A professora Maria Cristina Cintra Gomes-Marcondes, do Departamento de Fisiologia e Biofísica, realiza e orienta pesquisas com a leucina desde 1994, incluindo-a na suplementação nutricional para animais de laboratório. Mas foi a partir de 2003 que os resultados de seu trabalho começaram a ganhar repercussão nas revistas científicas.
A caquexia, que reduz a qualidade e a expectativa de vida do paciente com câncer, é marcada pelo emagrecimento acentuado, fraqueza, anemia e espoliação dos tecidos. Este quadro severo decorre não só da anorexia (redução da ingestão de alimentos), mas das alterações bioquímicas e homeostásicas associadas aos tratamentos clínicos, como quimioterápico, radioterápico e cirúrgico.
Maria Cristina explica que a leucina é um dos aminoácidos de cadeia ramificada e auxilia na sinalização celular, que estimula o processo de síntese de proteínas e diminui a degradação da massa muscular. “Nos ensaios avaliamos a resposta dos animais à suplementação, buscando, na analogia com os pacientes de câncer, uma futura aplicação clínica”.
Segundo a pesquisadora, os animais tratados com uma dieta rica em leucina apresentam grande melhora da síntese protéica e menor espoliação da massa corpórea. “Os resultados têm sido muito bons. O que procuramos é uma terapia coadjuvante, pois a nutrição é uma parceira importante do tratamento clínico”.
A suplementação nutricional, na opinião de Maria Cristina, permite melhorar a qualidade de vida e contribuir para aumentar a sobrevida de pacientes com câncer. “Na verdade, ela pode ser associada a quaisquer terapias convencionais, como no pós-cirúrgico. Por isso, investimos tanto nessas pesquisas”.
Os resultados A docente do Instituto de Biologia informa que na musculatura esquelética, que é a mais espoliada em função da caquexia em câncer, a dieta rica em leucina trouxe um aumento significativo de 30% a 50% no processo de síntese protéica. Quanto à degradação da massa muscular, ela foi reduzida em até 30%. “Ainda não conseguimos minimizar toda a espoliação causada pelo crescimento do tumor”.
Na composição corpórea (proteínas, gordura e água), os animais hospedeiros chegam a perder 90% da massa gordurosa. Com a suplementação nutricional, ainda houve perda, mas de 50%. “Isso significa que a dieta assegura um estoque energético para a manutenção de funções importantes do organismo”, observa Maria Cristina Marcondes.
Também foram feitos alguns estudos associando a dieta rica em leucina com a vitamina C, em busca de uma resposta antioxidante, com grande melhora nutricional, que implica em aumento da sobrevida.
Outra avaliação foi a queda da glicemia a concentração de açúcar no sangue , mas a professora esclarece que o problema afeta os animais portadores, sendo a incidência insignificante em humanos. “A hipoglicemia pode levar ao coma, mas os hospedeiros que receberam a dieta preservaram a glicemia perto do nível de controle”.
Câncer e gravidez Maria Cristina afirma que a incidência de gravidez no câncer é muito baixa, aqui e nos outros países, limitando-se à faixa de 0,01% a 0,03% da população em geral. “Mas considerando apenas as mulheres em idade reprodutiva no Brasil, estima-se que cerca de trezentas pacientes tenham câncer concomitante à gravidez”.
A pesquisadora atenta que este quadro exige maior cuidado no procedimento, pois se torna difícil diagnosticar a evolução do câncer adequadamente. “No estudo experimental, procuramos ver o que ocorre no organismo de uma fêmea prenhe e doente nutrição, espoliação, alterações hormonais e a resposta do feto a essas condições”.
O crescimento tumoral, explica Maria Cristina, exerce um efeito bastante deletério sobre a placenta, chegando a invalidar a prenhez. “A dieta rica em leucina reduz os processos hemorrágicos e estimula a multiplicação celular da placenta. Outra resposta interessante é que a degradação de proteína da musculatura fetal diminui, enquanto a síntese protéica fetal aumenta”.
A professora acrescenta que os fetos de fêmeas com câncer têm estresse oxidativo elevado, o que está associado com o aumento da espoliação da massa muscular. “A leucina tem melhorado ou impedido o estresse oxidativo, elevando as atividades das enzimas antioxidantes e até diminuindo a produção dos radicais livres”.
Exercício físico Maria Cristina vem estudando os benefícios da natação em animais doentes, obtendo resultados semelhantes, mas com maior síntese de proteínas devido ao estímulo do exercício físico. “A natação melhora as condições de saúde do hospedeiro, mas esta melhora é bem mais acentuada com a associação da leucina”.
Numa comparação com os atletas, a professora explica que o exercício físico aumenta a massa muscular porque exerce um efeito trófico sobre a musculatura e esta, por sua vez, responde com um aumento da síntese protéica. “Para levantar um peso preciso de certa proporção de massa muscular. Com o estímulo dos exercícios, o atleta vai aumentando essa massa”.
O atleta inclui a leucina em seu suplemento nutricional porque ela estimula a síntese de proteínas, proporcionando um aumento de massa muscular ainda mais acentuado. O aminoácido puro, usado no laboratório de Maria Cristina Marcondes, é vendido aos atletas em farmácias de manipulação. Mas a leucina está presente em alimentos protéicos como carne, leite, queijo, verduras e leguminosas.
Sobre a prescrição da dieta a pacientes
A professora Maria Cristina Marcondes informa que o Instituto Americano de Nutrição (AIN American Institute of Nutrition) tem se preocupado em elaborar dietas específicas para pacientes com câncer, associando aminoácidos de cadeia ramificada leucina, isoleucina e valina e também ácidos graxos essenciais. “Há muitos artigos publicados em outros países descrevendo experiências com nutrição parenteral e suplementação nutricional”.
A rigor, segundo a pesquisadora, não haveria impedimentos para se recorrer a uma dieta rica em leucina como terapia coadjuvante, mesmo porque o aminoácido é comercializado livremente em farmácias de manipulação. “Alguns pesquisadores estão fazendo esta indução em pacientes para auxiliar em outras terapias convencionais”.
Maria Cristina ressalta que a prescrição da dieta deve ser feita por um médico, nutrólogo ou nutricionista, que conhecem as necessidades do paciente. “Eu mesma não posso indicar, mas quando sou consultada por nutricionistas em congressos, coloco minha posição favorável”.
A pesquisadora esclarece que os experimentos com animais em laboratórios são importantes para se obter um padrão de procedimentos e um controle mais acurado em relação aos efeitos da dieta de leucina. “Nós também trabalhamos com cultura de células, para que possamos fazer analogias entre a experimentação in vitro (cultura) e a experimentação in vivo (animais experimentais) embora às vezes com restrições, pois nas condições in vivo há vários fatores que influem modificando a resposta”.
A preocupação em seu laboratório, adianta Maria Cristina, têm sido agora com as novas associações da dieta rica em leucina a outras suplementações, como por exemplo, antioxidantes, a fim de alcançar resultados mais pontuais. “Na verdade, não buscamos a cura do câncer, mas a melhora da resposta do hospedeiro”.
Tecnicamente, no entanto, a professora assegura que sua equipe está preparada para colaborar em pesquisas com humanos, o que dependeria da participação de pesquisadores da área médica e de outro protocolo aprovado por um comitê de ética. “Em meu pós-doutorado na Inglaterra havia parceria com hospitais para avaliar a suplementação nutricional e a administração de determinados fármacos”.
Em conversas com docentes médicos no Brasil, Maria Cristina Marcondes tem observado uma boa receptividade em relação à dieta de leucina, o que abre espaços para a sua disseminação. “O professor Dan Waitzbert, gastroenterologista da USP com quem tenho boas relações, trabalha exatamente com pacientes de câncer e já tem investido em dietas”.