O
consumo crescente de alimentos industrializados levanta uma preocupação a mais para o consumidor: que quantidade de conservantes pode ser considerada segura? No caso dos sucos de frutas e dos vinhos, as indústrias e laboratórios de análise poderão ter a ajuda de uma nova tecnologia desenvolvida no Instituto de Química (IQ) da Unicamp para assegurar que esta quantidade esteja adequada.
Desenvolvido no Departamento de Química Analítica, o novo sistema faz a determinação automática da quantidade de um dos aditivos mais utilizados na conservação de alimentos e bebidas industrializados, o dióxido de enxofre (SO2), presente em batatas fritas, geléias, açúcar e bebidas alcoólicas mistas.
Cor do vinho muda de acordo com nível de SO2
“O SO2 pode ser adicionado ao vinho na forma de sulfito, atuando como conservante e minimizando o efeito da oxidação pelo oxigênio. Entretanto, em quantidades muito grandes pode alterar as propriedades do vinho e causar alergias em pessoas com hipersensibilidade ao dióxido de enxofre”, explica o professor Ivo Milton Raimundo Jr., do IQ.
O professor, responsável pela pesquisa que levou à concepção de um método de análise e a um instrumento portátil para a medição, explica que o trabalho envolveu pesquisadores de diversas áreas.
O estudo começou com a síntese de um complexo de paládio, feita pelo professor Oswaldo Alves, do Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES) do IQ e sua então aluna de doutorado Iara Gimenez. Foi Iara que realizou a síntese do complexo de paládio e sua imobilização em uma matriz sólida, produzindo um nanocompósito que sensível ao SO2.
A pesquisa continuou com outra doutoranda, Karime Bentes, que aplicou o complexo de paládio para determinar a quantidade do dióxido de enxofre em bebidas. “A primeira idéia era desenvolver um sistema para medir a quantidade de SO2 no ar”, afirma a pesquisadora. Foi durante a pesquisa que ela decidiu se voltar para um método visando as bebidas.
Karime testou as propriedades do composto em marcas de vinho tinto e de vinho branco. Ela observou que o complexo de paládio, imobilizado em um filme polimérico, mudava de cor em contato com o dióxido de enxofre. “Quanto maior a quantidade de SO2 no vinho, maior é a alteração da cor do complexo, que pode variar do laranja até o carmim”.
A medição mostrou-se correta, prática e possível de ser usada em diversos tipos de bebidas que contenham este tipo de conservante. “O método é mais simples do que o convencional”, opina Karime. Além da praticidade, o instrumento portátil é inovador, pois os métodos tradicionais de medição de SO2 são manuais e não-automatizados.
“O procedimento convencional é feito por titulação, com um instrumento chamado bureta. Um reagente é adicionado lentamente à amostra até que todo SO2 seja consumido, ponto que é detectado visualmente, pela mudança de cor da solução”, explica Raimundo Jr.
O instrumento do IQ comporta um sistema de fibras ópticas para acompanhar a alteração da cor e a intensidade de radiação refletida pelo complexo de paládio, com método de análise desenvolvido por Karime Bentes. O resultado é registrado diretamente em um visor de cristal líquido.
O professor Ivo Raimundo Jr. observa que é necessário fazer a calibração do equipamento com amostras contendo quantidades conhecidas de SO2. “Ele indica a quantidade presente na amostra a partir dos dados determinados anteriormente”.
O equipamento, em si, foi desenvolvido por Pedro Emiliano Paro Filho, responsável pela parte eletrônica e aluno da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação. Paro Filho afirma que a preocupação era construir um instrumento portátil e prático. “Com o sistema completo, conseguimos completar a análise em poucos minutos”.
O resultado, de acordo com Raimundo Jr., é muito próximo do que se espera de um produto possível de ser comercializado no mercado. “Embora não seja o intuito da universidade produzir um instrumento tão acabado, ele precisa de poucos ajustes para ser comercializado”.
O professor calcula que o custo de produção do sensor gira em torno de R$ 1.000 e que cada membrana de complexo de paládio pode ser usada em 100 amostras ou mais. A Agência de Inovação Inova Unicamp pediu o depósito da patente e procura parceiros para a transferência da tecnologia.
Legislação – Segundo Rogério Cunha, da coordenação geral de Vinhos e Bebidas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o uso de conservantes é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que determina quais são permitidos.
A quantidade autorizada varia de acordo com o tipo de bebida. Sucos de frutas podem ter uma concentração de até 0,02g de SO2 por 100ml de produto final, enquanto nos vinhos a concentração pode ser mais alta, de 0,035g por 100ml.
Cunha informa que uma nova bebida ou alimento chegue ao mercado é necessário que a indústria submeta sua fórmula à aprovação do Ministério da Agricultura, com um laudo técnico atestando sua formulação, incluindo a quantidade de conservante.
Segundo Karime Bentes, embora a concentração de SO2 na maioria das marcas de vinhos tenha ficado muito próxima do limite permitido, nenhuma das amostras fugiu dos padrões estabelecidos pela Anvisa.