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CADERNO
TEMÁTICO
Suplemento do Jornal Da Unicamp 157
Comandante afirma
que ouvidor é 'estrábico'
Para
coronel, a acusação de que os mortos pela
PM são civis é uma chacota com a corporação
O coronel Elzio Lourenço Nagalli
responde pelo maior comando de policiamento do interior
de São Paulo, uma área que engloba 92 municípios,
incluindo Campinas. Estão sob suas ordens 5,7 mil
policiais. Com a firmeza que o cargo lhe permite, o
comandante regional da Polícia Militar defende com
veemência a corporação, nega que ela seja violenta e
rebate os números sobre homicídios praticados por
policiais, apresentados nas páginas 1 e 2 deste
suplemento pelo ouvidor da Polícia do Estado, sociólogo
Benedito Domingos Mariano. "Não concordo com nada
que esse ouvidor coloca", afirma, chamando-o de
"incompetente e estrábico".
Nagalli esteve na Unicamp
no último dia 24, participando do Seminário de
Educação Institucional, evento que reuniu 300 oficiais
sob o seu comando no Centro de Convenções. Ao abrir o
encontro, o coronel defendeu a necessidade de debater e
pensar uma polícia mais eficiente, capaz e competente.
Afirmou que é preciso "quebrar o sistema arcaico e
não-inteligente" que distancia a polícia de
centros de saberes como a Unicamp. "Precisamos que a
universidade entre em nossas vidas. Temos o que aprender
e também o que ensinar a ela". Para o comandante, a
violência é fruto da miséria e a educação seria um
dos caminhos para garantir segurança à sociedade.
A seguir, os principais
trechos da entrevista concedida por Nagalli ao Jornal
da Unicamp:
Jornal da Unicamp
Que tipo de parceria o comando da Polícia Militar
regional pretende estabelecer com a Unicamp?
Elzio Nagalli A
primeira vez em que a Polícia Militar entrou
efetivamente na Universidade foi no ano passado, quando
um grupo de 20 oficiais passou por um curso de bioética.
Agora realizamos este Seminário de Educação
Institucional, com apoio da Pró-Reitoria de Extensão e
Assuntos Comunitários. Queremos fazer disso um hábito.
A Unicamp é um centro de excelência educacional neste
país, onde estão pessoas de inteligência e capacidade
muito grande para nos auxiliar nos problemas. Devemos ter
humildade para permitir que a Unicamp também adentre os
quartéis. Queremos que professores doutores venham dar
aulas no curso de soldados da Polícia Militar, passando
uma informação mais técnica, mais balizada e
aprimorando o nosso profissional que sairá às ruas
daqui a um ano.
P Já existem
projetos neste sentido?
R Sim. A professora Maria Cristina Von Zuben
(docente da Faculdade de Ciências Médicas e atualmente
desenvolvendo trabalhos junto à Preac) deverá coordenar
a área de direitos humanos deste curso de soldados para
que possamos dar uma nova visão a esses policiais, não
só na área de recursos humanos, mas na área de ética.
É a visão de uma doutora em ética. Foi ela quem
ministrou o curso para o grupo de oficiais no ano
passado, de forma que já temos uma parceria em
andamento.
P Em conferência
recente na Unicamp, o ouvidor da Polícia do Estado de
São Paulo, o sociólogo Benedito Mariano, fez duras
críticas à atuação das corporações, PM e Polícia
Civil. Ele disse que o sistema é ineficiente, incapaz de
agir preventivamente e no combate ao crime, e que nos
últimos 10 anos matou quase sete mil civis. Como o
senhor vê tais acusações?
R Não concordo com nada que esse ouvidor coloca.
Acho engraçado que uma pessoa que deveria ser
esclarecida, ter visão mais ampliada por ser sociólogo,
não conheça nada sobre o que diz. Ele deveria ter
noção que esses "civis" não são tão civis
assim. São pessoas extremamente perigosas, organizadas,
que enfrentam a polícia. Devemos ter o bom senso de
entender que hoje o bandido não atira rosas na polícia.
Ele vem muito bem equipado. Aliás, muito mais equipado
do que muitos imaginam. Vide os artefatos que estão
sendo usados, como granadas. Eu sempre falei que ele (o
ouvidor) é estrábico. E continuo afirmando que é
estrábico porque ele não possui uma visão perfeita
daquilo que deve ser feito dentro da sociedade.
P E o que deve ser
feito na sociedade?
R Temos que contar com uma polícia competente e
enérgica. No mundo, o importante não é só a função
do policial: é a força da lei. É a força da lei que
dá ao policial condições para ser bom e ter uma
atuação firme dentro da sociedade. É lógico que não
compactuamos com uma polícia truculenta, mas dizer que
morreram civis é uma chacota à minha corporação,
simplesmente um desmerecer, uma visão extremamente
incompetente de quem deveria ter mais competência para
entender de segurança pública. Aliás, acredito que na
parte de sociologia ele (ouvidor) demonstra muito pouca
visão e, na parte de segurança pública, nenhuma.
P É possível
desmilitarizar o policiamento preventivo, como prega o
ouvidor?
R - A Guarda Municipal é subordinada ao poder civil. A
primeira coisa que um prefeito faz na Guarda é colocar
uniforme, bota, bater continência, marchar, montar
banda. Não entendo porque é preciso ser tão civil,
quando as polícias competentes do mundo inteiro também
têm o seu lado militar, o que em nada impede que sejam
excelentes. A situação é colocada como se o poder
militar atravancasse ou deixasse de ser positivo. Quando
se oferece à área civil a oportunidade de se fazer
alguma coisa não hierarquizada, ela hierarquiza. Isso
demonstra a falta de conhecimento e de sensibilidade do
ouvidor. Ou ele acha que estamos num país diferente?
Estão querendo fazer uma polícia de primeiro mundo com
uma estrutura de terceiro mundo. Ou damos estrutura para
esta polícia ser de primeiro mundo ou nunca seremos
felizes. Para termos condições de trabalho precisamos
de competência, estudo, educação e de outros fatores
que não dependem só da polícia. Por isso, acho que a
sociologia poderia contribuir muito na formação do
nosso povo, para que ele tenha o que comer, onde
trabalhar, e não sofra com o desemprego, a recessão e
uma série de problemas que desembocam na segurança
pública.
P A miséria é a
causa da violência?
R Tudo na sociedade tem inter-relação. Se a
família está desestruturada, se o pai não pode
oferecer alimento para seu filho, se a sociedade não lhe
dá casa e o Estado não garante os seus direitos, aí
ele se submete ao crime organizado. O bandido sustenta a
favela com a estrutura que ele possui, organiza aquele
grupo com o dinheiro do narcotráfico. Isso é importante
a gente analisar. Acho que a polícia é feita de
cidadãos do povo. Se a polícia trabalha mal, se tem uma
má atuação, é porque seus membros são fruto desta
sociedade. Precisamos mudar a sociedade para que a
polícia também cresça.
P Este seminário
realizado na Unicamp é uma forma de contribuir para
humanizar os policiais, de passar uma outra visão aos
oficiais?
R Acho que a polícia nunca olhou a sociedade como
se ela fosse diferente. Essa humanização nós temos e
muito. Quando atendemos pelo 190, é na parte social. O
seminário na verdade é uma forma de pensar, uma forma
de reflexão para que a gente possa mudar a corporação
e se adaptar à modernidade. Por isso, a nossa
preocupação para que a doutora da Unicamp vá trabalhar
na área de ética e de direitos humanos na corporação.
Ela realmente precisa ter uma visão que nos ajude a dar
base a esses soldados, para que eles possam construir uma
consciência, não truculenta, mas enérgica e firme.
P O ouvidor prega
mudanças no atual modelo das corporações e a
unificação das polícias Civil e da Militar. O senhor
defende isto?
R É claro que precisamos repensar a estrutura da
polícia. Não nego que mudanças são necessárias. O
mundo evoluiu, se modernizou e temos que nos adaptar.
Quando propomos um seminário como este, de Educação
Institucional, estamos visando exatamente mudanças,
repensar o papel da polícia. Mas, antes de tratarmos de
assuntos como a unificação, precisamos terceirizar
alguns serviços. Não tem cabimento, por exemplo, eu
formar uma policial para ser telefonista. Existe um monte
de postos de gasolina na cidade e eu ainda tenho
policiais abastecendo viaturas. O que precisamos é de
mais policiais nas ruas e menos em funções
burocráticas. A população quer a polícia na rua, não
nos quartéis. Creio que só a partir dessas
alterações, com vistas à terceirização, poderemos
avançar em outros aspectos.
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