Pesquisadores do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp desenvolveram uma técnica inovadora para cirurgia de pacientes com schwannoma do nervo vestibular, um tumor localizado na base do crânio. A técnica consiste em operar o paciente na posição mastóide, ou seja, com a cabeça voltada para a lateral. Este tipo de cirurgia é realizada, na maioria dos países, com o enfermo semi-sentado e com monitoração constante por meio de aparelhagem.
Técnica reduz custos da cirurgia
“Os resultados da cirurgia são iguais ou até melhores do que o observado na literatura internacional, acerca das técnicas convencionais, possibilitando elevadas taxas de remoção do tumor, com cura do paciente. A posição mastóide também diminuiu o índice de complicações fatais, como embolia gasosa ou entrada de ar na circulação sangüínea”, destaca o neurocirurgião Arquimedes Cavalcante Cardoso.
Cardoso defendeu tese de doutorado na FCM, sob orientação dos professores Guilherme Borges e Ricardo Ramina. Em sua pesquisa, ele apresenta um estudo descritivo e retrospectivo, envolvendo 240 pacientes portadores da patologia que perfaz 8% dos tumores cerebrais e que fizeram a cirurgia na posição mastóide. Segundo o neurocirurgião, trata-se de uma das maiores casuísticas já abordadas em literatura científica nacional. “Existem séries de cirurgias realizadas para os mais diversos fins relatados em artigos científicos brasileiros, mas com número de pacientes bem menores”, explica.
As vantagens da nova técnica são inúmeras. A principal delas consiste na economia com os custos de equipamentos de ponta, constituindo assim uma opção para ser implantada em países em desenvolvimento. O tempo da intervenção também diminui sensivelmente, sendo que a posição possibilita maior conforto tanto para o paciente quanto para o cirurgião. Na técnica tradicional, em que o paciente está semi-sentado, o médico permanece o tempo todo com os braços elevados, necessitando de cadeira apropriada com apoio para os braços, o que deixa o médico extenuado. Em idosos, o desconforto também é grande.
O diagnóstico do schwannoma do nervo vestibular, em geral, é feito por grupo multidisciplinar, a partir de exames feitos principalmente por neurologistas e otorrinolaringologistas. Acomete homens e mulheres indiscriminadamente em faixa etária entre 40 e 50 anos. Entre os principais sintomas, o paciente queixa-se de uma espécie de zumbido e de perda auditiva, que pode ocorrer em ambos os ouvidos ou em apenas um deles.
Não é só este aspecto que conta na tomada de decisão cirúrgica. Esse tipo de tumor, na maioria dos casos, quando diagnosticado, já está em fase avançada e com volume avantajado, cuja única terapêutica indicada é a intervenção cirúrgica para a retirada. “As complicações decorrentes da patologia constituem um outro fator agravante. É natural que o paciente tenha uma alta perda auditiva e uma disfunção do nervo facial, um defeito estético que pode ser constrangedor para o doente”, explica Cardoso.
No estudo, o neurocirurgião constatou que, nas intervenções em que o volume do tumor era menor do que três centímetros, a preservação da função do nervo facial foi em 100% dos casos. Em 20 casos, cujos pacientes apresentavam uma audição útil, oito conservaram o mesmo grau de audição. “Isto significa uma técnica de sucesso, pois a complicação mais comum é a perda da audição”, esclarece o neurocirurgião.
Antes da implantação da técnica pela equipe de Neurocirurgia, este tipo de procedimento era realizado para salvar a vida o paciente. “Não havia alternativas e o procedimento era recomendado, independente das complicações que pudessem ocorrer na mesa cirúrgica”, explica. Atualmente, além de ser considerada uma patologia com baixo índice de mortalidade, também é possível evitar as complicações decorrentes de uma cirurgia na base do crânio.
De Campinas para o Piauí
Guilherme Borges também destaca a importância da divulgação do trabalho para outras regiões, pois Arquimedes Cardoso é professor na Universidade Federal do Piauí e há cinco anos desenvolve pesquisa de pós-graduação na Unicamp. A idéia, segundo ele, é levar o conhecimento adquirido para implantar os serviços especializados de neurocirurgia em sua região, que abrange aproximadamente cinco milhões de pessoas.
Teresina é considerada uma cidade de referência estadual, recebendo pacientes de outros estados como Maranhão, Pará e Tocantins. “Levar esse conhecimento para aquela região é um avanço sem precedentes”, comemora Cardoso.
A técnica desenvolvida pela equipe da FCM também rendeu um artigo científico que está em vias de ser publicado na revista Arquivos de Neuropsiquiatria, publicação de alto impacto com circulação internacional.
Especialista de ponta
A equipe de Neurocirurgia dedica-se há 15 anos às pesquisas que tomem como base maior conhecimento para tratamento de tumores cerebrais. Segundo o neurocirurgião Guilherme Borges, a alternativa para o procedimento surgiu a partir das dificuldades e condições precárias, no país, de se realizar intervenções de tamanha complexidade. “Os equipamentos necessários para monitoração são extremamente caros e, por isso, é preciso criar alternativas que garantam segurança ao paciente”, argumenta Borges.
O desafio para os médicos foi então alcançar os mesmos índices de eficácia em tratamentos e cirurgias observados nos países de primeiro mundo, mas sem os mesmos recursos. Neste sentido, eles começaram as pesquisas que resultaram nas 240 cirurgias em pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Os neurocirurgiões Ricardo Ramina e Yvens Fernandes vieram para a Unicamp depois de trabalharem na Alemanha com três cirurgiões reconhecidos mundialmente no tratamento de tumores da base do crânio e pioneiros nos procedimentos cirúrgicos Kurt Schürmann, Madjid Samii e Wolgang Draf. Os especialistas foram os fundadores da Sociedade Internacional de Base do Crânio, em Mainz, Alemanha.