“Trouxemos nomes expressivos no cenário das artes visuais, como os mestres Marcelo Grassmann, Renina Katz e Maria Bonomi. Também estão presentes Evandro Carlos Jardim e Regina Silveira e a segunda geração por eles formada: Claudio Mubarac, Marco Buti, Madalena Hashimoto, Luise Weiss, Ferez Khoury e Marcio Périgo, entre outros”, enumera a professora Lygia Eluf, ela própria da segunda geração e que participou da criação do CPGravura.
Grande parte das obras expostas algumas criadas especialmente para os 10 anos será doada ao CPGravura, mas não apenas as impressões. Desta vez, os artistas estão oferecendo também matrizes, deixando o embrião do futuro Gabinete de Estampas, que funcionará em local com temperatura e iluminação adequadas ao rico acervo acumulado durante todo esse tempo.
“Queremos repetir experiências como da Itália, onde é possível estudar um artista do século 18 a partir de matrizes guardadas no instituto de calcografia. O artista morre, mas a matriz fica. Podemos imprimi-la, estudar a técnica e multiplicar a imagem. A gravura tem a generosidade como característica: está sempre gerando arte”, observa o professor Marcio Périgo.
A gravura é considerada ancestral de todos os recursos de multiplicação de imagens e, como destacam os organizadores do evento, mesmo num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia digital, ela permanece atual, rica na técnica e importantíssima como forma de conhecimento e expressão.
“Esta produção não deve ser vista apenas como uma resistência explícita ou velada às intervenções artísticas contemporâneas. Mesmo utilizando técnicas e procedimentos do século 15, associados algumas vezes aos meios de reprodução e impressão atuais, as obras da exposição refletem a qualidade gráfica inquestionável da gravura brasileira”, afirma Lygia Eluf.
Experimentações Marcio Périgo lembra que a gravura possui um mercado específico, praticamente limitado aos livros, o que dá ao artista mais liberdade para experimentações. “A falta de comprometimento com o mercado leva o artista gravador a se recolher e estabelecer relações com outros meios de expressão, como a escultura e a pintura, ou a misturar técnicas tradicionais com as de hoje, como o xérox e a impressão a laser”.
Na opinião de Luise Weiss, professora de gravura no Instituto de Artes, a gravura possui recursos expressivos próprios, que não ficam limitados como em outras técnicas. “Na verdade, ela permite uma coexistência de linguagens. A gravura não deixou de ser importante e tampouco vai acabar por causa do computador. Um bom projeto tem a ver com uma boa idéia, que o computador não vai tornar melhor ou pior”.
Luise acrescenta que cabe ao artista conciliar a expressividade do material que tem nas mãos com a boa idéia. “Hoje em dia, não há mais ansiedade por novidades. A história da arte talvez registre alguns momentos de ruptura, com uma técnica que acabou para a entrada de outra. Mas agora tem gente pintando, esculpindo, criando obras virtuais; trabalhando com argila, arame, madeira, laser. O importante é a busca poética”.
Reconhecimento O artista plástico Mario Fiore lembra que a exposição na Galeria de Arte traz nomes que tornaram a gravura brasileira reconhecida internacionalmente, o que persiste até hoje. “As gravuras que estou expondo não foram produzidas em meu ateliê, mas aqui no Centro de Gravura, o que confere um aspecto particular à minha participação”.
Fiore ressalta que a gravura ainda preserva um espaço especial no cenário artístico e, assim como Luise Weiss, considera que a técnica propicia experimentações que ficariam limitadas com outras linguagens. “Na minha prática, sinto que a pintura traz limitações em relação à própria criação. Já a gravura apresenta dinâmica muito mais viva nesse momento, oferecendo mais alternativas para uma produção contemporânea”.
De geração para geração
O artista gravador Danilo Perillo hoje administra o Centro de Pesquisa em Gravura por onde passaram tantos mestres que o influenciaram. Ele integra o grupo de jovens artistas que agora repassam o conhecimento acumulado na arte gráfica para as gerações que chegam.
“A gravura é ensinada no curso de graduação em artes plásticas, mas o CPGravura funciona como um espaço de pesquisa e de produção, onde o aluno desenvolve suas pesquisas poéticas em laboratório, com acompanhamento meu e de professores”, explica.
A professora Luise Weiss observa que, por exigir equipamentos específicos como a prensa e processos técnicos de impressão, a prática da gravura deve ser passada nesse contato de uma geração para outra. “Antes, aprendia-se gravura no ateliê de um artista. Hoje existem poucos lugares para pesquisa com impressão, pois as gráficas que possuíam essas prensas foram fechando as porta”.
Para a professora de gravura, à universidade cabe também esta responsabilidade de assegurar o patrimônio histórico e cultural, transferindo-o para as futuras gerações. “Os jovens, por sua vez, precisam conhecer as gerações passadas. Encontramos aqueles que já não sabem quem é Maria Bonomi. A universidade deve transmitir não apenas a técnica, mas também o conhecimento”.
O CPGravura vem colecionando catálogos, textos e outros documentos de pesquisa que são disponibilizados para consulta aos alunos. “Temos ainda uma revista eletrônica semestral, o Caderno de Gravura, e ainda dentro das comemorações dos dez anos do Centro, a idéia é produzir um livro com uma retrospectiva das atividades, artistas e obras”, informa Danilo Perillo.
Comunidade Além de disponibilizar suas instalações para o desenvolvimento de projetos artísticos de alunos, ex-alunos e artistas, o CPGravura promove várias atividades para a comunidade externa. “Oferecemos cursos livres para grupos comunitários, alunos da rede pública e também para universitários de áreas que tenham alguma relação com a arte gráfica, como design e arquitetura”, explica Danilo.
Um grupo de alunos das artes plásticas mantém ainda o projeto Gravura na Kombi, com um ateliê móvel que percorre escolas da periferia. O grupo também está presente em dois grandes eventos que a Unicamp promove para os alunos do ensino médio, Universidade de Portas Abertas (UPA) e Ciência & Arte nas Férias.
“Realizamos ainda exposições didáticas fora da Universidade, a fim de introduzir pessoas leigas na arte da gravura. Somando todas as atividades do CPGravura, o público já passou bastante da casa das centenas”, estima Danilo Perillo.
Técnicas de gravura
A xilogravura é a forma de gravura mais antiga que se conhece. A matriz de madeira (mogno, pereira, nogueira) é entalhada de forma que a imagem fique em alto relevo. A impressão pode ser manual, friccionando-se uma colher de madeira sobre o papel, e também com prelo ou prensa vertical. A impressão sobre tecido já era conhecida antes do século 14, mas foi com o aparecimento do livro impresso que a xilogravura se desenvolveu no Ocidente, contribuindo para a difusão do conhecimento.
Na gravura de encavo, feita em metal, a imagem é gravada dentro da matriz e a tinta penetra nas ranhuras, transferindo a imagem para o papel. Sua origem está ligada à ourivesaria, obra de entalhe para ornamentação. A evolução dos processos gráficos levou à adoção das matrizes de metal para impressão, devido à alta qualidade das imagens e resistência a grandes tiragens.
A gravura planográfica não recorre a gravações, mas ao isolamento de áreas da matriz, e tem sob a mesma denominação a litografia e a serigrafia. O fundamento do processo litográfico é simples: rejeição da água pela gordura e vice-versa. Diz-se litografia, e não litogravura, justamente porque a pedra matriz não é gravada e, sim, sensibilizada para receber a tinta.