O primeiro, e talvez o menos difícil, está relacionado às medidas mitigadoras. Na opinião do pesquisador, as ações nessa linha são amplamente conhecidas e as tecnologias já estão disponíveis. Além disso, a maior parte das iniciativas depende muito mais de uma assinatura do que de políticas públicas intrincadas. “Incentivar o plantio direto, impulsionar o reflorestamento da Amazônia ou reduzir as queimadas são decisões que dependem basicamente de uma canetada, para ser um tanto simplista. Isso não é tão complicado, mas ainda precisa ser feito. Difícil será trabalhar para adaptar nossas culturas às novas condições climáticas que estão se apresentando. Estamos falando de um novo mundo”, destaca.
Em outros termos, o Brasil precisará investir fortemente em biotecnologia para desenvolver plantas mais resistentes ao que os especialistas chamam de estresse climático. “É um jogo para gente grande, mas o país já é grande nessa área. Nós temos pessoal qualificado, conhecimento e laboratórios. Entretanto, faltam recursos. Apenas para dar uma idéia do montante necessário para fazer frente a esses problemas, alguns cientistas estimam que o desenvolvimento de uma nova variedade de soja exigiria aporte de aproximadamente R$ 100 milhões. Até aqui, os órgãos governamentais e as agências de fomento têm falado na liberação de algumas dezenas de milhões de reais para o financiamento de pesquisas relacionadas ao aquecimento global. Além de ser pouco dinheiro, os programas ainda não saíram do plano das intenções”, lamenta Eduardo Assad.
Outro problema associado aos obstáculos que o Brasil precisará enfrentar reside no tempo disponível para a adoção das soluções. Para desenvolver uma variedade de café mais resistente ao aumento de temperatura seriam necessários de sete a dez anos de pesquisas. Depois disso, ainda seria preciso um tempo razoável para substituir as espécies antigas pela nova. “Ainda usando o esporte como referência, eu diria que este jogo já está se encaminhado para o final do primeiro tempo. Ou seja, se não começarmos a jogar agora, dificilmente vamos conseguir vencer a partida”, acrescenta o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária. O outro coordenador do estudo, professor Hilton Silveira Pinto, diretor-associado do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), órgão da Unicamp, assinala que as condições que deverão ser impostas pela variação climática acarretarão também uma mudança de paradigma em um segmento específico da ciência.
Simplificando, os pesquisadores envolvidos em estudos de melhoramento genético não poderão mais se preocupar em desenvolver plantas que sejam apenas altamente produtivas. Antes disso, elas terão que ser resistentes ao estresse climático. “De modo geral, as plantas ‘trabalham’ bem até 32 ou 33 graus. Acima disso, elas podem até crescer e gerar folhas, mas dificilmente geram frutos. Em Foz do Iguaçu, cidade de clima úmido e quente, nós temos um claro exemplo disso. Lá, os pés de café atingem até quatro metros de altura, mas não produzem um fruto sequer”, compara o professor Hilton. Eduardo Assad completa o raciocínio dizendo que o desafio que se impõe ao Brasil exigirá, sim, o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados, para fazer frente à demanda por alimentos e energia leia-se biocombustíveis. “Estamos falando da adoção de transgênicos de segunda geração, com ou sem críticas”, afirma.
Embora se classifique como um “simpatizante” da agroecologia, o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária diz que esse modelo dificilmente dará conta de responder às futuras necessidades do país. “Se a temperatura subir nas proporções previstas, pouco adiantará que a planta tenha sido cultivada com base nos princípios da agroecologia. Ela certamente vai morrer, a despeito da filosofia que esteja por trás dela”, diz. Eduardo Assad lembra, ainda, que as conseqüências que podem ser causadas pelo possível agravamento das mudanças climáticas não se restringirão à perda de áreas cultiváveis ou à redução do faturamento do agronegócio natural. Elas também deverão gerar implicações sociais importantes.
No caso do Nordeste, por exemplo, a tendência é que a região deixe de ser semi-árida para se tornar árida. Com isso, grande parte dos municípios passaria a não estar apta a produzir o que quer que seja. Como resultado, é possível que ocorra uma forte desvalorização das terras, o que pode ocasionar a migração em massa da população local para outros locais, interessada na busca por empregos e melhores condições de vida. Mesmo no Sul e Sudeste, informam os autores do estudo, a perspectiva também é de que ocorra o agravamento dos problemas sociais. A eventual substituição de uma cultura por outra pode acarretar desemprego, seja pelo uso mais intenso da mecanização, seja pelo despreparo dos trabalhadores rurais para o manejo de uma cultura até então desconhecida. Em termos mais simples, quem sabe lidar com cafezal normalmente tem sérias dificuldades para cuidar do seringal.
E as adversidades não terminam aí, como lembra Eduardo Assad. Fora da esfera da agricultura, o Brasil também deverá enfrentar problemas por conta dos efeitos do aquecimento global. Os grandes centros urbanos, que concentram a maior parte da população brasileira, terão igualmente que se adaptar às novas situações. “É provável que o país necessite de uma enorme infra-estrutura para fazer frente a problemas como a possível elevação das marés. Isso também tem que começar a ser pensado”, alerta. Tanto ele quanto o professor Hilton fazem questão de reafirmar, porém, que o estudo não deve ser encarado como o prenúncio do apocalipse. Ambos insistem que o país dispõe de competência para propor soluções para as dificuldades descritas anteriormente.
Mais do que isso, asseguram em uníssono, o Brasil tem capacidade para transformar uma situação que se apresenta como extremamente preocupante em uma oportunidade única para a construção de conhecimentos aplicáveis especialmente à agricultura. “Temos sido procurados por outros países, que demonstram interesse no nosso modelo de Zoneamento de Riscos Climáticos. Somos o único país no mundo, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados de território, a dispor desse tipo de tecnologia. Se trabalharmos direito, penso que podemos nos transformar num fornecedor de soluções para as outras nações, principalmente as que estão localizadas dentro da zona tropical”, antevê Eduardo Assad. “De fato, nós queremos e temos condições de ensinar. Entretanto, se não começarmos a agir agora, de forma coordenada e conseqüente, pode ser que no futuro nós tenhamos que aprender com alguém”, acrescenta o professor Hilton.
Antes de concluírem o atual estudo, os pesquisadores do Cepagri e da Embrapa Informática Agropecuária já dispunham de pistas sobre o que pode vir a acontecer com algumas culturas agrícolas brasileiras caso a temperatura do planeta continue avançando nos patamares apontados pelo IPCC. Em 2005, o Jornal da Unicamp publicou reportagem na qual detalhava uma pesquisa concluída pelas duas instituições referente ao café, arroz, feijão, milho e soja. Na oportunidade, os cientistas já antecipavam que as áreas de cultivo desses produtos seriam drasticamente reduzidas na hipótese de a variação ficar na casa de 5,8 graus Celsius. Nesse quadro, o café arábica simplesmente desapareceria dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
Algumas das projeções
Algodão
Partindo da produção de 2,9 milhões de toneladas em 2006, com um valor de R$ 2,8 bilhões, segundo o IBGE, espera-se um impacto negativo de R$ 312 milhões em 2020, de R$ 401 milhões em 2050, chegando a R$ 444,8 milhões em 2070, no cenário B2. No cenário A2, os números não variam muito: R$ 313 milhões, R$ 407 milhões e R$ 456 milhões, respectivamente. O prejuízo será um reflexo da redução de área apta ao plantio, que começa com queda de 11% em 2020 e fica por volta de 16% em 2070 (nos dois cenários).
Arroz
O estudo prevê para 2020 uma redução da área de baixo risco ao plantio que vai de 8,56% no cenário B2 a 9,7% no A2. Essa perda vai para 12,5% em 2050 e para cerca de 14% em 2070 nos dois cenários avaliados. Tomando como base a produção de 11,5 milhões de toneladas, com um valor de R$ 4,3 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE, o aquecimento do clima trará um prejuízo em 2020 de R$ 368 milhões (B2) a R$ 417 milhões (A2). Em 2050 as perdas deverão estar em torno de R$ 530 milhões e, em 2070, de pouco mais de R$ 600 milhões, nos dois cenários.
Café
As projeções para o café arábica confirmaram as simulações feitas anteriormente pela Unicamp e pela Embrapa com os dados do IPCC-2001. A cultura poderá ser atingida ou por deficiência hídrica ou por excesso térmico nas regiões tradicionais. Os Estados de São Paulo e Minas Gerais deverão perder condições de plantio em boa parte da área hoje cultivada. Por outro lado, poderá haver um incremento de produção em regiões do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, apesar de este acréscimo não ser capaz de compensar as perdas gerais da cultura.
Em um primeiro momento (2020), a queda de área apta pode não parecer tão brusca no cenário B2: 6,75%. Mas em 2050 o total de terrenos propícios ao café pode diminuir 18,3%, chegando a 27,39% em 2070. Tomando como base a produção de 2,5 milhões de toneladas, com um valor de produção de R$ 9,3 bilhões, segundo dados de 2006 do IBGE, o aquecimento global deve trazer prejuízos de pelo menos R$ 600 milhões em 2020, R$ 1,7 bilhão em 2050 e R$ 2,55 bilhões em 2070 (B2). No cenário mais pessimista, A2, a queda de área de baixo risco começa com 9,48% em 2020, subindo para 17,1% em 2050 e chegando a 33% em 2070. Isso deve representar um prejuízo de, respectivamente: R$ 882 milhões, R$ 1,6 bilhão e R$ 3 bilhões.
Cana
É a cultura que mais pode ser favorecida com o aquecimento global. Áreas do Sul do Brasil, hoje com restrições ao cultivo da cana, podem se transformar em regiões de potencial produtivo dentro de 10 a 20 anos. Locais do Centro-Oeste, que hoje apresentam um alto potencial produtivo, devem permanecer como áreas de baixo risco, porém serão cada vez mais dependentes de irrigação complementar no período mais seco. A expectativa é que a cultura, que hoje conta com uma área potencial de cerca de 6 milhões de hectares, possa vir a se espalhar por quase 17 milhões de hectares em 2020 no cenário B2.
Com essa expansão, o valor da produção, que em 2006 era de quase R$ 17 bilhões, poderá subir para R$ 29 bilhões em 2020 no B2. Com o passar das décadas, e o aumento contínuo da temperatura, a cultura já não ficará mais tão confortável e precisará mais de irrigação. A área total deve então cair para 15 milhões de hectares até 2070, ainda no cenário B2, o que deve diminuir o rendimento para R$ 24 bilhões. Já no A2, a cana atinge num primeiro momento uma área de 16 milhões de hectares, decrescendo para 13 milhões até 2070. Neste cenário, o valor da produção pode subir para R$ 27 bilhões em 2020, regredindo para R$ 20 bilhões em 2070.
Feijão
Tomando como base a produção de 3,45 milhões de toneladas, com um valor de R$ 3,5 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE, o aquecimento do clima trará um prejuízo em 2020 de cerca de R$ 155 milhões, em decorrência de uma redução de 4,3% de área apta. Em 2050 a área favorável ao plantio da cultura deve diminuir cerca de 10%, provocando um prejuízo de R$ 360 milhões. Em 2070 a perda pode chegar a R$ 473 milhões, com a redução da área de baixo risco de até 13,3%. Os números valem para os dois cenários.
Girassol
Este estudo não chegou a calcular o impacto econômico que será sofrido pela cultura diante do aquecimento global porque hoje seu valor de produção ainda é pequeno no balanço agrícola geral. Com as mudanças climáticas, a oferta de área apta sofrerá uma redução de 14% em 2020, número que passa para cerca de 16,5% em 2050, chegando a 18% em 2070, nos dois cenários.
Mandioca
A cultura terá um acréscimo geral da área de plantio com baixo risco no país. Esse ganho de produção ocorrerá principalmente na região Sul, devido à diminuição de locais sujeitos a geadas. A Amazônia também poderá ser beneficiada pelo crescimento da área de plantio, mas em decorrência da diminuição dos excedentes hídricos. Esse cenário de crescimento geral mascara, no entanto, as graves perdas que a cultura deve sofrer no Nordeste. O aumento de temperatura deve levar a uma forte expansão das áreas de alto risco de produção de mandioca na região do Semi-Árido e no Agreste nordestino, justamente onde a raiz é mais significativa para a segurança alimentar.
De acordo com as simulações, em um primeiro momento (2020) o aumento da temperatura não será vantajoso para a cultura, em todo o país, já que nessa ocasião o Semi-Árido nordestino deixará de ser um local de baixo risco para a cultura e outras regiões ainda não estarão quentes o suficiente para ela. Em 2020 as perdas de área devem variar de 2,5% a 3,1%, respectivamente nos cenários B2 e A2, com um prejuízo de R$ 109 milhões no primeiro caso e R$ 137 milhões no segundo, tomando como base a produção de 26 milhões de toneladas, com um valor de R$ 4,3 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE.
Nas décadas seguintes a situação melhora para a raiz, que encontrará áreas mais favoráveis no Sul do país, por conta da redução do risco de geada, e na Amazônia, pela diminuição do excedente hídrico. O aumento da área apta começa com 7,29% em 2050, chegando a 16,61% em 2070, no cenário B2. Nesta situação, os ganhos devem ser de R$ 318,8 milhões e R$ 726 milhões, respectivamente. No cenário A2, o avanço de área favorável é ainda maior: 13,48% em 2050 e 21,26% em 2070, com ganhos de R$ 589 milhões a R$ 929 milhões.
Milho
A cultura chega a 2020 com uma área favorável 12% menor nos dois cenários, número que sobe para 15% em 2050 e 17% em 2070. Tomando como base a produção de 42,6 milhões de toneladas, que teve como valor R$ 9,9 bilhões, segundo números de 2006 do IBGE, o aquecimento global deve provocar uma queda em torno de R$ 1,2 bilhão no valor da produção em 2020. O prejuízo pode passar a cerca de R$ 1,5 bilhão em 2050, chegando a R$ 1,7 bilhão em 2070.
Soja
Esta é a cultura que mais deve sofrer com a elevação de temperatura. As simulações mostram que as regiões ao sul do país e as localizadas nos cerrados nordestinos serão fortemente atingidas. No pior cenário, as perdas podem chegar a 40% em 2070, em decorrência do aumento da deficiência hídrica e do possível impacto dos veranicos mais intensos. O grão, que atualmente apresenta o maior valor de produção da agricultura brasileira R$ 18,4 bilhões (segundo dados de 2006) e é o principal produto agrícola exportado pelo país, pode apresentar já em 2020 uma perda de R$ 3,9 bilhões a R$ 4,3 bilhões (cenários B2 e A2, respectivamente), promovida por uma redução de área de baixo risco ao cultivo que vai de 21,62% a 23,59%.
Em 2050, o prejuízo pode subir para algo entre R$ 5,47 bilhões (B2) e R$ 6,3 bilhões (A2), como reflexo de uma área apta entre 29,6% e 34,1% menor que a atual. Para 2070, no melhor cenário o prejuízo será de R$ 6,4 bilhões (34,86% de área favorável), chegando a R$ 7,6 bilhões (41,39%) no pior cenário. Isso equivale à metade das perdas que a agricultura brasileira deve ter nesta ocasião.
Relatório de 2006 causou impacto e suscitou debates
Antes de a Embaixada Britânica no Brasil se dispor a financiar o estudo desenvolvido pelos pesquisadores da Unicamp e Embrapa Informática Agropecuária, o governo daquele país já havia bancando, em 2006, uma pesquisa relacionada aos impactos que podem ser provocados pelo aquecimento global em âmbito mundial. A tarefa foi entregue a Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial. O relatório, posteriormente batizado com o sobrenome do seu coordenador, somou cerca de 600 páginas e concluiu que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial, que é a soma de todas as riquezas produzidas no planeta, sofreria uma perda de 3% caso a temperatura média da Terra suba três graus Celsius.
O documento causou um enorme impacto na opinião pública e suscitou intensos debates no âmbito da comunidade científica e entre autoridades governamentais. O Relatório Stern também apontou que ficaria muito mais barato controlar as emissões de gases de efeitos estufa, tidos como a principal causa do aquecimento global, do que arcar com os prejuízos que o fenômeno pode acarretar. Pelos cálculos da equipe comandada por Nicholas Stern, as ações mitigadoras exigiriam investimentos da ordem de 1% do PIB mundial. Ainda segundo o relatório, caso as mudanças climáticas não sejam enfrentadas seriamente, as principais vítimas dos seus efeitos serão os habitantes dos países mais pobres.
Fonte: Resumo Executivo Aquecimento Global e Cenários Futuros da Agricultura Brasileira
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