| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 369 - 27 de agosto a 2 de setembro de 2007
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A trajetória do professor que acaba de receber prêmio pela
qualidade de sua produção científica de alcance internacional

Geromel, do mergulho no
lago à imersão na pesquisa

CLAYTON LEVY

Geromel em sua sala na FEEC: “A universidade é um mosaico de idéias que formam um conjunto em perfeita harmonia”. (Foto: Antoninho Perri / Acervo pessoal)Dezembro de 1976. O MD-11 da Varig prepara-se para decolar do Aeroporto Internacional de Viracopos com destino à Europa. Entre os cerca de 200 passageiros está o estudante de engenharia elétrica José Cláudio Geromel. Aos 24 anos, ele acaba de concluir o mestrado na Unicamp e está a caminho da França para iniciar o doutorado. Quando as turbinas chegam à potência máxima e o gigante de 200 toneladas sai do chão, começa a levantar vôo a carreira de um dos mais respeitados pesquisadores do país, cujo conjunto da obra lhe renderia, 31 anos depois, o prêmio nacional Scopus Brasil, edição 2007, que homenageia os pesquisadores brasileiros que se destacaram internacionalmente por sua produção científica.

“Dentro daquele avião jamais imaginei que um dia receberia um prêmio como este”, diz Geromel enquanto alisa o cavanhaque que termina em ponta e lhe dá um ar de artista impressionista. Ao receber o prêmio concedido pela Editora Elsevier, com apoio da Capes/MEC, o professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) fez uma viagem no tempo e voltou ao dia em que se viu cruzando o Atlântico. “O futuro estava em aberto e muitas coisas começariam a se definir a partir dali”.

Artigos renderam mais de mil citações mundo afora

Numa sucessão de flash-backs, as cenas vão emergindo. A primeira lembrança traz à tona a imagem dos pais, Hermínio e Yolanda Geromel. Ele, operário numa fábrica de palitos de fósforo em Itatiba, foi quem acendeu no filho a vontade de ir para a universidade. “Era modesto em posses mas não em sonhos”. Descendente de italianos, sonhava em dar uma vida melhor aos três filhos. “É possível que ele sonhasse mais do que eu com um prêmio como esse”. Faz uma pausa e completa: “Se não fosse sua obstinação, certamente hoje eu estaria na linha de produção da fábrica de fósforos”.

Geromel, sua mulher Bruna e uma amiga em Toulouse, FrançaEnquanto o pai sonhava, Geromel brincava. Futebol, pipa, pescaria. Mas o que ele gostava mesmo era de nadar no lago que ficava próximo à fábrica de fósforos. “Minha mãe ficava quase louca de preocupação”. Claro, também ia à escola. Pública, é bom dizer. Mas não se lembra de ter tido um desempenho fora do padrão. “Naquela época, pensava mais em brincar do que em estudar”. Geromel deixa o olhar perder-se no vazio e ajeita os óculos redondos: “Foi uma infância modesta, mas feliz”.

Agora a memória dá um salto e pula para 1974, quando já cursava o quarto ano de graduação na Faculdade de Engenharia Elétrica da Unicamp. “Tínhamos um ambiente profícuo, voltado inteiramente para a pesquisa”. Nessa atmosfera, deparou com a pessoa certa na hora exata. “Tive a sorte de ser orientado pelo professor Yaro Burian Júnior, começando, naquele ano, por um projeto de iniciação científica”. Dali para a pós-graduação e o ingresso na carreira docente seria uma viagem em linha reta, sem escalas.

Em setembro de 1976 Geromel já havia concluído o mestrado e integrava o quadro de professores da FEEC. Foi quando Burian sugeriu: “agora você vai para a França fazer o Doctorat d’État”. Fiel ao mestre, o discípulo não pensou duas vezes. Só teve tempo de casar com a namorada, Bruna, antes de pegar o avião para a Europa. Foi uma despedida emocionada. “Nossas famílias compareceram em peso no aeroporto”.

Recebendo o prêmio Scopus Brasil: reconhecimento De repente, o jovem estudante, que nunca havia deixado o interior de São Paulo, estava casado, dentro de um jato, a caminho de um país estranho, para mergulhar num universo desconhecido. Só voltaria três anos depois, já na condição de pai, com o doutorado debaixo do braço e uma bagagem intelectual de fazer inveja. Se a iniciação científica havia despertado sua veia de pesquisador, agora ele já sabia que nunca mais deixaria o mundo da ciência. “Mergulhei de cabeça e nunca mais saí”.

O destino de Geromel e esposa era o Laboratório de Automação e Análise de Sistemas (LAAS), ligado ao Conselho Nacional de Pesquisa Científica da França, em Toulouse. Ao desembarcar em Paris, porém, o casal seguiu de trem para a cidade de Vichy. Lá, passariam dois meses aperfeiçoando o novo idioma num centro de línguas do governo francês. Era inverno, e a pequena cidade, famosa por ter sediado o governo francês durante a invasão nazista, estava ainda mais bela e aconchegante.

Aconchegante também era o local onde os dois ficaram hospedados: o porão de uma casa de família. Podia não ser muito espaçoso, mas a simpatia e o acolhimento daquelas pessoas foram fundamentais para amenizar a saudade do primeiro final de ano longe de casa. “Foi uma fase muito enriquecedora, conhecemos muitas culturas, pois havia gente do mundo todo fazendo o mesmo curso de línguas”.

Já em Toulouse, Geromel experimentou um choque de tecnologia. A cidade, que até hoje é um importante centro de pesquisa aeronáutica, revelou algo que o pesquisador ainda não tinha visto no Brasil. Havia terminais de computador para todos, um grande ferramental de informática e uma biblioteca fabulosa que permitia acesso imediato a todas as publicações científicas. “Hoje em dia nossos estudantes já não sentem esse impacto quando viajam ao exterior porque a tecnologia e o nível das pesquisas estão globalizados, mas naquela época havia uma diferença gritante”.

Mal havia desembarcado na estação ferroviária de Matabiau, Geromel foi introduzido por seu orientador, J. Bernussou, num grupo de pesquisa sobre Mecânica Não-Linear. Ao falar dessa experiência, o pesquisador assume tom professoral. Numa linguagem científica, relaciona termos que brotam espontaneamente de seu vocabulário, modelado durante décadas pelos livros: equações diferenciais, métodos numéricos, otimização, sistemas dinâmicos. Explica, dá exemplos, desenha, escreve, gesticula.

Quando voltou ao Brasil, em 1979, Geromel já não era o mesmo rapaz do interior que havia deixado o país três anos antes. Em sua bagagem estava toda a experiência acumulada num dos principais laboratórios do mundo, além de uma abrangência cultural impossível de adquirir sem conhecer outros povos. Um dos detalhes que mais chamou a atenção, porém, foi o conteúdo de uma mala de proporções avantajadas, que Geromel carregava com todo cuidado. Ali dentro havia milhares de cartões perfurados relativos aos programas de computador que ele havia desenvolvido durante o doutorado na França. “Hoje em dia tudo aquilo caberia num pequeno pen drive”.

De lá para cá, Geromel não parou mais de produzir. Ao longo dos últimos 30 anos, o pesquisador publicou 78 artigos em revistas indexadas, que se desdobraram em mais de mil citações mundo afora, dois deles com mais de cem citações cada um. Orientou 21 dissertações de mestrado e 9 teses de doutorado. Seus ex-alunos são docentes na Unicamp, USP, UFSC, University of California – San Diego e MIT ou atuam na iniciativa privada. Em 86 voltou para a Europa, desta vez na Itália, onde atuou como professor convidado no Instituto Politécnico de Milão, o que contribuiu para publicar, em 1997, o livro Control Theory and Design.

De 1998 a 2002, ocupou o cargo de pró-reitor de Pós-Graduação da Unicamp; em 1999 foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências; e em 2004 publicou o livro Análise Linear de Sistemas Dinâmicos, destinado a estudantes de graduação e de pós-graduação da área de ciências exatas. “Esses anos todos me mostraram que a universidade é um mosaico de idéias que formam um conjunto em perfeita harmonia”.

Hoje, olhando para trás, as lembranças novamente são atraídas para o pai operário que sonhou com o filho doutor. “Sinto-me feliz, tenho certeza que não realizei apenas o meu sonho, mas também o dele”. Mais que um sonho realizado, a ciência tornou-se uma realidade cotidiana, um estilo de vida, um jeito de olhar o mundo. A não ser quando está ouvindo música, no sossego de sua casa, ou jogando tênis aos finais de semana na terra natal, onde mora até hoje com a família. Em 2004, foi campeão do Open de Tênis de Itatiba, para atletas acima de 45 anos. O pesquisador comemora o feito exibindo o troféu, mas faz logo uma ressalva: “preciso admitir que o número de competidores era pequeno''.

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