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Jornal da Unicamp - Dezembro de 2000

Páginas 6, 7 e 8

GUERRILHA

O padre que trocou a batina pelas armas

Entrevista com Olivério Medina, representante
das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia

ADRIANA MIRANDA

O ex-padre Francisco Collazos utiliza o codinome Olivério Medina. Ele trocou a batina pela guerrilha e defende com paixão as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), pregando a luta armada como melhor forma de chegar ao poder e implantar um governo socialista em seu país. Residente no Brasil há dois anos, Medina, que cumpre o papel de ministro das Relações Exteriores das Farc, esteve na Unicamp no dia 27 de outubro, a convite do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx). Denunciou o Plano Colômbia, que classificou como "um plano de guerra do imperialismo americano para acabar com os povos latinos-americanos". (Os Estados Unidos sustentam que o objetivo é combater o narcotráfico na Colômbia, acusando os guerrilheiros de associação com os narcotraficantes).

Antes de sua palestra no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), o ex-padre – ainda anônimo porque não fora apresentado ao público – vendeu camisetas, bottons e revistas sobre o movimento guerrilheiro. Tinha acabado de sair da prisão em Foz do Iguaçu, onde ficou por 26 dias (de 22 de setembro a 17 de outubro), acusado pela Polícia Federal de estar com o visto de permanência no Brasil irregular e usar identidade falsa, o que mais tarde ficou comprovado ser mentira.

Na Unicamp, Medina rebateu com veemência as duras críticas de um grupo de alunos colombianos (veja matéria na página 7) contrários às ações das Farc. Negou que a maior organização guerrilheira do país use a violência gratuitamente e que teria assassinado um grupo de camponeses utilizando serra elétrica, como anunciado pela mídia em todo o mundo. Confirmou, porém, que o grupo mantém mais de 500 pessoas prisioneiras e, numa autocrítica, admitiu que muitas vezes as ações não saem como o planejado.

Para o ex-padre, associar as Farc ao narcotráfico é uma estratégia dos Estados Unidos para difamar a organização. Defendeu os camponeses plantadores de folha de coca, afirmando que estes só estarão livres da miséria se implantada a reforma agrária. Embora defensor de um governo socialista, evitou críticas ao presidente Fernando Henrique Cardoso, e, ao comentar sua prisão no Paraná, disse apenas que não fica "olhando para trás".

A seguir os principais trechos da entrevista concedida por Olivério Medina ao Jornal da Unicamp:

Jornal da Unicamp - Por que um padre da Igreja Católica foi parar na guerrilha?
Olivério Medina - A repressão imposta pelo governo e o estado colombianos faz com que as pessoas lutem por mudanças no país, porque não é possível viver assim. Os governos dos últimos 50 anos não toleram oposição de verdade, uma oposição que lute politicamente nas praças e nas ruas. Então, para estar vivo, você tem que estar na guerrilha. Estamos cansados de enterrar colombianos e colombianas. O governo assassinou nos anos passado e retrasado mais de 25 mil pessoas. Cerca de 80% dos assassinatos ocorreram por motivos políticos. O imperialismo é o responsável por isso. Queremos um país diferente, começando por um país sem violência oficial. Mas, paz com fome é paz? Paz com desemprego é paz? Estou na guerrilha porque, vivo, posso lutar pelo povo. Morto, não.

P - As Farc dominam hoje quanto do território da Colômbia?
R - Nós temos presença nacional. São 60 frentes, muitas colunas de combate. Temos guerrilha urbana e temos plano estratégico político-militar. Temos plataforma de governo. Temos mais de 500 prisioneiros de guerra. Somos reconhecidos de fato por muitos países. Somos uma força político-militar que aspira tomar o poder para criar o socialismo na Colômbia.

P - Caso as Farc tomem completamente o poder, quais serão as medidas implantadas?
R - Primeiro, a reforma agrária. Sem isso, o país não poderá viver; reforma agrária que contemple a distribuição da terra e acabe com o latifúndio; aproveitar a tecnologia para o campo. E, logo depois, levar educação para o povo em geral. Isso é fundamental. As universidades não precisam de portas.

P - A revista Veja, na edição de 4 de outubro, cita que o senhor fez rasgados elogios ao presidente Fernando Henrique Cardoso, em matéria intitulada "Caça à bruxa". Não é um contra-senso, já que o governo FHC é combatido pela esquerda brasileira?
R - É um exagero da revista falar em elogios. Mas devemos reconhecer que Fernando Henrique tem uma posição que, para nós, é muito importante, ao não apoiar o Plano Colômbia. Ou seja, não apoiar a política norte-americana de ingerência na Colômbia

P - Só se combate o imperialismo americano por meio da luta armada?
R - Temos todas as formas de luta. O povo latino-americano precisa levar em conta que as fronteiras não são lugar de divisão, mas de união. Nós somos um pequeno gênero humano. Se juntarmos forças na América Latina seremos invencíveis. Precisamos de mudanças profundas nos costumes políticos, no regime, na administração. Não mais corrupção, não mais miséria, não mais desemprego. Isso se faz como? Mudando o regime político e o modelo econômico.

P - O modelo do governo Fernando Henrique Cardoso é o ideal?
R - Esta resposta cabe a vocês, brasileiros.

P - No episódio envolvendo sua prisão, em setembro, é verdade que a Polícia Federal agiu arbitrariamente, como sustenta a Veja?
R - Não fico olhando para trás, só para a frente. Nós convertemos todos os nossos atos em um passo à frente. Acho que a decisão final foi muito interessante: o governo comprovou que eu não estava ilegalmente no Brasil, que continuo legal como sempre estive.

P - Por que o senhor está morando no Brasil?
R - Temos aqui uma comissão internacional. Fui designado pelo Estado Maior das Farc para representar a organização no Brasil.

P - É verdade que vocês têm intenção de montar uma embaixada no Brasil?
R - Estamos trabalhando com essa idéia e convido todos os brasileiros a apoiarem nossa organização.

P - Qual é a relação das Farc com o narcotráfico?
R - A imprensa latino-americana, sobretudo a grande imprensa, fala que estamos ligados aos narcotraficantes. Os Estados Unidos conseguiram essa propaganda nefasta, mentirosa e ruim contra nós. Os revolucionários, por princípio, por ética, por moral, não têm nada a ver com plantação de coca, produção de pasta, refino, transporte, compra ou venda. Também não criamos narcotraficantes, nem damos segurança a eles. Não somos polícia, somos revolucionários. Esta política de difamação já não adianta. Os camponeses que plantam coca também não são narcotraficantes. De cada mil reais que o narcotráfico movimenta – desde o plantio da folha até o consumo – os camponeses ficam com cinco. Os 995 restantes ficam nos Estados Unidos, que movimentam meio trilhão de dólares por ano, fruto do narcotráfico. Os americanos fornecem 70% da acetona para a transformação da coca na Colômbia. Não é matando o faminto que se soluciona o problema da fome. Não é matando o camponês colombiano que vamos acabar com o narcotráfico. Eles plantam folha de coca para subsistir. Temos que fazer reforma agrária para que plantem milho, mandioca, café, cacau e cana. Precisamos dizer a eles que é milho o que precisamos comer.

P - Em um eventual governo das Farc, qual será o tratamento dado aos narcotraficantes?
R - O narcotráfico é um problema socioeconômico. Se você fizer reforma agrária os camponeses não precisarão, por exemplo, plantar folha de coca. Isso ficará apenas para os indígenas, que têm o produto como parte de sua cultura.

P - No Brasil discute-se muito a questão da Amazônia. Como o senhor vê as propostas de controle das fronteiras da Amazônia?
R - O plano estratégico dos Estados Unidos é ficar com toda a Amazônia. A área tem muitas riquezas, que em nível mundial são estratégicas. Obviamente, o povo brasileiro não gosta disso. Com certeza, os estudantes, professores, intelectuais, partidos políticos e diversas organizações vão ficar de olho aberto para repudiar essa política de ingerência.

P - Como surgiu as Farc?
R - Somos um movimento político-militar que adota a forma mais elevada de luta popular, a luta armada. Ele nasceu em 1964, quando os camponeses de uma região chamada Marquetania foram agredidos militarmente. Os camponeses se armaram com espingardas e responderam em guerra de guerrilha. Eram 48 camponeses lutando contra 16 mil soldados que fizeram um cerco de aniquilamento. O segredo foi o apoio da população do campo, da cidade e de organismos internacionais que denunciaram o que ocorria naquele ano. Daí surgiu oficialmente a luta armada na Colômbia, pela tomada do poder.

P - Agentes do Departamento de Estado Americano, o DEA, já estão colocando em prática o Plano Colômbia. Já há agentes do DEA em seu país?
R - Existem bases militares norte-americanas lá. Também há tropas controlando as comunicações para ver se encontram a guerrilha.

Alunos colombianos da Unicamp
protestam mas não se identificam

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) não são unanimidade. Ao contrário, as ações do maior grupo guerrilheiro daquele país geram muita polêmica e manifestações inflamadas dos dois lados, como ocorreu na palestra do ministro das Relações Exteriores das Farc, Olivério Medina, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Durante as duas horas da palestra, ele foi questionado por um grupo de alunos colombianos que fazem pós-graduação na Unicamp.

Os estudantes chamaram a atenção para as acusações sofridas pelas Farc de violação de diretos humanos, suposto cultivo e comércio ilícito de cocaína e de aliciamento de crianças, adolescentes e jovens das escolas de áreas rurais e povoados indígenas para ingresso forçado na guerrilha.

A platéia recebeu cópia de uma matéria publicada na Revista Cambio, datada de 16 de outubro deste ano, sob o título "Massacre anunciado". Foi distribuída por um dos colombianos, que a exemplo dos demais pediu para não se identificar, temendo represálias dos guerrilheiros a parentes que residem naquele país. A publicação colombiana denuncia que, no dia 14 de setembro, a Frente Jacobo Arenas, das Farc, entrou no vilarejo de Ortega Llano, departamento de Cauca, exigindo dos pais que entregassem seus filhos para engrossar as fileiras da organização. Tendo como capital Bogotá, a Colômbia é dividida em 24 departamentos, 4 intendências e 5 comissariados.

Segundo a reportagem, a comunidade decidiu enfrentar a guerrilha para salvaguardar crianças e jovens e, diante do ato de desobediência, um grupo das Farc teria assassinado três pessoas, ameaçando retornar em breve. O retorno, informa a matéria, ocorreu em 7 de outubro, quando os guerrilheiros teriam chegado com um lista de nomes do povoado e fuzilado 11 indígenas diante de suas famílias. Na mesma ocasião, também teriam ateado fogo em pelo menos 40 casas. A mesma revista informa que os militares se deslocaram para enfrentar os guerrilheiros, mas que nada mais havia a fazer quando chegaram.

"Estamos muito preocupados com as denúncias de violação dos diretos humanos feitas pela mídia", disse uma pós-graduanda em entrevista ao Jornal da Unicamp, acrescentando que não é possível se calar diante das acusações. Ela diz integrar um setor da população colombiana que crê na necessidade de transformação social e política em seu país. E reconhece a carência de informações equilibradas, não simplistas, sobre o conflito armado na mídia de seu país.

A Revista Cambio tem entre seus editores o Nobel de Literatura Gabriel Gárcia Marquez.

Olivério Medina rebateu as acusações dos alunos, afirmando que a imprensa colombiana está a serviço do governo e é proibida de noticiar as verdadeiras ações das Farc. Ele negou que os guerrilheiros maltratem presos e que estejam aliciando crianças e jovens das escolas com o objetivo de mantê-las na organização, chegando a citar que estes são atos de grupos paramilitares. Também refutou qualquer envolvimento da guerrilha com o narcotráfico.

Escalada da violência na Colômbia

EDUARDO MEI

Finda a Guerra Fria e anunciado o fim da história por ideólogos da pax americana, pode causar espanto que o continente sul-americano se depare com um fenômeno como a luta armada. Afinal, o fracasso do chamado socialismo real não teria jogado no lixo da história quaisquer pretensões de tomada de poder pelas armas? Não estariam, então, os revolucionários definitivamente proscritos da Terra?

Ao que parece, não só a luta armada permanece ainda no horizonte dos degredados da "nova ordem mundial", como obtém êxitos surpreendentes a ponto de atormentar os seus próceres. É o caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que já dominam grande parte do território colombiano. Tais êxitos são atribuídos pela grande imprensa e por autoridades estadunidenses aos estreitos vínculos das Farc com o narcotráfico. Este foi o motivo alegado pelos EUA para aprovar, há alguns meses, o Plano Colômbia, orçado em US$ 7,5 bilhões em ajuda econômica e militar.

Todavia, uma dúvida paira no ar: seria mesmo o narcotráfico o real motivo para o empenho dos EUA no Plano Colômbia? Se a pergunta parece demasiado óbvia, lembremo-nos de que a guerra se faz, também, de propaganda, tanto mais num mundo onde a opinião pública é fundamental nos rumos da política. Dois procedimentos são particularmente rotineiros na guerra de informações: um deles é o que McCombs e Shaws descreveram e denominaram, em 1972, "agenda-setting", pelo qual os detentores dos meios de comunicação compõem a agenda selecionando e valorando os assuntos segundo seus próprios interesses; outro é o que Elisabeth Noëlle-Neumann denominou, em 1974, a "espiral do silêncio": "trata-se do expediente de persuadir o público de que determinadas opiniões são ridículas, ultrapassadas ou já completamente condenadas nos países mais adiantados."1 Diante de tal quadro são inevitáveis as informações desencontradas, exigindo muita cautela de quem se propõe a analisar o conflito.

As origens da guerrilha – A guerrilha iniciada há quase 36 anos na Colômbia tem uma única fonte: a extrema concentração de renda e a miséria que assola o país apesar de um crescimento econômico contínuo de 40 anos.2 Maurice Lamoine informa que "80% dos 13 milhões de pessoas abandonadas pelo Estado no campo vivem abaixo da linha de pobreza" e que "os 25% mais ricos da população detêm uma renda 30 vezes superior à renda dos 25% mais pobres".3

A já grave situação econômica do povo colombiano agravou-se ainda mais com a abertura econômica. M. Lamoine informa que desde 1974 a superfície cultivada em culturas lícitas diminuiu mais de 1 milhão de hectares. Auto-suficiente até 1990, a Colômbia importa atualmente 450.000 toneladas de arroz. Não bastasse isso a concentração de terras na mão dos latifundiários é revoltante: as propriedades de mais de 500 hectares (0,2% dos proprietários) ocupavam, em 1997, 45% das terras cultiváveis.4 Esses fatores sócio-econômicos empurram milhares de camponeses para o cultivo de coca e papoula que se alastrou pelo sul da Colômbia depois do desmantelamento dos cartéis do Peru e Bolívia em 1994.5

Os interesses em jogo – À parte os fatores sócio-econômicos, a análise de um conflito político qualquer, e de conflitos armados em particular, deve levar em conta também os interesses políticos e econômicos envolvidos. Tais interesses não surgem de súbito e são, em geral, bastante conhecidos. Os interesses estadunidenses na região do Caribe remontam ao século passado, onde contabilizou desde então dezenas de intervenções militares. A Colômbia em particular sofreu a primeira intervenção em 1903, por ocasião da criação do canal e da República do Panamá.6 O canal bi-oceânico representa um interesse econômico e estratégico fundamental para os EUA. Porém, há outros interesses em jogo. A região noroeste do continente sul-americano (Colômbia, Venezuela, Equador) é rica em recursos estratégicos, particularmente o petróleo, e via de acesso à riquíssima biodiversidade amazônica. Obviamente, os EUA querem manter, aqui como lá, governos dóceis e amistosos, que não representem ameaça aos seus interesses. Como a Venezuela de Hugo Chávez já representa um sério obstáculo aos interesses do império estadunidense na região, o avanço da guerrilha na Colômbia torna-se ainda mais ameaçador.

O Plano Colômbia – O Plano Colômbia mascara os interesses políticos e econômicos dos Estados Unidos no Caribe e na região amazônica, porém, o apoio da opinião pública estadunidense se deve à sua roupagem de "combate ao narcotráfico" e "ajuda humanitária". Trata-se apenas de impedir a ascensão ao poder de atores políticos adversos. Todavia, com o colapso da URSS nos anos 90, a justificativa do "perigo vermelho" já não convenceria a opinião pública. Por isso, é preciso criar um novo inimigo, perverso e hediondo: a narcoguerrilha.7 Isso explica o fato de autoridades estadunidenses omitirem o envolvimento dos grupos paramilitares de direita no narcotráfico e em violações dos direitos humanos.8 Como informa M. Lamoine, "contrariamente às Farc e ao ELN, os paramilitares colombianos não figuram na lista das organizações terroristas internacionais arroladas pelo governo dos Estados Unidos. M. Phil Chicola, chefe da Secretaria de Assuntos Andinos do Departamento de Estado, explica-o: «Segundo a lei, esses grupos devem cometer ações que ameacem os interesses nacionais dos Estados Unidos para poderem ser incluídos formalmente na lista».9

Do montante orçado de US$ 7,5 bi, apenas US$ 1,32 bilhão devem ser destinados à ajuda militar, mas ela é essencial aos interesses representados pelo governo dos EUA: aniquilar a guerrilha de esquerda na Colômbia e garantir a manutenção de seus interesses na região por um governo dócil. Não causa estranheza, portanto, que o Plano Colômbia explicite a necessidade de "insistir para que o governo colombiano complete as reformas urgentes destinadas a abrir completamente sua economia ao investimento e ao comércio exterior, particularmente à indústria do petróleo ...".10

Combate ao Narcotráfico – Se os EUA estão realmente interessados em combater o narcotráfico, por que elegeram o território colombiano para fazê-lo? À parte os interesses que procurei apontar acima, não devemos nos esquecer de que é cômoda uma guerra em território alheio, na qual combate um povo estrangeiro. Mas além disso, é preciso notar que, como forma de combate ao narcotráfico, a ação militar contra as populações que produzem coca é totalmente ineficaz. A produção e consumo de coca já estavam incorporados aos hábitos das populações andinas muito antes que Colombo embarcasse rumo às Índias. O tráfico de drogas, contudo, é um fenômeno recente que envolve outros fatores. As "armas de uso exclusivamente militar" que sustentam o tráfico não são produzidas nas regiões em que se cultiva a coca. Porém, o empenho no controle da produção e no combate ao contrabando de armas parece não preocupar tanto o Departamento de Estado dos EUA. E, mais surpreendente, os dólares que possibilitam a produção, o tráfico e o consumo das drogas ilícitas nunca antes encontraram um ambiente tão propício para o livre fluxo. Com efeito, a desregulamentação econômica promovida pelo Consenso de Washington liberaram as fronteiras tanto para a especulação financeira quanto para o crime organizado internacional. Esse é o diagnóstico da juíza francesa Eva Joly, que recentemente lançou um livro sobre as dificuldades atuais de punir os crimes financeiros. Diz ela:

"No mundo das finanças, já que nada pode ser proibido, tudo é de agora em diante permitido. Os banqueiros comentam entre si privadamente: se os lucros da cocaína desaparecessem de um dia para o outro dos circuitos "off-shore" (composto pelos paraísos fiscais), o sistema financeiro inteiro seria perturbado".11

Eduardo Mei é pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp


1 Fábio K. Comparato, A geração controlada da opinião pública. Folha de S. Paulo, terça, 9 de setembro de 1997. Para as informações precedentes técnicas de propaganda, valho-me do mesmo artigo.

2 Segundo o próprio Plano Colômbia, em documento oficial da Embaixada dos EUA em Bogotá. O documento em espanhol pode ser obtido na internet no site do Le Monde Diplomatique: http://www.monde-diplomatique.fr

3 Maurice Lamoine, "Plan Colombie: passaport pour la guerre". In Le Monde Diplomatique, disponível no mesmo site no seguinte endereço: http://www.monde-diplomatique.fr/cahier/ameriquelatine/plancolombie

4 Maurice Lamoine, "Plan Colombie: passaport pour la guerre", op.cit.

5 A explosão das culturas ilícitas na Colômbia foi detonada pelo desmantelamento dos cartéis da Bolívia e Peru.

6 O Panamá é rota de comércio marítimo desde o século XVII. Em 1879, uma empresa liderada por Ferdinand Lesseps (que acabara de construir o canal de Suez) ganhou uma concessão para construir o canal, empreendimento que fracassou dez anos depois. Em 1903, o senado colombiano derrubou o tratado para a construção do canal e os EUA intervieram estimulando uma rebelião separatista: criou-se então a República do Panamá submissa aos interesses estadunidenses. Logo firmou-se o tratado Hay-Bunau-Varilla que concedeu aos EUA o controle perpétuo sobre o canal. Porém, em 1977, o ex-general e presidente nacionalista Omar Torrijos e Jimmy Carter assinaram um tratado pelo qual o controle do canal e suas instalações passariam ao controle panamenho em 31 de dezembro de 1999.

7 Segundo Mauride Lamoine, "O termo nargoguerrilha foi inventado pelo embaixador dos Estados Unidos emBogotá, Lewis Tamb; o mesmo Tamb foi implicado, 2 ou 3 anos depois na Costa Rica, no narcotráfico destinado a financiar a contra-guerrilha." M. Lamoine, "Plan Colombie: passaport pour la guerre", op.cit.

8 El Tiempo, Bogotá, 30/12/1999, apud M. Lamoine, "Plan Colombie: passaport pour la guerre", op.cit.

9 El Tiempo, Bogotá, 1o/05/2000, , apud M. Lamoine, "Plan Colombie: passaport pour la guerre", op.cit.

10 Maurice Lamoine, "Plan Colombie: passaport pour la guerre", op.cit.

11 Apud Alcino Leite Neto, "A Justiça contra a delinqüência financeira", In: Folha de São Paulo, 30/07/2000.


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