O jogador de futebol Cafu, capitão da seleção brasileira campeã do mundo em 2002, é freqüentemente visto como um exemplo a ser seguido por todos aqueles que pretendem abraçar a carreira. Cafu teria participado de nove "peneiras" processo de seleção por meio do qual garotos de diversas idades tentam uma vaga nas categorias de base do futebol até ser aceito no São Paulo, clube que o projetou. "Este exemplo passa uma falsa idéia para o garoto que sonha em ser jogador", argumenta o educador físico Sérgio Settani Giglio.
"Peneiras" alimentam
aspirações de garotos
As "peneiras", afirma Giglio, têm uma função social importante, pois para muitos se constituem na única forma de alcançar um espaço nos clubes. Por outro lado, pondera o pesquisador, existem vários fatores a serem colocados na balança. "A carreira não é tão fácil quanto parece. As "peneiras" são uma porta estreita para os garotos que tentam ingressar em um clube de futebol. Muitos são expelidos do processo. São milhares de pessoas que ficam pelo caminho", destaca.
Orientado pelo professor Sergio Stucchi, Giglio desenvolveu trabalho de mestrado, junto à Faculdade de Educação Física, para tentar entender melhor o universo do futebol. A partir de análises de depoimentos de nove futebolistas e de dois ex-jogadores, o educador físico tece comentários sobre o que representa ser um jogador de futebol, e a influência dos ídolos e heróis no âmbito do esporte.
Nenhum dos entrevistados chegou à profissionalização por meio das “peneiras” e, em todos os casos, foi ressaltada a importância de se ter um contato dentro dos clubes. “O início de cada um deles foi marcado por muitas incertezas e atropelos”, revela Giglio.
Além do processo demorado, a aceitação do profissional em um determinado clube não significa, necessariamente, a garantia de emprego. “O jogador pode ser excluído do processo a qualquer momento. Uma questão que se coloca é o que fazer depois dessa fase”, indaga. Em um dos depoimentos, o entrevistado afirma ter permanecido em plena atividade num clube, dos 11 aos 17 anos de idade, e, quando estava prestes a se tornar jogador profissional, foi dispensado porque sua postura física não se enquadrava nos padrões exigidos pela agremiação.
Giglio cita ainda um estudo realizado pelo acadêmico Arlei Damo. Segundo o especialista, a quantidade de horas treinadas por um jogador de futebol ao longo de sua carreira corresponde ao tempo necessário para se concluir dois cursos no ensino superior. “Trata-se de uma atividade bastante intensa”.
O pesquisador lembra que os jogadores com bons salários são uma minoria no Brasil. Assim como o número de profissionais com registro na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também representa um universo pequeno frente ao número de crianças que sonham com a carreira. Atualmente, estão inscritos na CBF dez mil jogadores profissionais.
A pesquisa lançou mão de elementos da Antropologia para fazer uma distinção entre o ídolo e o herói. Estas figuras, segundo o educador, são exploradas de várias formas pela mídia. Na concepção do pesquisador, a diferença entre os dois concentra-se, justamente, no início de sua construção. “Enquanto o ídolo necessita de fatores cotidianos e demanda um tempo de formação para ser construído, o herói nasce em uma situação bem demarcada tempo mítico , em que um feito específico pode deflagrar a imagem”.
Para Giglio, o ídolo precisa ter uma boa imagem vinculada ao clube e à torcida. “Este vínculo leva um tempo para ser consolidado”, explica. Já o herói, segundo o educador físico, pode aparecer por salvar uma bola no limite do tempo ou fazer o gol do título, em uma situação bem delimitada numa final de campeonato, por exemplo.
O educador observa que, neste processo de influência, o ídolo será apenas um dos fatores dentre outros que podem levar ao sonho da carreira futebolística. “Não é só o desejo de ser igual, mas a família, a possibilidade de ascensão social e outras questões também permeiam este universo”, destaca Giglio.