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Paulo C. Nascimento Quando espetamos o garfo em um bom filé, não imaginamos, nem por um instante, estarmos diante de um produto sem especificações técnicas de qualidade definidas, especialmente as higiênico-sanitárias. Alimento que requer inspeção sanitária rigorosa, conservação adequada e controle total de qualidade, a carne é paradoxalmente comercializada como simples "commodity", uma mercadoria que não identifica quem a produziu. Exceto pelo sexo do animal, se é de boi ou de vaca, compra-se e vende-se carne bovina sem maiores informações. Um trabalho da Unicamp, porém, pretende ajudar a transformá-la em um produto devidamente identificado, com certificado de origem e qualidade assegurada, como explica o médico-veterinário Pedro Eduardo de Felício, professor-adjunto de Tecnologia de Carnes do Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Determinado a conscientizar pecuaristas sobre a relevância do assunto - até como necessidade para manutenção de mercado -, Felício defende ações capazes de contribuir para melhorar a qualidade da carne. Uma das suas propostas é o estabelecimento de alianças mercadológicas, ou seja, iniciativas conjuntas de fornecedores de insumos, produtores, frigoríficos e comerciantes, para proporcionar ao consumidor uma carne de origem conhecida, qualidade assegurada e com características de maciez, sabor e suculência que atendam suas preferências. Inspeção ineficaz - O fortalecimento dos elos da cadeia produtiva esbarra, porém, em alguns obstáculos, explica Felício, que também é membro do conselho técnico da Associação de Criadores de Nelore do Brasil (ACNB) e membro do comitê assessor externo do Centro Nacional de Pesquisas de Gado de Corte, da Embrapa, em Campo Grande (MS). Um deles é a notória fragilidade dos serviços de inspeção sanitária. Estima-se que das 30 milhões de cabeças abatidas anualmente por cerca de 160 frigoríficos no país apenas a metade seja inspecionada. Outra dificuldade apontada por Felício é a mentalidade conservadora da maioria dos pecuaristas. "Eles não se enxergam como agentes econômicos e integrantes de uma cadeia produtiva. Só pensam em criar o animal do jeito que sempre deu certo e relutam em aceitar inovações", observa. De acordo com o professor, é fundamental que o produtor conheça a problemática, as exigências e os requisitos da indústria e produza de acordo com as necessidades comerciais do momento. "Tem que produzir pensando no consumidor, aqui e lá fora. E para isso o pecuarista precisa se convencer a investir em tecnologia em suas propriedades", argumenta o pesquisador da Unicamp. Uma das tentativas de organização da cadeia produtiva para oferecer carne com qualidade higiênico-sanitária e especificações técnicas no Estado de São Paulo foi a criação, em 1997, da Aliança de São Paulo, que Felício assessorou. Inspirada no Programa de Qualidade de Carne do Rio Grande do Sul e patrocinada pelo Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo (Fundepec) - ONG que congrega produtores e representantes da indústria no Estado -, a empreitada reuniu 200 pecuaristas com produção sustentada por programas de melhoria genética, novas técnicas de manejo e alimentação, dois matadouros-frigoríficos e uma rede de supermercados. "A aliança mostrou que é possível constituir com sucesso parcerias que objetivam disponibilizar para o mercado um produto com qualidade superior", atesta Felício. Produtividade e custo baixo Do rebanho nacional de 160 milhões de bovinos, concentrado principalmente em dez estados que formam o chamado Brasil Central Pecuário, cerca de 80% são constituídos de gado da raça nelore. De origem indiana, o gado foi trazido ao Brasil na metade do século passado e rapidamente se multiplicou, adaptando-se facilmente às condições climáticas brasileiras e se mostrando o melhor para produzir carne num ambiente tropical. Por isso, outra iniciativa em benefício da qualidade da carne partiu da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil (ACNB), que lançou projeto para melhor integrar criadores de reprodutores, produtores de carne e a indústria de abate. De acordo com Carlos Viacava, presidente da entidade, o Programa Novilho Nelore pretende contribuir para a melhora do rebanho de corte nacional, levando os avanços da genética aos produtores de novilhos comerciais. "Temos que aprimorar qualidade e eficiência para não perder mercado. E não é possível avançar se o produtor continuar achando que o nelore pode ficar deitado eternamente em berço esplêndido. É imprescindível inovar", sentencia Viacava. Técnicas de melhoramento genético permitiram, por exemplo, reduzir de 48 para 24 meses a idade de abate do nelore, desmontando o paradigma de que o rendimento da carne dependia do peso do animal. A precocidade do abate, além de proporcionar carne de melhor qualidade, possibilita ao produtor duplicar a produtividade a custos reduzidos. As vantagens da carne proveniente de animais jovens puderam ser constatadas em julgamento de aproximadamente 700 carcaças realizado por Felício e pelo professor Bento da Costa Carvalho Jr, também do Departamento de Tecnologia de Alimentos da FEA, em Lins (SP), em setembro último. A próxima revolução na pecuária nacional, revela Felício, virá com o desenvolvimento e implantação de tecnologia de rastreamento. A técnica permite reunir, em códigos de barra lidos por scanners, informações que relatam toda a vida do animal. Os dados o acompanham na fazenda de criação, impressos em brincos eletrônicos, e posteriormente, por meio de etiquetas, são transferidos para as carcaças nos frigoríficos e para as embalagens de carne ao consumidor. O sistema, em uso na Europa, transformou-se no passaporte que o mercado internacional exige de quem deseja exportar o produto. Para mensurar o impacto da novidade basta lembrar que, para produtores avessos às inovações, identificar o gado ainda significa aplicar no lombo do animal um doloroso ferro incandescente, tal como nos primórdios da pecuária. |
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