Apesar do discurso desenvolvimentista entoado pelos diversos governos, civis e militares, nos últimos 50 anos, o Brasil nunca conseguiu estabelecer uma política de Estado capaz de conectar o sistema de ciência ao setor produtivo. Nem mesmo a tentativa de instituir uma política de C&T, a partir da década de 1950, com a criação do CNPq e Capes, foi suficiente para romper a condição de país dependente nesse setor. O máximo que se conseguiu foi uma situação de desequilíbrio, caracterizada por elevada produção científica sem impacto efetivo no desenvolvimento econômico e social.
Por isso, quando o governo federal anunciou, em novembro de 2007, o Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional, pouca gente se animou a acreditar numa virada. Conectado ao Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC da Ciência, como foi apelidado, prevê um investimento total de R$ 41,2 bilhões até 2010, distribuído em quatro prioridades: expansão e consolidação do sistema nacional de CT&I; promoção da inovação tecnológica nas empresas; pesquisa, desenvolvimento e inovação em áreas estratégicas; e CT&I para o desenvolvimento social.
Há cerca de dois meses, numa reunião com o presidente Luis Inácio Lula da Silva, o ministro da C&T, Sergio Rezende, relacionou alguns números sobre o desempenho do Plano. No que diz respeito à expansão e consolidação do sistema, ele destacou o aporte de R$ 1,75 bilhão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para diversas ações. Para a promoção da inovação nas empresas, foram destinados R$ 675 milhões. Já a prioridade que trata de pesquisa e inovação em áreas estratégicas recebeu R$ 37 milhões, enquanto as ações para desenvolvimento social ficaram com R$ 124 milhões.
Na entrevista que segue, concedida em julho ao Jornal da Unicamp, durante a 60ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Rezende faz um balanço do PAC da Ciência e explica por que, desta vez, o Brasil está próximo de consolidar uma política de C&T capaz de conectar o sistema científico ao setor produtivo, rompendo o ciclo de dependência e entrando na fase do desenvolvimento.
Jornal da Unicamp Oito meses depois do lançamento do PAC da Ciência, que balanço o senhor faz sobre o programa?
Sergio Rezende O balanço é positivo. Algumas das metas mais importantes estão sendo alcançadas. No que diz respeito à consolidação do sistema nacional de ciência e tecnologia, uma das atividades propostas era melhorar a organização e consolidar o sistema de fomento à pesquisa. Nesses últimos meses isso foi formatado. Reforçamos o edital universal do CNPq para apoio a projetos de grupos; lançamos um edital no valor de R$ 36 milhões para apoiar jovens pesquisadores; reforçamos o Pronex; e lançamos o Programa de Institutos Nacionais. Quando o Plano foi lançado, em novembro do ano passado, não estava claro o que seria feito com o Instituto do Milênio. Mas durante esse ano, depois de muitas discussões, chegamos a esse formato. E estamos, também, trabalhando em conjunto com as principais fundações estaduais de apóio à pesquisa, o que também vai na direção de consolidar o sistema nacional.
JU E com relação à inovação tecnológica nas empresas. Houve avanços?
Sergio Rezende Sim. Lançamos várias ações, inclusive apoio financeiro não reembolsável a empresas incubadas. Com isso, pretendemos oferecer a elas condições de equilíbrio durante o desenvolvimento de seus produtos. O Programa de Subvenção Econômica está indo bem. O novo edital, este ano, teve uma grande demanda, o que mostra que há no setor empresarial uma disposição cada vez maior de investir na inovação.
JU Durante esses oito meses, foi possível detectar que ajustes serão necessários? Ou seja: quais os principais gargalos?
Sergio Rezende A prioridade três, que trata da Pesquisa e Desenvolvimento em Áreas Estratégicas, é a mais difícil porque há treze áreas estratégicas e várias delas são conduzidas por outros ministérios. Só nos últimos meses conseguimos montar um sistema de articulação para sabermos com mais detalhes o que está se passando nos outros ministérios. Como essas treze áreas são muito heterogêneas, ainda não é possível fazer um balanço.
JU Essa é a prioridade em que o Plano andou de maneira mais lenta?
Sergio Rezende Eu diria que é.
JU O que está faltando para imprimir um ritmo melhor?
Sergio Rezende Em áreas que envolvem vários ministérios e dependem de pesquisa, o resultado realmente é mais lento. Fica mais complicado articular, mas estamos fazendo um grande esforço. Esperamos que até o final do ano esse assunto esteja encaminhado.
JU Em quais das áreas estratégicas esse quadro é mais visível?
Sergio Rezende Uma das áreas mais complexas é a nuclear. A Casa Civil montou um comitê de desenvolvimento para o programa nuclear brasileiro, coordenado pela ministra Dilma Roussef, no qual o MCT tem uma participação muito grande. Mas foi preciso uma ação de governo convocando todos os ministérios para discutir o programa e fazer o plano de médio e longo prazos, que ainda está em elaboração. O programa espacial brasileiro também enfrenta dificuldades. Temos o programa de desenvolvimento de satélites, que vai indo bem, mas a questão da plataforma de lançamento em Alcântara envolve o Ministério da Defesa. Já tivemos várias reuniões para melhorar a articulação entre a Agência Nacional Brasileira, que é civil, com a Aeronáutica. Esses são apenas dois exemplos que demonstram a necessidade de ações de diversos ministérios.
JU A articulação entre os vários ministérios foi a única dificuldade detectada até agora, ou há outros ajustes a serem feitos no Plano como um todo?
Sergio Rezende Essa é a principal, mas também estamos preocupados com a formação de recursos humanos para as áreas consideradas estratégicas. O plano consistia em continuar distribuindo bolsas de mestrado e doutorado através de cotas, como fazem o CNPq e a Capes, mas também elaborar um edital para conceder bolsas adicionais em engenharia de computação, engenharia espacial, engenharia nuclear e áreas experimentais. O CNPq fez um edital para isso e a demanda por enquanto não foi tão grande quanto a esperada.
JU Há alguma explicação para isso?
Sergio Rezende O aumento do número de estudantes interessados não é uma ação que dependa apenas do governo. Nos últimos vinte anos o interesse pelas engenharias caiu no Brasil devido à falta de emprego no setor. Não se consegue, de uma hora para outra, voltar a despertar o interesse dos jovens por certas carreiras. Trata-se de um processo gradual, na medida em que os estudantes perceberem que há futuro nesse campo.
JU Desde o regime militar, sucessivos governos já anunciaram pacotes voltados para C&T, mas até agora nenhum deles conseguiu conectar o setor de pesquisa ao setor produtivo. Qual o diferencial do PAC da Ciência capaz de assegurar que desta vez haverá uma virada?
Sergio Rezende Temos novos instrumentos de financiamento e o principal deles é a subvenção. Esta subvenção está sendo empregada de forma distinta. Por exemplo, para as empresas novas em incubadoras. Quando uma empresa surge a partir de uma inovação e é bem-sucedida, a inovação será parte permanente do seu processo produtivo. Mas o fato mais importante é que o próprio sistema empresarial está percebendo que é preciso fazer inovação, caso contrário não conseguirá se sustentar. A Vale do Rio Doce, por exemplo, que nunca havia investido em pesquisa, agora está montando um centro de pesquisa e desenvolvimento em São José dos Campos. Então, é possível observar movimentos de grandes, médias e pequenas empresas. De um lado, temos o governo procurando aproximar a política de C&T da política industrial e, de outro, vemos as empresas reconhecendo a importância de trabalhar com pesquisa e inovação. Vivemos um bom momento, porque está havendo a conjunção de fatores importantes.
JU A esse respeito, o senhor tem dito que o Brasil vive um momento de transição. Que fatores podem evidenciar esse quadro?
Sergio Rezende Basta olhar para algumas empresas nacionais de porte médio que atuam na área avançada. A Asga, por exemplo, que atua em Campinas na área de comunicações óticas, exporta seus produtos e fatura hoje cerca de R$ 200 milhões por ano. Isso mostra que é possível ser altamente competitivo em nichos de mercado. Há também empresas maiores altamente inovadoras. Na área da petroquímica, a Oxiteno quase não tem despesas com compra de tecnologia. O seu laboratório de pesquisas em São Paulo conta com mais de cem pesquisadores. Há, ainda, outros exemplos, em diversas áreas, mostrando que é possível desenvolver uma empresa sem que fique dependente da tecnologia desenvolvida por outros.
JU Apesar da Lei de Inovação e da Lei do Bem, os secretários estaduais de C&T, pesquisadores e empresários dizem enfrentar problemas no fomento à inovação devido à burocracia jurídica. Como equacionar esse gargalo?
Sergio Rezende A legislação foi feita baseada na experiência acumulada. E a experiência acumulada no Brasil em termos de inovação tecnológica não é muito grande. O país nunca teve incentivos públicos que realmente fizessem grande diferença na atuação do setor empresarial. A Lei de Inovação tem um resultado muito importante, que foi a criação da subvenção econômica. Agora, a meta da lei em facilitar a interação entre empresas e setor de pesquisa não tem dado muito resultado. A Lei do Bem, que é um filhote da Lei de Inovação, criou incentivos fiscais para as empresas fazerem pesquisa e desenvolvimento. Só que ela impõe certas condições no que diz respeito à exportação. O que tem acontecido não é exatamente burocracia, mas as empresas não estão sentindo que esses incentivos são suficientes.
JU O governo pensa em rever estas questões?
Sergio Rezende Tudo isso está sendo revisto. Estamos identificando quais os setores que precisam de ajustes. No lançamento da política de desenvolvimento produtivo, há dois meses, apresentou-se uma nova medida provisória para incentivar o setor de software. Mas software voltado para exportação, o que requer uma demanda do setor empresarial. E as informações são de que o setor está bastante satisfeito. É um incentivo no sentido de desonerar a folha de pagamento das empresas de software. Então, a falta de experiência no Brasil, em juntar as políticas de C&T e industrial faz com que o país elabore uma lei, para depois verificar se a lei dá resultados. Poderíamos citar exemplos internacionais, mas não podemos esquecer de que o Brasil tem características muito próprias. Não se trata apenas de ver, por exemplo, o que a Coréia fez para fazermos igual. Temos a nossa própria realidade.