Comentário
EUSTÁQUIO GOMES
"Não cabe reviver o passado, mas retomar suas esperanças e apostar em novos projetos coletivos de transformação social". Não é uma frase de efeito do professor Marcelo Ridenti, sociólogo do IFCH da Unicamp, mas possivelmente a síntese moral de seu livro Em busca do povo brasileiro- artistas da Revolução, do CPC à era da TV (Editora Record), que vem fazendo leitores (e cabeças) desde 2000.
A obra de Ridenti, além de contar boa parte da história cultural do país nas últimas três décadas, tocou em particular a sensibilidade daqueles que tiveram sua formação edulcorada (ou acachapada) pelos fenômenos sócio-políticos dos anos 60 e 70, época em que parecia haver um projeto coletivo da intelectualidade para a sociedade brasileira.
O que aconteceu ao ideal coletivo daqueles intelectuais - a maioria dos quais ainda em atividade - é uma das questões que Ridenti coloca em sua linha de reflexão, não apenas no livro mencionado mas também na entrevista que concede ao Jornal da Unicamp nesta edição.
Para Ridenti, o esvaziamento do "sonho coletivo" de ruptura com o subdesenvolvimento é um ponto de inflexão no projeto de afirmação da identidade político-cultural brasileira e coincide com o fim da ditadura militar, espécie de eixo catalisador da resistência cultural até 1984.
Assim, ao descrever o intelectual de nosso tempo preso no "círculo de ferro" da indústria cultural moderna ou o scholar "dissociado ou colocado acima dos problemas nacionais", Ridenti convida a uma reflexão que tem muito a ver com a universidade, seus objetivos e sua maneira de se colocar frente a questões de interesse da sociedade e do homem comum.
O fenômeno não é novo porque já havia ocorrido na sociedade americana com algumas décadas de antecipação. Há quem aposte que a sociedade americana chegou ao "Consenso de Washington" por abstenção crítica de seus intelectuais do pós-guerra. Cabe perguntar para onde teria ido o Brasil se o "sonho coletivo" dos intelectuais e atores culturais de que trata Ridenti não houvesse se esfumado na curva dos anos 80 e 90. E é instigante especular se, com a ascensão dos intelectuais de esquerda na eleição de 2002, o "sonho coletivo" se recomporá.
É ver para crer.