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Os
garotos das fundas
Lutando contra fuzis e blindados israelenses,
852 atiradores
de pedras palestinos perderam a vida nos últimos
14 meses
JOÃO
MAURÍCIO DA ROSA
A
cena poderia virar um símbolo. O jovem palestino
gira sobre a cabeça uma funda, artefato de couro
usado para arremessar pedras. Os alvos são soldados
israelenses com coletes à prova de bala, carregando
fuzis e escoltados por blindados. Uma luta estupidamente
desigual que, nos últimos quatorze meses, deixou
852 mortos entre os atiradores de pedras. São garotos-propaganda
de uma causa, que sem eles passaria despercebida pelo
resto do mundo. Do outro lado, morreram 211 israelenses,
grande parte vítimas de ataques suicidas dos jovens-bomba.
Sem
os garotos das fundas, os palestinos pode-riam estar extintos
junto com as cidades e as oliveiras que construíram
durante os milênios de sua existência. Até
1987, início das Intifadas (termo árabe
que significa levante ou revolta), grande parte desta
história acabou sepultada por tropas israelenses
de ocupação. Cidades inteiras com
nomes árabes foram destruídas, para ali
surgirem cidades israelenses com arquitetura ocidental.
Estão passando uma borracha na história,
querem produzir o esquecimento, uma operação
fundamental para a sustentação dos regimes
autoritários e totalitários, denuncia
José Arbex, professor, jornalista e doutor em História.
Arbex
participou do simpósio internacional Os Direitos
Humanos do Povo Palestino na Conjuntura Atual, realizado
entre 28 e 30 de novembro na Unicamp, organizado pela
Coordenadoria de Relações Institucionais
e Internacionais (Cori). O evento incluiu a assinatura
do acordo que tornou irmãs Campinas e Jericó,
cidade bíblica da Palestina.
Ao
falar da destruição de cidades milenares
palestinas, Arbex reproduz uma declaração
de um dos célebres comandantes do exército
de Israel, o general Mosh Dayan, compiladas de um livro
do intelectual palestino Edward Said: Nós
viemos para este país que já era habitado
pelos árabes e aqui estamos estabelecendo um estado
hebreu, isto é, judaico. Em áreas consideráveis
do país compramos as terras dos árabes.
Cidades judaicas foram construídas no lugar das
cidades árabes. Vocês nem sabem o nome das
cidades e eu não os culpo por isso, pois nem existem
mais os antigos livros de geografia. Mas não apenas
os livros de geografia desapareceram, como também
as cidades árabes.
Esta
declaração se deu em 1969, dois anos depois
da Guerra dos Seis Dias, quando Israel ocupou a Cisjordânia
e a Faixa de Gaza, aumentando seu território em
quase 90.000 quilômetros quadrados. Para o jornalista,
a declaração de Mosh Dayan expõe
um programa político totalitário, que apaga
não apenas o nome das cidades árabes do
mapa, mas também da história. Um programa
de extermínio cultural, político e social
que pode ser equiparado aos programas nazistas de extermínio
do povo judeu, analisa.
História
enterrada Arbex lembra outro livro recente,
do intelectual judeu Meron Benvenisti: A História
Enterrada da Terra Santa desde 1948. O livro conta que
logo após a criação do Estado de
Israel, os judeus fizeram um levantamento de nove mil
localidades na Palestina incluindo cidades, vilas,
montanhas e rios e concluíram que 90% tinham
nomes árabes. E, pela ideologia do movimento sionista
na virada do século 19 para o século 20,
o lema era uma terra sem povo para um povo sem terra.
O
movimento sionista chegou a cogitar a construção
de um estado israelense em Uganda, no Sul da Argentina,
na Amazônia... Quando viu que a Palestina era árabe,
o sionismo teve que partir para a destruição
de seus vestígios. Destruíram vilas
e cidades, preservando raras casas com esses traços:
centros culturais, boates, restaurantes e ateliês
com ares exóticos. Ao mesmo tempo, as cidades israelenses
foram sendo construídas com a imagem ocidental
e se constituindo como uma potência francamente
estrangeira em uma terra com cultura milenar.
Depois,
como lembra o jornalista, teve início a destruição
da agricultura palestina. Locais onde havia pomares desapareceram,
surgindo alimento para gado e laranja. Criou-se
o mito de que o israelense dominou o deserto e que o palestino
não tinha capacidade para produzir alimentos.
Mas Arbex considera como maior atrocidade contra a cultura
não só da Palestina, mas da própria
humanidade, a destruição dos olivais, particularmente
dos campos ao redor de Belém. Uma brutalidade
que afeta o acervo da história do mundo em seu
conjunto, define.
Algo
de errado A Intifada, sete anos após
o acordo de paz de Oslo, em 1993, mostra ao mundo que
algo de errado está ocorrendo. E até uma
boa parte do povo israelense percebe que a situação
não poderá perdurar. Tratados como terroristas
pela mídia ocidental, e discriminados até
mesmo por outros países árabes, os palestinos
acreditam que a saída para obter seu reconhecimento
como povo e seus direitos sobre a terra está no
despertar da solidariedade de outros povos, instituições
políticas e religio-sas do mundo e dos próprios
judeus de Israel.
Arbex
vê o isolamento dos palestinos pelos árabes
como um receio das nações totalitárias
de terem como vizinho um povo com tendência à
democracia. As monarquias árabes e a ditaduras
militares árabes, como a Síria, a Arábia
Saudita e o Iraque têm medo de um estado palestino,
porque nenhum povo entre os árabes desenvolveu
de forma tão aguda o problema do Estado e sua relação
com a política e a religião, argumenta.
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Súplica
às forças da ONU
O deputado israelense-palestino Muhamad Barka, presidente
da Frente para a Paz e a Igualdade, só pôde
vir ao simpósio internacional na Unicamp, que tratava
de sua própria causa, porque é membro do
Knesset, o parlamento de Israel. Caso contrário,
teria de passar por toda burocracia imposta pelo estado
judeu ao povo árabe nativo.
Seu
pronunciamento no evento soou como uma súplica.
Há necessidade urgente de se trabalhar para
oferecer uma garantia ao povo palestino, para evitar um
massacre. É claro que deste simpósio podem
sair algumas alternativas, mas é preciso que parlamentares
do mundo inteiro assinem um documento pedindo à
ONU o envio de suas forças de paz a Israel, evitando
um derramamento de sangue.
Barka
também conta com os valores morais e éticos
do povo de Israel para a solução do conflito.
Ele lembra que a retirada das tropas israelenses do sul
do Líbano não se deveu apenas à resistência
de seus combatentes, mas também à revolta
do povo judeu contra as ações seu próprio
Exército.
O
mesmo conceito se deu em relação à
Argélia, que não possuía as armas
dos franceses, mas tinha os cidadãos franceses
contrários à ocupação. Os
palestinos vão continuar existindo e buscando sua
liberdade. E a sociedade israelense vai entender e vai
nos apoiar, declarou. A história é
a prova, é a lição. Todos os países
antes ocupados foram libertados, mais cedo ou mais tarde.
Nunca houve um caso onde a ocupação ficou
e o povo sumiu; o povo permaneceu e os ocupantes saíram.
Utopia
- A busca de apoio do povo israelense para a causa palestina
parece uma utopia. Segundo uma pesquisa do Instituto Gallup,
publicada em um jornal de Israel, 46% dos entrevistados
apóiam um ataque em grande escala contra os palestinos
em resposta aos atentados suicidas, mas 30% preferem a
moderação.
O
professor Mohamed Habib, da Coordenadoria de Relações
Institucionais e Internacionais (Cori) da Unicamp, olha
com desconfiança para esse tipo de pesquisa e para
a forma como é divulgada. Ele alerta para a falta
de distinção, pelo Gallup, do perfil dos
entrevistados. Quem foram as pessoas ouvidas? São
do meio acadêmico, mais liberais, ou dos kibutz,
mais conservadoras?, indaga.
Habib
é muçulmano natural do Egito. Lembra que
a mídia internacional costuma distorcer informações
sobre o conflito Israel-Palestina e assim influenciar
o mundo ocidental, dando a impressão de que tudo
não passa de uma intriga religiosa e que o palestino
é um povo bárbaro.
Continua
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