| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 404 - 11 a 17 de agosto de 2008
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Estudos desenvolvidos por pesquisadores da Unicamp e da Embrapa projetam
que mudanças
climáticas causarão grandes prejuízos ao setor agrícola brasileiro

Tempo ruim para a agricultura

MANUEL ALVES FILHO

O rio Tapajós, um dos principais afluentes do Amazonas, sofre as conseqüências da seca que atingiu a região amazônica no final de 2005:  mudanças climáticas podem gerar perdas de até R$ 14 bilhões (Foto: Renato Stockler/ Folha Imagem)As mudanças climáticas em curso no planeta deverão impactar profundamente o setor agrícola brasileiro, a ponto de alterar a geografia da produção nacional. A projeção é de uma pesquisa inédita desenvolvida por pesquisadores da Unicamp em parceria com a Embrapa Informática Agropecuária, encomendada e financiada pela Embaixada Britânica no Brasil. O estudo, que dividiu o território do país em porções de 50 quilômetros quadrados, estabeleceu dois cenários diferentes para o comportamento de nove culturas (algodão, arroz, café arábica, cana-de-açúcar, feijão, girassol, mandioca, milho e soja), tendo em vista o avanço do aquecimento global nos anos de 2020, 2050 e 2070. No mais pessimista deles, a soja sofreria perda de área da ordem de 40% em 2070. Já o café registraria redução de 33% no mesmo período, e deixaria os estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, para migrar em direção a Santa Catarina e Rio Grande do Sul, onde as condições se tornariam mais favoráveis. As perdas financeiras, no panorama mais dramático, chegariam a R$ 14 bilhões ao ano em relação à safra de grãos. Conforme o trabalho, apenas a cana-de-açúcar e a mandioca seriam beneficiadas com o gradual aumento de temperatura.

Batizado de Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira, o trabalho elaborado pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa constitui uma espécie de versão local do Relatório Stern, documento também encomendado pelo governo britânico e tornado público em outubro de 2006. Na época, uma equipe comandada por Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial, concluiu que o Produto Interno Bruto (BIP) mundial sofreria uma redução de 3% (algo como US$ 1,3 trilhão) ao ano caso a temperatura do planeta se eleve em 3 graus Celsius. No caso brasileiro, conforme o recente estudo, as perdas não seriam obviamente tão gigantescas, mas já seriam suficientes para produzir importantes impactos econômicos e sociais.

De acordo com um dos coordenadores do relatório brasileiro, professor Hilton Silveira Pinto, diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), órgão da Unicamp, se nada for feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e adaptar as culturas às futuras condições climáticas do país, o Brasil pode amargar perdas de R$ 7,4 bilhões na safra de grãos em 2020. Em 2070, esse valor tenderia a alcançar R$ 14 bilhões. “Não se trata de fazer terrorismo, mas sim de estabelecer cenários factíveis baseados em metodologias comprovadamente eficazes. A intenção do trabalho é proporcionar aos tomadores de decisão, tanto na esfera pública quanto privada, um instrumento que possa orientar ações e políticas públicas que pretendam enfrentar seriamente o problema”, explica.

O foco do estudo, que consumiu dez meses de trabalho e R$ 530 mil em investimentos, foi definir a atual e a futura situação da agropecuária brasileira, no que se refere à geografia de produção. Para isso, os pesquisadores se valeram de uma tecnologia denominada Zoneamento de Riscos Climáticos, desenvolvido em 1995 pelos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, em cooperação com o Cepagri, a Embrapa Informática Agropecuária e outras instituições de pesquisa. Atualmente, o zoneamento norteia as políticas de financiamento e de seguro agrícola no país. Dito de maneira simplificada, os especialistas criaram um mapa que indica qual a probabilidade de sucesso do plantio de uma determinada cultura num dado local, tendo em vista o comportamento do clima. “Com base nessa experiência, nós simulamos o que pode acontecer com a agricultura brasileira em face do processo de aquecimento global”, esclarece o professor Hilton.

A tarefa, porém, não foi tão trivial quanto pode parecer à primeira vista. Na prática, os pesquisadores tiveram que refinar os dados já existentes, de maneira a obter mais detalhes sobre o possível comportamento das nove culturas tomadas para análise, em face do projetado aumento de temperatura. As informações anteriores, destaca o diretor-associado do Cepagri, foram formuladas com base nas projeções realizadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Ocorre, porém, que o IPCC considera o aquecimento global como um fenômeno que afetaria o mundo de forma homogênea, o que é pouco provável. Ademais, o organismo considera uma grade mundial uniforme de 110 quilômetros quadrados para formular suas previsões.

No modelo proposto pelo novo estudo, o Brasil foi dividido em áreas menores, de apenas 50 quilômetros quadrados. Além disso, foi considerada a variação térmica regional, tendo como base trabalhos desenvolvidos pelo Hadley Centre, na Grã Bretanha, e pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cpetec), órgão vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Com isso, nós conseguimos pormenorizar os dados e refinar ainda mais as simulações”, afirma o professor Hilton. As projeções que emergem do trabalho, registre-se, são no mínimo preocupantes. “Elas revelam que a nossa agricultura estará vulnerável nos cenários que delineamos”, adverte o outro coordenador da pesquisa, Eduardo Delgado Assad, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária.

Como dito anteriormente, o estudo estabeleceu dois cenários possíveis. O primeiro deles, denominado A2, é o mais pessimista. Nesse caso, o aumento de temperatura seria da ordem de 2 a 5,4 graus Celsius. O segundo, menos dramático, batizado de B2, trabalha com uma variação de 1,4 a 3,8 graus Celsius no mesmo período. A partir desses parâmetros, o relatório estima que o algodão, por exemplo, sofreria um impacto negativo de R$ 312 milhões em 2020, R$ 401 milhões em 2050 e 444,8 milhões em 2070, tendo como referência a situação B2. No cenário A2, as perdas seriam, respectivamente, de R$ 313 milhões, R$ 407 milhões e R$ 456 milhões. A redução da área apta para plantio da cultura seria de 11% em 2020 e de 16% em 2070 em ambos os cenários.

A soja, cultura mais vulnerável à possível variação térmica, é a que mais deve sofrer impactos negativos com a elevação da temperatura, conforme o estudo promovido pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa. As simulações demonstram que as regiões ao Sul do país e as localizadas nos cerrados nordestinos serão fortemente prejudicadas. No cenário A2, a perda de área cultivável pode chegar a 40% em 2070. “Isso em decorrência da redução da disponibilidade hídrica e do possível impacto dos veranicos mais intensos”, esclarece o professor Hilton. Em termos financeiros, o prejuízo alcançaria a cifra de R$ 7,6 bilhões, praticamente metade das perdas que a agricultura brasileira registraria naquele ano.

Quanto ao café arábica, as simulações presentes na pesquisa confirmam estudos anteriores promovidos pelos próprios pesquisadores da Unicamp e Embrapa Informática. No cenário mais pessimista, a cultura perderia algo como 33% de sua área em 2070, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná, o que representaria um prejuízo financeiro de cerca de R$ 3 bilhões. O dado atenuante é que haveria uma tendência de incremento da produção em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Entretanto, essa migração não é tão fácil de ser feita. Um fator complicador deve ser a mão-de-obra. Num lugar onde tradicionalmente nunca se plantou café, é bem provável que não haja pessoal preparado para lidar com esse tipo de cultura”, assinala Eduardo Assad.

Cana

Mas nem todas as nove culturas tomadas para estudo pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa, que no conjunto representam 86% do BIP agrícola brasileiro, seriam afetadas negativamente pelo processo de aquecimento global. A cana-de-açúcar seria beneficiada, segundo a pesquisa. No caso dessa planta haveria até mesmo um significativo incremento tanto da área plantada quanto dos recursos advindos da sua exploração. Localidades do Sul do país, que hoje apresentam restrições ao cultivo da cana, podem se transformar em regiões com razoável potencial produtivo. A expectativa apontada pelo trabalho é que a cultura, que atualmente ocupa 6 milhões de hectares, passe a tomar 17 milhões de hectares em 2020, considerando-se o cenário B2. Com essa expansão, os recursos gerados pelo setor subiriam de R$ 17 bilhões para R$ 29 bilhões no período.

Todavia, caso a temperatura continue subindo, a tendência é que esse desempenho seja prejudicado, visto que a cultura se tornaria mais dependente de irrigação. Nesse caso, ainda levando em consideração o cenário B2, a área cultivada cairia em 2070 para 15 milhões de hectares e o faturamento, para R$ 24 bilhões. No caso do cenário A2, o mais dramático em termos de variação climática, a cana atingiria, em 2020, 16 milhões de hectares de área cultivada, regredindo para 13 milhões cinco décadas depois. Em termos financeiros, o valor de produção bateria em R$ 27 bilhões no primeiro momento e 20 bilhões, no segundo. “Embora a cana-de-açúcar possa vir a apresentar ganhos financeiros nos cenários descritos, essa possibilidade também representa um risco. É sabido que a pior coisa que pode acontecer a um país é ele basear a sua agricultura em cima de um único produto”, alerta o professor Hilton.

Continua nas páginas 6 e 7

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