José Luiz Olivério, vice-presidente da Dedini, assegura que o potencial da cana-de-açúcar está longe de ser esgotado. Segundo ele, as três partes da cana caldo, bagaço e palha guardam conteúdos energéticos praticamente iguais. “Isso quer dizer que, em 500 anos, o Brasil desenvolveu tecnologia para aproveitar apenas um terço desta energia, a do caldo”.
Olivério observa que esta tecnologia tradicional está próxima do limite. “Hoje é possível recuperar de 97% a 98% da sacarose da cana e, para somar os 2% ou 3% restantes, seria necessário um grande investimento. Se queremos produzir mais álcool, o manancial tecnológico não está na sacarose”.
Daí, todo o interesse pelo bagaço e palha da cana, cujo aproveitamento pode elevar a produção de etanol em pelo menos 40%, sem um hectare a mais de área plantada. Mas, antes, o dirigente da Dedini enaltece o enorme progresso do setor em termos de produtividade, rendimento e eficiência, desde o Proálcool (Programa Nacional do Álcool) criado em 1975.
“A moagem de cana, por exemplo, aumentou de 5.500 toneladas/dia para 14.000 toneladas/dia. A produtividade foi quase triplicada usando-se basicamente os mesmos equipamentos”, informa. Olivério acrescenta que em 1975, com uma tonelada de cana, eram obtidos 66 litros de álcool. “Hoje, com a mesma tonelada, produzimos 86 litros”.
A conjugação do avanço tecnológico do setor agrícola e do setor industrial permitiu o aumento no desempenho de 4.600 para 8.200 litros de álcool por hectare. “O custo do álcool caiu de 90 dólares para 45 dólares o barril. Esta evolução em 30 anos é que fez o país assumir a liderança competitiva na produção”.
Esta tecnologia para obter o combustível a partir da sacarose, desenvolvida de forma praticamente exclusiva pelo Brasil, é tida como de primeira geração. A tecnologia de segunda geração visa o álcool da celulose e constitui o principal objeto das pesquisas do convênio Fapesp-Dedini.
Olivério adianta, contudo, que cientistas já trabalham na tecnologia BTL (biomass to liquid), de terceira geração, para produzir combustíveis líquidos por gaseificação e reações de síntese. “Este processo gera hidrocarbonetos semelhantes aos derivados de petróleo, mas todos originados de biomassas”.
Com a tecnologia BTL viria um boom da alcoolquímica, provocado pelas próprias empresas petroquímicas, que já estão considerando a instalação de verdadeiras plataformas de produção de bioetanol. “Essas plataformas seriam compostas por várias usinas próximas, processando no conjunto de 8 milhões a 10 milhões de toneladas de cana para produzir de 700 milhões a 900 milhões de litros de bioetanol”.
O destino de todo esse bioetanol seria a alcoolquímica, substituindo-se os derivados de petróleo que hoje compõe uma infinidade de produtos, como plásticos, tintas e solventes. “Por causa de todas essas soluções e evoluções tecnológicas, entendemos que a cana permanecerá por várias décadas como a mais competente fonte de matéria-prima renovável”, prevê José Luiz Olivério.
Hidrólise No entanto, na opinião do dirigente da Dedini empresa que reserva entre 3% e 4% do seu faturamento para pesquisa e desenvolvimento , a hidrólise de material celulósico é a tecnologia que está mais próxima da viabilização econômica. “É um processo muito complexo, que procuramos desenvolver há mais de 20 anos”.
Em entrevista anterior ao JU, o professor Carlos Rossell, pesquisador do Nipe, já nos deu uma noção desta complexidade. “Se fosse simples, os países ricos, com tudo o que investem, já teriam resolvido o problema”, disse. Lá fora são estudados outros resíduos, como os do milho.
Rossel explica que a matéria lignucelulósica, base dos vegetais, é composta essencialmente por celulose (polímero dos açúcares com seis carbonos), por hemicelulose (polímero com cinco carbonos) e por lignina, material estrutural da planta que pode ser fonte de outras matérias químicas ou de combustíveis.
A celulose e a hemicelulose podem ser transformadas em açúcares de cuja fermentação de obtém o álcool. “Acontece que materiais ligniosos como do bagaço de cana são muito resistentes a ataques de agentes físicos e biológicos. É uma estrutura muito difícil de ser quebrada”, diz o professor.
Tentativas O que se tenta, primeiramente, é promover um abrandamento da estrutura da matéria-prima através de processos físico-químicos, tornando-a mais acessível ao passo seguinte: a adição nos resíduos de ácido sulfúrico (hidrólise ácida) ou de enzimas (hidrólise enzimática) para quebrar os polímeros da celulose e da hemicelulose, transformando-os em açúcares fermentáveis.
Segundo Carlos Rossell, o ataque com ácidos vem sendo experimentado há anos, inclusive em escala industrial. Ocorre que a transformação se dá muito rapidamente e, devido às condições agressivas, parte dos açúcares é destruída. “O que se procura é reformular o processo com ácido para resolver os problemas de baixa eficiência e também do custo, que ainda é alto”.
Quanto à hidrólise enzimática, também há dificuldades. Na natureza, os microorganismos possuem um sistema de enzimas chamadas de celulases, que permitem quebrar a celulose em açúcares simples. Esses açúcares são fontes de carbono e de energia para os microorganismos.
“A questão é que em escala industrial a enzima precisa promover esta transformação em açúcares muito rapidamente. Também precisa permanecer estável por longo tempo e não ser inibida por agentes formados com sua própria atividade. Grande parte da nossa pesquisa está centrada na produção de enzimas mais eficientes”, diz o professor.
Planta-piloto A Dedini estuda o processo desde 1980 e já possui uma planta de hidrólise rápida, capaz de produzir até 5 mil litros de etanol por dia. Este convênio com a Fapesp prevê a construção de uma planta-piloto menor de hidrólise ácida, a fim de ganhar agilidade na incorporação de novos conhecimentos, que depois serão aplicados na planta maior.
A empresa, que participa do convênio com R$ 50 milhões, pretende financiar de 30 a 35 projetos focados no aprimoramento de tecnologias já em uso, no desenvolvimento de outros processos, na obtenção de energia a partir de subprodutos vindos da produção do etanol e em outros temas de seu interesse.
A Unicamp na produção de etanol
A liderança e competitividade conquistadas pelo etanol de cana-de-açúcar decorrem de um trabalho de muitos anos feito por instituições de pesquisa e empresas privadas, sob temas diversos: melhoramento genético da planta, combate a pragas, técnicas agrícolas e de colheita, impactos da cultura no meio ambiente e tecnologias de fabricação do etanol.
A Unicamp vem participando deste esforço com trabalhos realizados por pesquisadores de diversas unidades. Abaixo, listamos algumas pesquisas financiadas pela Fapesp sem considerar as relativas ao Projeto Genoma Cana (interinstitucional) e as que são frutos de bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doutorado e pesquisa no exterior.
- Desenvolvimento de marcadores moleculares a partir de ESTs de cana-de-açúcar para seleção de características economicamente importantes (CBMEG)
- Produção contínua de álcool carburante utilizando Saccharomyces cerevisae suportado em crisotila (Instituto de Química)
- Caracterização de leveduras industriais para produção de etanol utilizando composição celular e características cinéticas (CPQBA)
- Desenvolvimento de um reator de bancada de leito fluidizado para produção de etanol utilizando linhagens de leveduras floculantes (CPQBA)
- Diretrizes de políticas públicas para a agroindústria canavieira do estado de São Paulo (Nipe)
- Avaliação ecossistêmica/energética e econômica do setor sucroalooleiro do estado de São Paulo (Engenharia de Alimentos)
- Varredura do solo na colheita de cana-de-açúcar utilizando um disco de segmentos articulados: modelagem e validação experimental (Engenharia Agrícola)
- Utilização de biomassa com fins combustíveis: estudo de caso bagaço de cana (Engenharia Mecânica)
- Expansão do estudo através da torrefação de bagaço de cana e da homogeneização térmica do torrefador (Instituto de Física)
- Caracterização do gene ssnac23 em plantas transgênicas de cana-de-açúcar (CBMEG)
- Uso do etanol e da ACC sintase para indução da maturação da cana-de-açúcar (CBMEG)
- Caracterização de genes de função desconhecida preferencialmente expres
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