Os displays de cristal líquido (LCDs) viabilizaram o televisor com a espessura de um quadro na parede, bem como o monitor leve e fino que vem substituindo o trambolho tipo turbo do computador. São telas que têm outra infinidade de aplicações, como em laptops, celulares, câmeras e relógios digitais, calculadoras e handhelds (computadores de mão). A fabricação dos LCDs, no entanto, exige uma peça estratégica: a placa de vidro de sílica de alta qualidade.
Patente da invenção já foi validada
As pré-fôrmas de sílica fabricadas a partir do método tradicional, geralmente possuem uma geometria cilíndrica. Isto exige procedimentos adicionais cortes, prensagens, tratamento termoquímico, polimento que moldam o vidro para aplicações em equipamentos de designs variados, o que implica mais profissionais especializados, desperdício de tempo, de energia e de material e, conseqüentemente, aumento no custo.
O professor Carlos Kenichi Suzuki, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), juntamente com Eric Fujiwara e Eduardo Ono, desenvolveu um sistema que controla o processo de fabricação de pré-fôrmas de sílica permitindo sua formação em geometrias não-circulares, ou seja: elípticas, triangulares, quadrangulares, retangulares e em outras formas que apresentem certa simetria de eixos.
“A patente da invenção já foi validada e esperamos que ela atraia grande interesse em termos de tecnologia industrial, pois elimina todos os passos seguintes da produção de pré-fôrmas. O mercado é promissor por causa da explosão no uso de displays de cristal líquido, um processo irreversível que vai atingir uma infinidade de dispositivos, por menores que sejam”, afirma o professor.
Carlos Suzuki observa que apenas o advento da televisão digital vem obrigando a substituição de bilhões de telas convencionais em todo o mundo. “O LCD possui uma tela plana, que elimina distorções na imagem e oferece resolução muito melhor. Além disso, economiza energia e não emite raio-X”.
A patente inclui uma pré-fôrma confeccionada em sílica com alto grau de pureza. Segundo Suzuki, no processo de fabricação de LCDs, esses vidros são empregados em fotomáscaras e substratos para fotomáscaras de litografia. Fotomáscaras são materiais aplicados nas telas e em pastilhas de silício para produzir os chips.
Tais aplicações exigem bom acabamento, superfície perfeitamente plana, estabilidade química, homogeneidade e transmissibilidade óptica elevadas, além de ausência de bolhas ou impurezas, garantindo-se que os circuitos sejam impressos de maneira precisa na fotolitografia, uma luz desenha o circuito na placa.
“Trata-se de uma sílica que apresenta resistência à radiação da luz ultravioleta (o laser). Hoje trabalhamos no nível nanométrico. Um fio de cabelo tem 10 mil nanômetros de espessura, quando o padrão de um chip já está abaixo de 50 nanômetros. Esta resolução espacial pede uma luz com comprimento de onda muito pequeno”, explica o professor da FEM.
Integração Vidros de sílica são igualmente utilizados em fotomáscaras e substratos em processos de microlitografia para a fabricação de semicondutores, microchips e em sistemas ópticos para os próprios equipamentos que fabricam circuitos integrados (IC stepper e LCD stepper).
“Há necessidade cada vez maior de aumentar a integração. Em 1946, a IBM montou o primeiro computador da história, pesando 300 toneladas e ocupando um galpão inteiro. Ele tinha 18 mil válvulas e, como sempre queimava uma ou outra, o computador nunca funcionou efetivamente. Hoje, um microchip como o Itanium 2, da Intel, tem 410 milhões de componentes”, compara Carlos Suzuki.
As pré-fôrmas de sílica servem também aos CCDs (dispositivos de carga acoplados), sensores para captura de imagens usados na fotografia digital, imagens de satélites, equipamentos médico-hospitalares como os endoscópios e na astronomia (em fotometria, óptica e espectroscopia). E estão ainda em dispositivos fotônicos, como as fibras ópticas.
“Nosso sistema seria útil para fabricar, por exemplo, uma fibra especial chamada PMF, que é elíptica e compõe o giroscópio óptico da navegação espacial. Uma aplicação avançada se dá em giroscópios de humanóides, que andam sobre pernas e sobem escadas. Esses dispositivos ópticos detectam inclinações de centésimos de grau, fazendo a correção e evitando que os robôs caiam”, ilustra o pesquisador.
A invenção Suzuki e seus alunos realizaram uma pesquisa em bancos de dados de patentes nacionais e internacionais, não encontrando nada relacionado com pré-fôrmas de sílica em formatos diferentes do cilíndrico. No entanto, ao mercado convém que telas de televisores e de monitores sejam produzidas já no formato retangular, enquanto que vidros de geometria triangular ou hexagonal são interessantes para a confecção de prismas, lentes e fibras ópticas especiais.
“Isso nos animou a pedir a patente, mesmo porque os Estados Unidos, o Japão e países europeus investem pesado nesse material”, diz o professor. Ele explica que o equipamento é o mesmo utilizado para a fabricação de fibras ópticas especiais como o sensor que detecta fraudes em combustíveis e que mereceu reportagem do Jornal da Unicamp em fins de março deste ano [edição 353].
O equipamento promove a deposição das nanopartículas de sílica em um corpo preso no alto da câmara, até a formação do vidro. “A novidade é o dispositivo que regula a velocidade de rotação da pré-fôrma. A velocidade uniforme gera um formato circular. Mas, se diminuímos a velocidade ou estancamos momentaneamente a rotação, uma região da pré-fôrma recebe maior quantidade de nanopartículas, ganhando forma diferenciada”.
De acordo com Carlos Suzuki, um software gerencia a variação da velocidade e a aceleração, posicionamento e sentido da rotação. “Podemos chegar a formas como de um polígono ou de um ‘D’, ou até a algo mais estrambólico, como o contorno de um amendoim. Parece simples, mas a elaboração do software, a adaptação do hardware e as simulações foi um trabalho de anos”.
As desvantagens das técnicas convencionais
Os pesquisadores da Unicamp encontraram na literatura diversos documentos de patente para a produção de vidros de sílica de alta qualidade, a fim de atender às novas necessidades de mercado, mas sempre a partir de pré-fôrmas circulares.
A fabricação de fotomáscaras para litografia, por exemplo, pede etapas subseqüentes como cortes e polimentos. Para a produção de substratos de fotomáscaras, é descrito um tratamento termoquímico que torna o material maleável o suficiente para permitir o corte e a modelagem.
Outro processo visando um substrato de fotomáscara com alta uniformidade na distribuição de tansmitância utiliza vidros de quartzo sintético, onde a pré-fôrma circular é transformada em uma placa plana através de prensagem termomecânica, seguida de cortes e polimentos.
“São processos adicionais que demandam infra-estrutura, tempo, energia e mão-de-obra especializada, elevando bastante o custo de produção”, observar o professor Carlos Suzuki.
Nas metodologias convencionais, existe ainda a dificuldade de se obter grandes precisões geométricas em etapas como a de corte, em que se utiliza ferramentas e máquinas para extrair o material das laterais da pré-fôrma. Além do risco de danificar a parte central que recebe a luz ultravioleta, as aparas raramente são reutilizáveis.
Já as deformações termomecânicas são provocadas em fornos de alta temperatura, em torno dos 1.500ºC. O controle da pressão mecânica deve ser preciso e o posterior resfriamento do vidro obrigatório, a fim de evitar o surgimento de trincas. As condições extremas de temperatura também podem modificar as propriedades físicas do material.
Carlos Suzuki informa que o sistema de controle desenvolvido na FEM, além de viabilizar a fabricação de pré-fôrmas de sílica em diversos formatos, consegue combinar e preservar características como alta transparência óptica (principalmente na região da luz ultravioleta), resistência a alta temperatura, baixo coeficiente de dilatação térmica e alta homogeneidade do material.
Outra vantagem do sistema é a de eliminar a necessidade de manipulação direta da pré-fôrma, o que garante maior precisão na simetria e evita imperfeições nas superfícies laterais.