| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 367 - 13 a 19 de agosto de 2007
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Um dos mais ecléticos e estimados professores da
Biologia, ele se recusa a abandonar os campos rupestres

João Semir, 70, que
renega a aposentadoria

LUIZ SUGIMOTO

O professor João Semir, às vésperas da aposentadoria compulsória: aversão a cargos burocráticos e à especialização (Foto: Antoninho Perri)Meia hora de conversa com o professor João Semir e o interlocutor já será capaz de imaginar os campos rupestres da Chapada Diamantina, da Serra Dourada e da Serra dos Pirineus. É o ambiente preferido do pesquisador, onde ele coleta, identifica e observa a polinização das plantas floridas locais.

Então recém-formado em ciências biológicas pela USP, João Semir assinou contrato como professor da Unicamp em março de 1971, a tempo de dar aulas para a primeira turma do Instituto de Biologia. Foi escolhido paraninfo da primeira turma, honraria que viria a receber de outros formandos durante sua trajetória acadêmica.

Escolhido paraninfo da primeira turma do IB

“Vim para cá a convite do professor Aylthon Joly, criador do Departamento de Botânica, e integrei o núcleo pioneiro de pesquisadores com ele e a professora Marlies Sazima. A idéia era desenvolver pesquisas com angiospermas, grupos de plantas que apresentam flores”, recorda.

Semir vai ser aposentado compulsoriamente neste dia 14, por causa da idade. Daí a sugestão para que o jornal colhesse o perfil do professor, que é considerado um dos mais ecléticos e estimados do Instituto. A conversa, no entanto, começou sob clima de que ainda não era hora para fazer uma retrospectiva da carreira.

“Podem ficar bravos comigo, mas acho que 70 anos para a aposentadoria é um pouco cedo. Já que continuarei dando aulas na pós-graduação e como professor colaborador, e não deixarei de participar de grupos de pesquisas, nem esquentei a cabeça. Tem gente que entra em parafuso com a aposentadoria”, pondera.

Este despojamento é uma das marcas da personalidade de João Semir. Ao chegar à Unicamp, ele já fazia o mestrado orientado por Aylthon Joly, mas demorou seis anos para concluí-lo, em 1977, estudando algas. E, só depois de vinte anos como professor, quando já estava integrado aos campos rupestres, defendeu o doutorado sobre angiospermas, em 1991. “Eu não tinha pressa”.

Curioso por tudo, Semir aproveitou seu tempo para pesquisar e ensinar variados temas. Diz que sua ciência é a taxonomia, que trata da identificação e também da descrição das plantas, colocando-as dentro de uma hierarquia. “Um cientista norte-americano não saberá o que é catuaba, mas vai reconhecê-la como Anemopaegma arvence, nome científico e universal da planta”.

Logo em seguida, o professor ressalta a importância da biossistemática vegetal, que extrapola a sistemática clássica e propicia um olhar multidisciplinar. Ela envolve biologia, ecologia e genética, e é por aí que Semir, que nunca se interessou por especialização, vai abrindo seu leque de atividades.

“A ecologia me aproxima da Zoologia, com os professores José Roberto Trigo (em ecologia química) e Thomas Lewinsohn (em interação planta-animal). A genética me leva às colaborações com a professora Vera Solferini, da Genética e Evolução. E, no campo da polinização, tenho ao lado a especialista da Botânica, Maries Sazima”, enumera.

“O João é eclético e bastante produtivo. Se não fosse tão dispersivo com a documentação de sua produção, há muito tempo seria professor titular. Competência e currículo para isso, ele tem de sobra”, atesta a professora Luíza Kinoshita, a respeito do colega que se aposenta como professor assistente (MS-3).

Carlos Joly, hoje professor do departamento criado pelo pai, era adolescente quando o mestrando João Semir freqüentava a sua casa. “Ele teve papel fundamental na consolidação do departamento, com seu grande conhecimento taxonômico e a eterna disposição para trabalhar em equipe. Sempre cercado de pessoas, João formou muita gente boa que se espalhou por quase todos os estados do país”.

“Nunca tive aspirações políticas dentro da Unicamp”, assegura Semir. “Sinto-me um cientista, sem o menor talento para a burocracia. Meu único cargo, não muito bem sucedido, foi como chefe do departamento. Quando decidi largar a chefia antes do prazo, todo mundo concordou prontamente”, brinca.

Nos campos – João Semir viajou bastante pelo Brasil, sempre em breves incursões que raramente duravam mais de uma semana. Professor assistente, mas de dedicação exclusiva, ele precisava voltar logo por causa das aulas, da orientação aos pós-graduandos e dos pareceres para agências de fomento sobre a pertinência de bolsas solicitadas por alunos de outras instituições.

“Tenho bom conhecimento sobre matas, cerrados, campos e outras formações vegetais. Mas minha preferência é por estudos nos campos rupestres de Minas Gerais, Goiás e Bahia”, confessa o pesquisador. “São áreas montanhosas a pouco mais de mil metros de altura, com plantas normalmente endêmicas (que só existem lá), apresentando processos biológicos interessantes para sua adaptação àquelas condições”, explica.

Solicitado a descrever ao leigo o que observa nos campos rupestres, João Semir simplifica o verbo e começa pela polinização, objeto de estudo da biologia floral. “A planta parada necessita do vento, da água e dos animais para promover a polinização, que se dá com a chegada do grão de pólen ao estigma de uma flor”.

O grão de pólen parece uma estrutura esférica e representa a planta masculina, que ao cair no estigma da flor forma um tubo contendo gametas. “Numa região bojuda, na parte inferior em relação ao estigma, o gameta vai encontrar o óvulo. Fecundado, o óvulo transforma-se em fruto que tem no interior a semente. Esta semente é o embrião da planta, que vai ser levado pelos agentes para se estabelecer em outros locais”.

Pesquisas – Assim, didaticamente, João Semir poderia discorrer sobre outras áreas de atuação e sobre tantos projetos de pesquisa por ele coordenados, todos trazendo títulos “taxonômicos”. Talvez possamos traduzi-los como trabalhos sobre afloramentos rochosos, plantas de cerrado, flora do estado de São Paulo, polinização e dispersão de diásporos (frutos e sementes) e interação inseto-planta.

Uma pesquisa em andamento é sobre jacaranda (sem acento, pois nomeia o gênero; jacarandá, com acento, é o nome popular). “O estudo morfológico permite identificar as espécies existentes em cada lugar. O jacarandá mimoso do Sul é diferente do jacarandá da Bahia, a planta da família do feijão, quase extinta por causa da madeira de lei usada em móveis antigos e que são caríssimos”.

Vira e mexe, pesquisadores de outras áreas recorrem a este conhecimento acumulado no Departamento de Botânica. “O professor Yong Park, da Engenharia de Alimentos, me procurava sempre para se informar sobre espécies de própolis, que são da família das margaridas”, lembra Semir.

Yong Park, que se notabilizou no meio científico por vir descobrindo importantes propriedades anticancerígenas e anti-HIV nas própolis, atualmente recorre ao professor Jorge Tamashiro, também do Departamento de Botânica.

Inquietação – É esta multidisciplinaridade e a diversidade de conhecimentos que mais interessam a João Semir. Ele admite que hoje dá mais aulas sobre angiospermas – que integram a divisão da botânica onde se incluem as chamadas plantas superiores, com grande variedade de formas vegetais, desde árvores de grande porte até as ervas mais comuns.

“Dois alunos realizaram estudos importantes de biologia floral, fitogeografia e comportamento de polinizadores em algumas espécies de orquídeas”, orgulha-se. Mas, irrequieto, Semir por vezes retoma as aulas com as plantas inferiores, as criptógamas, como fungos, musgos e samambaias, além das algas do seu mestrado.

“A vida do João é a Unicamp, de corpo e alma. Por isso, ele não pode parar”, diz a professora Luíza Kinoshita. “Merece uma placa, aquela plaqueta de patrimônio”, diverte-se o professor Carlos Joly, tomando a liberdade de um compadre, já que uma de suas filhas tem Semir como padrinho.

No final das contas, para João Semir, a condição de aposentado realmente pouco importa: “Quero seguir meu ideal, estando sempre em contato com alunos e pesquisadores do meu departamento e desenvolvendo trabalhos de cooperação em variados campos. Quero seguir resolvendo problemas me são fundamentais e que me intrigam”.

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