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Ex-aluno da Unicamp, Marcelo Rubens Paiva explica seu processo de criação literária
A memória afetiva e outras memórias
Foi um breve acerto de contas com a memória afetiva. Ao participar dia 27 de novembro do evento Leituras Literárias, o escritor, jornalista e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva, 43, viu-se no mesmo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) onde cursou pós-graduação entre 1991 e 1994. Foi lá que ganhou forma seu romance Não és Tu, Brasil (1996), ponto central do debate realizado no auditório do instituto. Nos reencontros, as lembranças invariavelmente espraiam por campos difusos. No caso do escritor, convergiram para o autobiográfico, estilo recorrente desde sua estréia em Feliz Ano Velho (1982), best-seller que o consagrou.
À platéia formada em sua maioria por estudantes, Paiva detalhou algumas das etapas da feitura de Não és Tu, Brasil, obra que funde elementos históricos e ficcionais. Na sua confecção, admite o escritor, foram esclarecidas as dúvidas sobre o paradeiro de seu pai, o deputado Rubens Paiva, desaparecido em 1971 por figurar no índex da ditadura militar. Seu crime foi ter sido relator da CPI do Ipes-Ibade, institutos que apoiaram o golpe de 64, não por obra do acaso mesmo ano da investigação na Câmara e da posterior cassação do parlamentar. Feitas as contas, deduz-se que os generais linha-dura esperaram sete anos para perpetrar a vingança.
Pesquisa - A matemática de Paiva foi outra. Somando-se os anos da ausência do pai - cujo corpo jamais foi encontrado -, atravessou duas décadas de angústia, até ir à luta no começo da década de 1990. Em paralelo à pós-graduação na Unicamp, o escritor decidiu pesquisar a trajetória de Rubens Paiva, um empresário bem-sucedido e nada afeito à luta armada, embora generoso com os perseguidos políticos, muitos dos quais retirados do país por sua interferência.
A empreita, levada a cabo durante seis anos, foi mais que uma exumação de um período nebuloso. Paiva foi fundo no mergulho nas coisas do passado. Vasculhou bibliotecas, percorreu arquivos, recolheu dezenas de depoimentos de pessoas que estiveram dos dois lados - ex-presos políticos que foram torturados e seus algozes. "Foi chocante", revelou o escritor, referindo-se às descobertas. "O romance finalmente enterrou meu pai".
O conjunto do material, explicou Paiva à platéia, lapidou o corpo de Não és Tu, Brasil, romance ambientado em 1969 no Vale do Ribeira. A escolha geográfica não foi aleatória. Era lá, numa fazenda de propriedade da família, que o escritor passava férias na infância. Como também foi lá nas montanhas da região que Carlos Lamarca e seus companheiros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) escaparam ao cerco de 1.500 homens comandados pelo coronel Erasmo Dias.
Ao cruzar os relatos de seus amigos do Ribeira com os de Erasmo Dias, por exemplo, Paiva descobriu que o episódio - tido como um exemplo de resistência heróica pela guerrilha da época - teve lances rocambolescos, sobretudo por parte dos subordinados do coronel, que batiam cabeça nas franjas da mata fechada. Teatro de guerra à parte, o escritor envolveu-se com a história de Lamarca, eleito protagonista de Não és Tu, Brasil. "Pelos depoimentos que colhi para compor o personagem, cheguei à conclusão de que ele era uma pessoa muito sensível e afável".
Depois de esquadrinhar personagens e responder a perguntas ("estou me sentindo num julgamento", brincou), Paiva falou rapidamente por que vem se dedicando à dramaturgia nos últimos anos. Descontada a adaptação de Feliz Ano Velho, vista por mais de um milhão de pessoas, a afinidade é antiga. 525 Linhas, por exemplo, foi publicada em 1989. Outras três peças suas foram encenadas com sucesso e uma quarta - que resvala nos conflitos de sua geração - acaba de estrear em São Paulo. O nome? No Retrovisor. Nada mais Marcelo Rubens Paiva.
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