no caso da redação, estamos fazendo o possível para manter o modelo dissertativo. Mas não é segredo para ninguém que isso não poderá ser mantido indefinidamente. São cinqüenta mil provas. Há uma dificuldade de logística. Imaginemos que haja cem mil candidatos. Teríamos de corrigir duas vezes as doze questões de cada um deles, sem que um corretor saiba a nota dada pelo outro. Tudo isso garantindo o mesmo critério de correção da primeira à última prova. Se você aumenta a banca, você perde homogeneidade. Se você aumenta o tempo de correção, você também perde homogeneidade. Então, há limitações. Uma subcomissão da Câmara Deliberativa está incumbida de rever essas coisas e a própria distribuição curricular do vestibular. Nosso vestibular até hoje funciona com uma distribuição orientada por uma resolução do Conselho Federal de Educação de 1989. Muita coisa mudou de lá para cá. Por exemplo, recentemente foi aprovado o ensino obrigatório de sociologia e filosofia no ensino médio. Estas disciplinas não são consideradas explicitamente no vestibular. Será que não é hora de olhar para novas formas de aferir o perfil do candidato? Essa subcomissão está estudando.

JU – Falando no perfil do candidato, qual a principal mudança que o senhor nota em relação a este aspecto ao longo destes vinte anos?
Tessler – Em primeiro lugar, o vestibular está crescendo muito. E a diversidade é muito grande. Mas a minha impressão é que, infelizmente, os candidatos estão lendo menos. As redações estão mais superficiais do que no passado. As coisas tendem a ser mais imediatas. Isso tanto de quem vem da escola pública quanto de quem vem da escola particular. Mas não dá para botar a culpa nos estudantes. O candidato de hoje lê com menos profundidade mas em compensação tem maior capacidade de absorver coisas de diferentes fontes. Temos de aproveitar isso a nosso favor.

JU – Essa questão da leitura superficial seria conseqüência da disseminação da Internet?
Tessler – Não posso afirmar nada sobre isso, mas muito provavelmente uma coisa estaria ligada a outra. A Internet virou uma forma de informação. Isso é bom, mas também há problemas porque o silício aceita tudo. Há muitas informações que não são fidedignas nem aprofundadas. Mesmo assim, a Internet é uma fonte importante para os nossos candidatos. Não é à toa que o nosso processo de inscrição é feito exclusivamente pela Internet.

JU – Mudando um pouco o foco da conversa, o projeto de lei 73/99, em tramitação no Congresso, prevê o sistema de cotas. Se o projeto passar, pelo menos nas universidades federais 50% das vagas serão reservadas a egressos de escolas públicas e, entre essas vagas, será garantida uma proporção igual àquela obtida no último censo do IBGE no Estado para pretos, pardos e indígenas. Qual a sua opinião sobre esse tema?
Tessler – É uma coisa muito complicada. No Brasil, infelizmente, por um problema político, o sistema de cotas passou a ser confundido com programa de ação afirmativa. Você sabe que o vestibular da Unicamp foi o primeiro do Brasil a ter um programa de ação afirmativa sem cotas, o PAAIS (Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social). Mesmo assim, até hoje as pessoas se referem ao Paais como o “sistema de cotas da Unicamp”. As pessoas confundem as duas coisas. Mas, se essa lei passar, em primeiro lugar, ela não se aplicará à Unicamp porque estamos vinculados ao Conselho Estadual de Educação. Mas nada impede que alguém faça uma lei parecida no estado de São Paulo. Acho que o projeto de lei tem problemas graves do ponto de vista da autonomia universitária. A Constituição Federal diz que as universidades devem ter autonomia para selecionar seus estudantes. Acho que o componente étnico é muito importante na sociedade brasileira, mas é preciso que a própria sociedade se dê conta do risco que isso traz. Impor cotas sociais ou étnicas como a única possibilidade de ação afirmativa é uma solução rápida, fácil e potencialmente desastrosa para o sistema universitário brasileiro. Mas não faz sentido você dizer que o sistema de cotas colocará em risco o sistema universitário, como de fato coloca, se você não tem nenhuma proposta alternativa. Ou seja, manter as coisas como estão também não é uma boa solução. Tem de ter um outro caminho.

JU – O modelo da Unicamp seria esse caminho?
Tessler – É uma possível alternativa, mas é preciso preservar a autonomia universitária. O modelo da Unicamp é bom para a Unicamp mas pode não ser bom para todas as universidades. Acho que ele tem vantagens porque preserva a avaliação de mérito. Nada substitui a avaliação de mérito. Pessoalmente, acho que esse projeto de lei não passa. É muito polêmico. Mas ainda que ele passe, é importante termos universidades federais e estaduais com programas de ação afirmativa.

JU – No início desse debate, os ânimos estavam inflamados. O senhor acha que a sociedade já atingiu o grau de maturidade necessário para encontrar uma saída de consenso?
Tessler – Infelizmente, os ânimos continuam inflamados. Há algum tempo atrás fui vaiado solenemente num encontro em Brasília, organizado pelo MEC para apresentar o funcionamento do sistema de cotas. Lideranças importantes do movimento negro tentaram desmerecer o modelo da Unicamp sem conhecê-lo, só porque o nosso modelo não prevê cotas. O tom ainda está muito emocional. Os dois manifestos encaminhados recentemente ao Congresso, um contrário e um favorável à aprovação do projeto de lei nº 73/99, estão cheios de colocações capciosas que não contribuem para que o debate avance. Fiquei muito satisfeito com a Folha de São Paulo, que num editorial (publicado em 14 de agosto) reconsiderou sua atitude até então contrária a programas de ação afirmativa e propôs que programas nos moldes do Paais assumam a proa da discussão, desde que renunciem ao viés racial. Isso é importante por tratar-se de um programa que não é de cotas, mas que reconhece a necessidade de ação afirmativa, reconhece a diversidade étnica, e que deu certo.

JU – Como o senhor avalia a postura do governo federal nessa discussão?
Tessler – Tem? (postura)

JU – Isso já é uma avaliação.
Tessler – A postura do governo federal muda ao sabor do vento. Começou com colocações muito fortes a favor das cotas. Ao mesmo tempo, membros do MEC ficaram impressionados com o modelo da Unicamp, a ponto de citá-lo como algo fundamental para o futuro da educação no Brasil. Já existem bom sinais. Uma equipe da Secad, do MEC, está trabalhando aqui na Comvest para fazer uma avaliação do Paais. Ficamos orgulhosos por termos sido lembrados e os recebemos de braços abertos. Oferecemos uma sala, disponibilizamos Internet, franqueamos os arquivos. O objetivo deles é avaliar as diferentes experiências para inclusão de afro-descendentes nas universidades.

JU – E na sua avaliação, o que mostram os resultados do PAAIS?
Tessler –Tem o fato de o programa estar baseado em três valores fundamentais: autonomia universitária, mérito acadêmico e inclusão social. O programa combina muito bem estes três ingredientes. Outro aspecto importante: o programa não tem um tribunal racial. Ninguém vai checar se a pessoa que se auto-declarou preto, pardo ou indígena realmente aparenta os estereótipos associados a estas etnias. Nós acreditamos na auto-declaração. O PAAIS não renunciou ao viés étnico-racial, mas combinou um bônus de pontos para egressos de escola pública com um bônus extra para egressos de escolas públicas que se auto-declaram pretos, pardos ou indígenas. O Paais aumenta muito as chances de aprovação dos seus beneficiados sem reservar vaga para ninguém. Os resultados do Paais em dois anos de existência foram muito positivos. O número de egressos de escolas públicas matriculados na Unicamp aumentou 22%. O número de auto-declarados pretos, pardos e indígenas aumentou 31%. Em 31 dos 56 cursos, os beneficiados pelo Paais apresentam rendimento acadêmico superior ao dos demais estudantes após um ano na universidade. Em 53 cursos (95%), seu desempenho foi melhor do que o mostrado no vestibular em relação aos demais, validando as conclusões do estudo de 2003.


 

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