Trabalho inédito realizado com pacientes idosos atendidos no ambulatório de oftalmologia do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp procurou determinar as causas de baixa visão na população acima de 60 anos e medir o grau de satisfação do serviço médico oferecido. Outro ponto importante analisado pela pesquisa conduzida pela professora Keila Miriam Monteiro de Carvalho, chefe do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, foi avaliar se houve melhora da qualidade de vida desses idosos após a prescrição de auxílios ópticos e da reabilitação visual. O levantamento fundamentou a pesquisa de livre-docência de Keila.
De acordo com dados levantados no estudo, as principais causas de baixa visão em idosos são a degeneração da mácula, ou ponto central da visão, e a toxoplasmose, ainda comum em muitas regiões do Brasil. A catarata, o glaucoma, a retinopatia de prematuridade, o diabetes e algumas doenças neurológicas também estão relacionadas à baixa visão, porém com menor índice de incidência, pois são muitas vezes tratáveis quando diagnosticadas a tempo.
Os tipos mais comuns de degenerações maculares relacionadas à idade são a seca e a úmida. A seca é caracterizada pela perda lenta e progressiva da visão com o aparecimento de escotomas, que são áreas em que a pessoa não enxerga bem, no centro da visão. A úmida é caracterizada por hemorragia nos vasos sanguíneos do olho e deformidade da imagem.
“Nós consideramos baixa visão o estágio final do paciente, pois ele já tratou, já operou, já usa colírio, já fez todos os tratamentos possíveis e a visão não chega ao normal”, comentou a pesquisadora.
O paciente idoso com baixa visão é aquele para quem os óculos convencionais ou as lentes de contato não corrigem totalmente a visão, necessitando de auxílios ópticos para ampliar e aproximar os objetos do seu campo de visão, como lupas, telescópios e óculos com graus especiais. Em muitos casos, o idoso também precisa de reabilitação para conseguir enxergar melhor.
Uma das queixas relatadas pelos idosos com baixa visão era a dificuldade de ler. A pesquisa constatou que a leitura era uma atividade importante para a independência do paciente. Ler uma bula de remédio, um rótulo ou o preço de um produto era muito importante para eles. No caso das mulheres, poder costurar, fazer tricô ou bordar eram atividades consideradas essenciais na rotina do dia-a-dia. A pesquisa descobriu um dado importante: muitos dos pacientes entrevistados não sabiam ler. E os que liam, o faziam pouco. “Minha pergunta era: quanto a prescrição de auxílios ópticos estaria trazendo de benefício a esses idosos e o que mais precisaríamos oferecer para que isso tivesse um efeito real nas suas vidas diárias? Nesse sentido, utilizei um questionário de qualidade de vida relacionado à baixa visão”, explicou Keila.
Para poder obter as respostas a essas dúvidas, Keila selecionou 80 idosos e, por um ano, acompanhou todo o trajeto desses pacientes, desde a sua entrada no HC para a consulta na oftalmologia, a cirurgia, no caso de catarata ou glaucoma, até o atendimento no setor de visão subnormal, onde foram prescritos óculos especiais de graus elevados. As perguntas abordavam todos os níveis de vida do paciente: como ele se sentiu usando óculos, com que freqüência usava e se foi válido ou não o uso daquele tipo de recurso óptico prescrito para a vida dele.
Prescrição - Quando olhamos na direção de algum objeto, a imagem atravessa a córnea e chega à íris, que regula a quantidade de luz recebida por meio da pupila. Quanto maior a pupila, mais luz entra no olho. Passada a pupila, a imagem chega ao cristalino, e é focada sobre a retina. A lente do olho produz uma imagem invertida, e o cérebro a converte para a posição correta. Na retina, mais de cem milhões de células fotorreceptoras transformam as ondas luminosas em impulsos eletroquímicos, que são decodificados pelo cérebro. A mácula é o ponto central da retina. É a região que distingue detalhes no meio do campo visual.
A ampliação ou magnificação é a técnica mais simples para a aproximação de objetos. Um exemplo comum é o idoso que senta próximo da televisão para enxergar melhor. Para longe, é prescrito o uso de telescópios. Eles podem ser mono ou binoculares, manuais ou montados em armações de óculos. O mais simples são os Galileus, com 2,5 ou 2,8 vezes de aumento ou os Keplerianos, mais elaborados. O telescópio mais moderno é o VES autofoco que, automaticamente, mede a distância focal e proporciona imagem nítida de imediato. Sua maior vantagem é eliminar a necessidade de focalização.
Entretanto, os telescópios, de modo geral, são de difícil adaptação. Os pacientes precisam aprender a localizar a imagem, focar e fazer o seguimento. São procedimentos que requerem motivação, treino e desenvolvimento de habilidades de coordenação motora e cognitiva.
“Os telescópios são mais recomendados em sala de aula para adolescentes ou crianças com baixa visão”, disse Keila.
Para perto, a ampliação é conseguida por meio do uso de lentes bem fortes, com 10, 20 30 e até 40 graus montadas em óculos, lupas de mão ou lupas de foco fixo. Os óculos, úteis para leituras prolongadas, ainda têm a vantagem de deixar as mãos livres, oferecer maior campo de visão e serem mais aceitos socialmente. As lupas de mão são usadas para tarefas curtas. Elas podem ser usadas em conjunto com os óculos convencionais, o que facilita muito. As lupas também são recomendadas para idosos com problemas de coordenação ou tremores.
“A lupa, no entanto, exige superfícies lisas para correr. Não é possível, por exemplo, usá-la para ler o rótulo de uma lata redonda”, explicou a médica, que recomenda aos idosos usarem seus óculos de perto e deixar a lupa apenas para a tarefa de ampliação.
Site e reabilitação visual Embora os pacientes idosos deixem de ler com o tempo, a leitura foi considerada importante por 58% dos entrevistados. Nesses casos, um treinamento adicional é oferecido ao idoso atendido no setor de visão subnormal do ambulatório de oftalmologia do HC da Unicamp. Primeiramente, ele toma consciência da localização da mancha central no olho. Em seguida, verificam-se quais letras são mais confundidas pelo paciente, que passa a olhá-las na parte superior para reconhecê-las. Os exercícios de leitura são feitos, então, com textos ampliados que o paciente lê sem lupa. Aos poucos, a equipe de reabilitação visual diminui o tamanho dos textos até se chegar à dimensão almejada. O próximo passo é ensinar ao idoso usar o canto ou o lado do olho para ler com o auxílio óptico prescrito.
“Durante 70 anos, o olho enxergou com um movimento e, agora, o idoso precisa mudar o posicionamento da visão para enxergar de perto. Nós ensinamos o paciente a usar a retina inferior e olhar a parte superior da letra. Isso dá um melhor aproveitamento visual”, explicou Keila, que conta com o apoio dos profissionais do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Gabriel Porto” (Cepre) para auxiliar na reabilitação visual.
Essa é outra linha de pesquisa desenvolvida em parceria com a Universidade de Tibenger, na Alemanha. O idoso com degeneração da mácula, ao olhar uma palavra ou um texto, não pode focar no centro. Ele precisa desviar os olhos para enxergar. “Nós estamos desenvolvendo alguns aparelhos especificamente para estudos clínico-experimentais dessa fixação preferencial da retina inferior”, comentou Keila.
Para os pacientes que moram longe e não têm possibilidade de retorno, a família é orientada a fazer os exercícios em casa. Entretanto, um outro problema foi verificado pela equipe que atende e acompanha os pacientes idosos com baixa visão: muitos vinham desacompanhados, com vizinhos ou sozinhos. Para passar as orientações corretamente, Keila criou o site www.auxiliosopticos.fcm.unicamp.br.
Embora feito inicialmente para enviar orientações aos professores de escolas com crianças com deficiência visual que necessitavam ajustar o telescópio de acordo com o posicionamento do aluno em sala de aula, o site passou também a oferecer orientações para os idosos. “Provavelmente, quem vai acessar é o neto. Com uma senha e os dados do avô, ele vai ver qual a distância correta para posicionar o objeto dos óculos. Assim, o idoso conseguirá ler”, comentou Keila.
No site, há informações para melhorar a acuidade visual, como, por exemplo, aumentar a iluminação ou contraste dos objetos. Uma dica para intensificar o contraste é colocar papel celofane amarelo sobre os objetos. O uso de espelhos de aumento também é recomendado. Outro recurso disponível no site é a lupa digital, um programa gratuito que amplia a imagem. Desenvolvido inicialmente por um americano e um norueguês, o software livre foi adaptado pelo aluno de engenharia elétrica com ênfase em computação da Politécnica da USP Felipe Monteiro de Carvalho, que “enxugou” e deixou a programa mais leve, compatível com qualquer sistema operacional.
“O programa cabe num disquete. Uma vez instalado no computador, com o mouse, a pessoa seleciona o que deixa ampliar. Ele é bem simples e auxilia a todos os portadores de baixa visão”, explicou Keila.
Apesar do texto de apresentação estar em inglês, o programa gera uma versão em português, após instalado. De acordo com a pesquisadora, o site será reformulado em breve. Uma nova versão estará à disposição dos pacientes com novos recursos.
Recomendações e resultados De acordo com Keila, estudos recentes têm demonstrado o efeito cumulativo da luz ultravioleta nas doenças degenerativas da visão. A partir do início do envelhecimento, a oftalmologista recomenda o uso de suplementação dietética com vitaminas A, C, E, zinco, cobre e selênio e o uso de óculos de sol que tenham filtro ultravioleta.
Para surpresa da pesquisadora, 73% dos pacientes acompanhados durante um ano pelo setor de baixa visão do ambulatório de oftalmologia do HC responderam que valeu a pena a prescrição do auxílio óptico, mesmo sabendo que não há mais nenhum tratamento clínico ou cirúrgico que melhore a visão.
“Um dado que também me surpreendeu positivamente foi que muitos sentiram uma renovação da esperança com a prescrição dos óculos e com o atendimento da equipe de reabilitação visual”, comentou a oftalmologista.
Com a pesquisa, Keila analisou, indiretamente, a satisfação do cliente e a qualidade do serviço de visão subnormal. Como a própria pesquisadora afirmou, do ponto de vista médico, a equipe passou o melhor do conhecimento da ciência atual. Mas e do ponto de vista do paciente?
“Acredito que o serviço e o atendimento supriram as necessidades práticas dos pacientes. Nossa meta foi cumprida. Mesmo assim, o que faltou? O que mais eu precisaria fazer por eles?”
A resposta talvez esteja num artigo assinado pela própria pesquisadora e publicado na revista Universo Visual em 2002, bem antes de sua pesquisa de livre-docência. No texto, Keila afirma que “o papel do oftalmologista especialista em reabilitação visual é aumentar a habilidade do paciente, usando estratégias variadas e objetivando promover a independência, o bem-estar e mais qualidade de vida”.