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Pesquisadores da Unicamp buscam métodos de
detecção e reparo de falhas em estruturas aeronáuticas

Em meio à crise no setor,
um projeto para tornar as
aeronaves mais seguras

LUIZ SUGIMOTO

Detalhe de asa aeronave com reparo de material compósitoNuma linguagem figurada, podemos dizer que os senhores passageiros estão voando dentro de aviões que trazem colados, do lado de fora, alguns band-aids para reparar fissuras na estrutura metálica. Mas não se trata de outra denúncia contra as companhias aéreas, nem existe qualquer intenção de aumentar a paranóia nesses tempos de crise no setor.

“Hoje sabemos que não existem estruturas aeronáuticas perfeitas e que microtrincas e fissuras ocorrem já no processo de fabricação. É possível conviver com esses pequenos defeitos”, tranqüiliza o professor José Roberto de França Arruda, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.

Fissuras podem surgir já durante a fabricação

Roberto Arruda coordena um projeto do Pronex Temático – financiado com verbas do Ministério da Ciência e Tecnologia geridas pela Fapesp e executado no Departamento de Mecânica Computacional da FEM – que há dois anos vem reunindo uma dezena de professores, pós-graduandos e graduandos em pesquisas para aprimorar a detecção e o reparo de falhas em estruturas aeronáuticas.

Segundo o pesquisador, os defeitos resultam da aplicação cíclica de cargas – como a pressurização e despressurização da cabine – e de outros esforços dinâmicos como a vibração das asas e da própria fuselagem. “Mesmo pequenos choques na estrutura, como de equipamentos para abastecimento e embarque de bagagens, podem nuclear uma trinca”.

Em pé, os professores José Roberto de França Arruda, Paulo Sollero e Renato Pavanello: alumínio aeronáutico submetido a esforços cíclicos  (fotos: Divulgação/Antoninho Perri)O professor Paulo Sollero, coordenador associado do projeto, afirma que os componentes da estrutura primária de uma aeronave têm vida útil estimada entre 10 e 20 anos, dependendo do espectro de carga e número de horas de vôo por ano. Por isso, são constantemente monitorados. “Não é viável descartar uma estrutura deste porte e custo por causa de falhas localizadas. Por isso, se fazem reparos”.

Nesse sentido, o objetivo dos pesquisadores da Unicamp é claro: desenvolver e testar métodos avançados para detecção de falhas, estimativa de vida útil da estrutura devido a essas falhas, reparos eficazes para retardar a propagação das trincas, prognóstico de vida útil depois de realizados os reparos e, ainda, desenvolvimento de sistemas para um monitoramento estrutural contínuo da aeronave.

Métodos usuais – Roberto Arruda informa que os métodos tradicionais de inspeção são basicamente visuais, seguindo o procedimento padrão recomendado pelo fabricante em relação aos pontos críticos na aeronave. “A desvantagem é que esses métodos são muito localizados e exigem que o responsável saiba, a priori, onde procurar a fissura”.

Um dos recursos para localizar a falha é o uso de líquido penetrante, espalhando-se em seguida um pó branco que indica as marcas onde o líquido penetrou. “Existe ainda a inspeção por ultra-som, mas que geralmente é feita somente depois da indicação visual de defeitos”, observa Arruda.

O que se busca hoje, de acordo com o coordenador do projeto, são técnicas mais sofisticadas como a oferecida por sensores e atuadores piezelétricos. Tais dispositivos são colados na estrutura metálica ou embutidos no material compósito da estrutura, ou ainda aplicados externamente, possibilitando o diagnóstico em uma região maior e mesmo em toda a aeronave.

Paulo Sollero explica que são mais críticas as falhas na estrutura primária, montada com o cravamento de rebites. “Esses rebites se repetem ciclicamente ao longo da estrutura da fuselagem, sendo freqüente a ocorrência de defeitos junto a diversos deles, em pontos distintos. Com o tempo, as falhas podem se juntar até o rompimento da estrutura, o que pode ser catastrófico”.

Como exemplo, Sollero cita o acidente com o Boeing 737 da Aloha Airlines (em 1988), que perdeu parte da fuselagem, justamente devido à junção de falhas próximas a rebites na linha das janelas. Os passageiros ficaram totalmente expostos e o acidente resultou na morte de um tripulante e ferimentos em diversos passageiros. As falhas foram originadas pela vida de 19 anos da aeronave e pelo descolamento de componentes estruturais.

Novos métodos – Tradicionalmente, quando as trincas ocorrem na superfície da fuselagem, a reparação é feita com pedaços do mesmo alumínio aeronáutico da estrutura e que são igualmente rebitados. “O próprio rebite do reparo, muitas vezes, é causa de mais problemas. Um novo método que vem sendo introduzido é o reparo por material compósito (como por exemplo, placa de carbono-epoxy), que é colado em cima da região da trinca”, adianta Paulo Sollero.

O material compósito, aliás, acaba de ser utilizado extensivamente na fabricação da estrutura do avião comercial mais moderno do mundo, o Boeing 787, lançado no mercado há poucos dias. “Ele tem 50% do seu peso em materiais compósitos. A indústria aeronáutica demora a confiar em novidades, mas esta técnica também deverá ser aplicada por outros fabricantes, como a Airbus”, prevê o coordenador associado.

De acordo com o professor Roberto Arruda, alguns aviões já estão saindo de fábrica com sensores e atuadores piezelétricos e óticos instalados ao longo da fuselagem. O Boeing 787, porém, viabilizou uma idéia que vem dos anos 1990, ao embutir esses dispositivos dentro da própria estrutura primária. “Isto permite inclusive o monitoramento através do painel de controle da aeronave”.

Se a saúde estrutural dos aviões é motivo de pesquisas no mundo inteiro, o Brasil não vai ficar atrás, na avaliação dos coordenadores do projeto temático. “Temos a Embraer, a Força Aérea, um contingente enorme de operadores de aeronaves e não podemos ficar dependentes de soluções que cheguem prontas. Além disso, estamos formando pessoal especializado para todos esses setores”, pondera Roberto Arruda.

No computador – A simulação computacional é um dos alicerces do projeto. À frente deste trabalho está o professor Renato Pavanello, especialista em métodos numéricos de modelagem recorrendo a técnicas modernas. “Todos os procedimentos aqui mencionados necessitam de um sistema que simule de forma virtual o que ocorre na realidade”.

Pavanello lembra que uma estrutura aeronáutica é complexa e que os métodos numéricos servem, por exemplo, para projetar e otimizar estas estruturas. “Depois vêm os trabalhos simulando o surgimento de uma trinca, a sua propagação e os efeitos dela decorrentes”.
Neste particular, o professor orientou uma dissertação de mestrado apresentada em 30 de julho, em que a autora Liliana Romero recorreu a um modelo numérico para simular o ruído e as vibrações gerados por falhas estruturais na fuselagem. “Esta pesquisa mostra que a acústica também pode ser um meio para detecção de defeitos”, observa Roberto Arruda.

Na bancada – Tudo o que está sendo simulado começa a ser experimentado. Na ausência do professor Eurípedes Nóbrega, responsável pelos experimentos de laboratório, é o coordenador do projeto quem mostra as bancadas em fase final de implantação, onde placas de alumínio aeronáutico serão submetidas a esforços cíclicos e testadas várias técnicas de medição.

Dentre as técnicas desenvolvidas pelas outras equipes e que serão validadas nas bancadas, aquela que está mais próxima da viabilização tecnológica é a de propagação de ondas. “Elas são excitadas por um sinal elétrico com freqüência acima de 20kHz, que nós não conseguimos ouvir”, ilustra Roberto Arruda.

As ondas provocam vibrações que podem ser assimétricas (em que uma placa tende a abrir e fechar na sua espessura) ou de flexão (em que as partes superior e inferior da placa se movem ao mesmo tempo, dobrando-a).

“O tipo de onda depende do tipo de falha que desejamos detectar. Na placa sã, a onda vai se propagar sem reflexões. Na placa com defeito, a onda vai refletir numa trinca e voltar, informando a localização e o tamanho da trinca”, simplifica o coordenador do projeto, sugerindo que o líquido e o pó branco já são métodos do passado.

Técnicas servem para pontes e outras obras de envergadura

O professor José Roberto de França Arruda ressalta que, embora o projeto temático em curso na Unicamp seja voltado à aeronáutica, as técnicas ali desenvolvidas podem servir para a detecção de falhas em outras estruturas, como de pontes. “A queda da ponte no rio Mississipi [no início de agosto] mostra que é preciso aprimorar os métodos de monitoramento”.

Segundo o pesquisador, o prolongamento da vida útil com reformas e monitoramento é a única alternativa para obras da envergadura de uma ponte Rio-Niterói, onde não é possível realizar grandes investimentos com freqüência. “A ponte acabou de receber absorvedores de vibração, pois oscilações de até 50 centímetros já causavam fissuras importantes no vão central”.

As áreas de interesse para muitas das aplicações, insiste Roberto Arruda, se estendem aos oleodutos, gasodutos, instalações industriais e obras de arte na engenharia civil. “À medida que a civilização avança, o número de obras importantes se multiplica, assim como a probabilidade de falhas. Além disso, as obras vão envelhecendo”.

Tema agregador No âmbito acadêmico, o coordenador afirma que o projeto temático está cumprindo o propósito de congregar o maior número de professores do Departamento de Mecânica Computacional, além de contar com a colaboração de pesquisadores de outros departamentos da Faculdade de Engenharia Mecânica.

Considerando todos os professores, pós-doutorandos, pós-graduandos e alunos de graduação nesses dois primeiros anos do projeto, o número médio foi de 30 participantes, que geraram inúmeras pesquisas de doutorado, mestrado, graduação e iniciação científica e publicaram dezenas de artigos. “Também pudemos reformar toda a área de laboratórios computacionais e experimentais do departamento”, conclui Roberto Arruda.

 

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