O orientador da tese de doutorado de Joely Ungaretti Pinheiro foi o professor Fernando Novais, um dos mais importantes historiadores brasileiros. Entre suas obras está Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colônia (1777-1808), livro que resultou do seu trabalho de doutoramento e que se tornou essencial para a compreensão daquele período.
Nascido na cidade paulista de Guararema, em 1933, Novais graduou-se em história pela Universidade de São Paulo (USP), onde também realizou o doutorado e foi professor. Lecionou, ainda, por duas oportunidades, na Universidade do Texas, Estados Unidos. Em 1986, o professor se transferiu para o Instituto de Economia (IE) da Unicamp, onde ministra disciplinas no curso de pós-graduação.
Considerado um intelectual que escreve poucos livros para os padrões usuais, Fernando Novaes justificou assim essa sua característica, numa entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: “Escrevo com dificuldade e, portanto, pouco. Há gente que escreve com facilidade e pode escrever muito. Ou não. Há uma compensação para isso: eu gosto do que escrevo. E não me arrependo. Aliás, tenho certa implicância com pessoas que renegam a obra. Acho que uma obra que alguém faz e que daqui a alguns anos diz não ter nada a ver com aquilo, é porque foi uma irresponsabilidade ter publicado”.
Libertação mal-intencionada
Os índios só viriam a ser considerados livres no Brasil em 1755, após decisão da Coroa Portuguesa, que promulgou lei nesse sentido. A medida, ironicamente, representou uma derrota para a Companhia de Jesus no país, que durante 200 anos lutou pelo fim dessa escravidão. “A verdadeira intenção de um dos idealizadores dessa legislação, o Marquês de Pombal, era retirar dos jesuítas a administração da mão-de-obra indígena”, afirma a economista Joely Ungaretti Pinheiro.
Segundo a autora da tese de doutorado, com o progressivo enfraquecimento do poder exercido pela ordem religiosa, esta acabou sendo expulsa do Império Português em 1759 e extinta em 1773. “A grande contradição, nesse caso, é que a iniciativa de encerrar as atividades da Companhia de Jesus foi tomada por aquele a quem os missionários juraram obedecer, defender e apoiar: o papa, que à época era Clemente XIV”, observa Joely.
Mas o que deu errado no plano dos jesuítas? A autora explica que uma das características mais marcantes da Companhia de Jesus era seu caráter ambíguo. Ao mesmo tempo em que seus integrantes tinham um elevado senso de disciplina, organização e racionalidade, virtudes que lhes conferiam um ar de modernidade, a ordem religiosa também impunha aos padres a obediência irrestrita ao papa, princípio que denunciava o perfil conservador e centralizador de suas atividades.
“Foi esse organismo, que apresentava características tão controversas, que teve de se confrontar com a exploração e a colonização do Novo Mundo, sob a égide do Antigo Sistema Colonial. Essa combinação foi responsável, a um só tempo, pela ascensão e queda da ordem”, explica a economista.
Com a libertação dos índios, ganhou impulso a escravidão negra nas áreas estudadas por Joely Pinheiro. O fluxo de navios negreiros entre a África e o Brasil intensificou-se, em razão da necessidade de mão-de-obra para trabalhar majoritariamente no campo. Aqui, a pesquisadora faz um parêntese. De acordo com ela, não se trata de dizer que o indígena foi substituído pelo negro cativo.
“Na realidade, ambos foram submetidos ao regime de trabalho compulsório de forma simultânea. Ocorre que, inicialmente, a presença do negro em São Paulo, no Maranhão e no Rio de Janeiro, era menor, em razão de ser uma ‘mercadoria’ de alto custo. Ainda assim, alguns colonos mantiveram durante muito tempo índios e negros trabalhando lado a lado em suas propriedades”, esclarece.
A ameaça
velada
“(...) O Ministério
do officio do
supremo Apostolado
a Nos comettido
pelo Senhor, pede
que parecendonos
estar a nosso
cargo a salvação
de todos, não
somente com os
Fiéis, mas
também para com
aquelles que
ainda estão fora
do grêmio da Igreja
nas trevas da
pagam superstição,
mostremos effeitos
de nossa paternal
caridade
e
procuremos quanto
podemos em
o Senhor, tirarlhes
aquellas cousas
que de qualquer
modo lhes podem
servir de obstáculo
quando
são trazidos
ao conhecimento
da Fé e
verdade
christam.”
(Papa Urbano VIII)
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