“Já houve uma redução importante da poluição veicular na região, por conta de medidas tomadas trinta anos atrás, principalmente a melhoria na tecnologia de motores. O essencial agora é priorizar a tecnologia de combustíveis, pois a introdução de transportes alternativos limpos será um processo demorado”, afirma.
A pesquisa valeu a Gheisa Esteves o doutorado pela Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), sob orientação da professora Sonia Regina da Cal Seixas Barbosa, e integra um conjunto de trabalhos do Laboratório de Hidrogênio da Unicamp focados em transportes e meio ambiente.
Para a tese, a autora levantou dados sobre a concentração de poluentes na Grande São Paulo, colhidos pela Cetesb no período de 1998 a 2006. Foram analisados os níveis de monóxido de carbono (CO), dióxido de enxofre (SO2), dióxido de nitrogênio (NO2), material particulado (MP10) e ozônio (O3).
Os dados de internações por doenças respiratórias foram obtidos no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (Datasus), englobando o mesmo período. “Apurei o número de internações de crianças menores de 1 ano até 4 anos e de adultos acima de 60 anos, que são as faixas etárias mais suscetíveis à poluição do ar”.
A economista levantou também a frota de automóveis, dividindo-a por modelos movidos a gasolina, álcool e bicombustível (flex). Veículos mais pesados não entraram na pesquisa, sendo que o Detran não possui registro dos automóveis movidos a gás.
“Minha tese é baseada no mestrado de Paula Duarte Araújo, que havia estudado a evolução da frota de São Paulo até 2025, considerando a entrada de veículos novos e o tipo de combustível. Utilizei quatro cenários traçados por ela, com método de análise semelhante”, esclarece Gheisa Esteves.
Cenário atual A frota da Grande São Paulo é 7,3 milhões de veículos (2006), sendo 65% a gasolina, 12,3% a álcool e 6,1% do tipo flex. Em 2005, a frota circulante na região foi responsável por 78% da emissão de poluentes.
“Três poluentes apresentaram relação significativa com problemas respiratórios: o dióxido de nitrogênio, o dióxido de enxofre e o ozônio. O ozônio único poluente que não é obtido diretamente das emissões pelo escapamento, mas de processo fotoquímico envolvendo o óxido de nitrogênio e a radiação solar vem aumentando nos últimos anos”, diz a pesquisadora.
Gheisa apurou que as doenças respiratórias causam hoje 13 mil internações por ano (16% do total de internações), sendo 11 mil de crianças, cujo sistema imunológico está menos desenvolvido. “Dessas 13 mil internações, 2.100 decorrem da poluição da frota de automóveis”.
Uma das associações permitidas pelo cruzamento de dados é que, na cidade de São Paulo, os maiores riscos são para crianças com menos de 1 ano, que têm 15% de possibilidade de internação devido à concentração de dióxido de enxofre.
Extrapolando para a Região Metropolitana, nas crianças de 1 a 4 anos, há um risco aproximado de 18% de que sejam internadas com problemas respiratórios provocados pelo ozônio.
A autora da tese calculou em aproximadamente US$ 34 milhões os gastos em saúde pública de 1998 a 2006, só na cidade de São Paulo, atingindo US$ 59 milhões para a Região Metropolitana. “São valores bastante subestimados porque não foi possível averiguar custos como de inalação e de outros tratamentos posteriores à internação”.
Cenários futuros Para os próximos anos, Gheisa Esteves considerou a tendência de que a partir de 2009 todos os veículos novos incorporados à frota da Grande São Paulo sejam do tipo bicombustível. “Em 2006, 80% dos automóveis saídos da fábrica já eram flex”.
No primeiro cenário alternativo traçado pela autora, haveria a introdução de um percentual de veículos limpos (no caso, de células a combustível, que emite apenas vapor de água), com a substituição progressiva dos veículos de combustão interna.
Os índices de introdução são os mesmos propostos para a região metropolitana de Los Angeles (Califórnia), onde os problemas com a poluição do ar são semelhantes. “De 2009 a 2017, os veículos limpos representariam 11% da frota e, a partir de 2018, 16%”.
No entanto, no segundo cenário alternativo, esses percentuais caem bruscamente quando adaptados à realidade econômica da Grande São Paulo, comparando o PIB com o de Los Angeles. “De 2009 a 2017, os veículos limpos seriam apenas 2% da frota, e 3% a partir de 2018”.
No terceiro cenário elaborado por Gheisa, considerado o ideal do ponto de vista ambiental, todos os veículos novos incorporados à frota seriam de célula a combustível. “Ainda assim, em 2025, eles ficariam entre 70% e 73% da frota, que não é substituída inteiramente em nenhum dos cenários”.
Impactos na saúde Não havendo mudanças no perfil da frota e seguindo as projeções de concentração de poluentes, a previsão, para o período de 2006 até 2025, é de 248 mil internações de crianças e idosos por doenças respiratórias causadas pela poluição do ar na Região Metropolitana de São Paulo.
“No cenário alternativo ideal, com a introdução apenas de veículos limpos até 2025, essas internações cairiam de 2.100 para 500 ao ano, evitando um custo de 513 mil dólares anuais”, compara a autora do estudo.
Ela insiste, contudo, que este cenário é tão ideal quanto improvável, pois os efeitos da mudança no perfil da frota tardam muito a acontecer. “No cenário alternativo próximo da realidade da Grande São Paulo, seriam evitadas de 100 a 200 internações por ano”.
Gheisa Esteves reitera que a redução na emissão dos poluentes como de 35% no caso do material particulado deu-se em função da melhoria dos motores, que poluirão ainda menos até 2025. “A preocupação maior deve ser com a qualidade do combustível, já que os veículos que rodam atualmente têm vida útil de 30 anos”.
A pretensão da economista é estudar os problemas causados pela poluição do ar por muito tempo, relacionados também a doenças cardiovasculares, neoplasias e malformação fetal. “Uma idéia para o pós-doutorado é a análise espacial a partir dos pontos de medição da Cetesb espalhados por São Paulo, mostrando como a poluição afeta a população por classes sociais”.
Os efeitos dos poluentes na saúde
Em sua tese de doutorado, Gheisa Esteves conta que o primeiro episódio notificado de mortes e de doenças respiratórias devido a aumentos súbitos da concentração de poluentes atmosféricos ocorreu em 1930, entre as cidades belgas de Huy e Liége, região com muitas indústrias. Um das condições desfavoráveis foi a ausência de ventos, o que dificultou a dispersão dos poluentes.
Londres viveu um episódio trágico, em 1952, com aproximadamente 4.000 mortes por problemas respiratórios num período de três dias. A grande maioria dos casos foi decorrente da inversão térmica, que dificultou, igualmente, a dispersão da poluição emitida pelas indústrias da cidade.
O Laboratório de Poluição Atmosférica, da USP, foi o primeiro criado para estudar os efeitos dos poluentes na saúde humana, na fauna e na flora. Segundo o laboratório, em dias de altos níveis de poluição do ar na cidade de São Paulo, há um aumento de 12% no risco de morte por doenças respiratórias e cardiovasculares.
As crianças, os idosos e os portadores de doenças respiratórias crônicas formam a população mais suscetível aos efeitos da poluição. Sabe-se que os níveis atuais estão bem abaixo dos monitorados décadas atrás, mas continuam causando efeitos deletérios na população. No quadro ao lado, mostramos características e efeitos dos principais poluentes.