Pesquisadora localiza árvores raras em São
Paulo
Primeiro estudo do Programa Biota
concluído na região mostra diversidade
e raridades em fragmentos de mata
LUIZ
SUGIMOTO
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Paisagem de área rural em Campinas, que
mostra a ocupação pelo homem: pasto,
estrada e pequenas manchas de mata |
A tese
de doutorado de Karin dos Santos, do Instituto de
Biologia (IB) da Unicamp, é o primeiro trabalho
concluído na região de Campinas dentro
do Programa Biota-Fapesp, que visa a inventariar espécies
da flora e da fauna e os microorganismos encontrados
no Estado de São Paulo. A pesquisadora localizou
nada menos que 16 espécies raríssimas
de árvores, sem relatos no território
paulista, em 11 fragmentos de mata que contornam os
ainda bucólicos distritos de Sousas e Joaquim
Egídio. Há plantas que especialistas
consultados não conseguiram identificar.
A pesquisa
de Karin Santos, orientada pelos professores Luiza
Kinoshita e Flavio dos Santos, derruba uma crença,
ainda predominante entre botânicos que apreciam
incursões por densas florestas ou chapadas,
de que fragmentos pequenos de mata apresentam uma
diversidade insignificante, com características
de área altamente degradada e somente com espécies
pioneiras. Meu trabalho mostra que um fragmento
de 10 hectares pode ter tantas ou mais espécies,
por unidade de área, que outro de 100 hectares.
A mata de Sousas e Joaquim Egídio era contínua
e foi devastada quase por completo. Mesmo assim, encontrei,
em fragmentos pequenos, plantas inexistentes em áreas
maiores, ou porque morreram, ou porque nunca estiveram
lá. Inúmeros fatores influenciam para
a ocorrência ou não de certas espécies
no fragmento, e não necessariamente o tamanho,
explica a botânica.
A existência
de espécies nunca vistas no Estado e raras
também em outras regiões do país,
torna esta pesquisa importante para orientar projetos
de conservação dos pequenos fragmentos,
inclusive porque as amostras foram colhidas dentro
da Área de Proteção Ambiental
de Campinas, promulgada recentemente. No total,
contamos 280 espécies de árvores e alguns
fragmentos pequenos apresentaram mais espécies
do que os grandes. Além disso, registramos
grande variação entre os conjuntos de
espécies que ocorrem em cada fragmento, que
estão separados por curtas distâncias.
Isso aumenta a importância da conservação
dessas áreas, observa.
A forte pressão
imobiliária na região, já entremeada
por fazendas e agora com o anúncio de novos
condomínios rurais, dificulta o esforço
de preservação. A pesquisadora do IB
afirma, porém, que não há outra
saída senão a de preservar o que resta.
Poucos cumprem, mas é preciso vingar
a lei que obriga a preservação das matas
nas margens dos rios, não apenas para protegê-los
de processos de degradação como o assoreamento,
mas também para criar corredores interligando
os fragmentos de mata. Os corredores facilitariam
a migração de animais, que por sua vez
transportam sementes. Na mata do Ribeirão Cachoeira,
80% das árvores são frutíferas,
atraindo macacos, tucanos, cotias, capivaras. Vi bugio
andando na estrada para ir de uma mata a outra. Num
fragmento de 20 hectares encontramos o sagüi-taquara
(Calithrix aurita), que está na lista de extinção,
celebra Karin Santos.
A mata do Ribeirão Cachoeira, com 244 hectares,
é o maior fragmento estudado pela pesquisadora
do IB, que defende sua conservação não
apenas pelo tamanho, mas por reunir mais espécies
que os demais fragmentos juntos. Ao seu lado ergueram
o condomínio Colinas do Atibaia, mas aquela
vegetação raramente sofre a ação
de queimadas ou agrotóxicos, como ocorreu com
outra mata de mesma dimensão, a de Santa Genebra.
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O dossel, em foto hemisférica obtida com
lente grande angular de 180 graus: calculando
quanto há de árvore e quanto há
de céu |
Dossel Karin Santos
coletou amostras em 6.500 árvores. Em cada
um dos 11 fragmentos de mata, adotou como método
reunir 500 indivíduos em todos os estágios
de crescimento e, invariavelmente, detectou 100 espécies
diferentes por grupo. Para avaliar a saúde
da vegetação, a pesquisadora fotografou
as copas das árvores de baixo para cima, utilizando
uma lente grande angular que resultou em fotos hemisféricas,
as imagens do dossel. Este termo técnico,
embora grafado com dois s, permite medir
quanto há de árvore e quanto há
de céu numa mata. A imagem é contrastada
e um programa de computador calcula os percentuais
de preto e de branco. O preto é entendido como
dossel e o branco como céu: quanto mais dossel
no hemisfério total da foto, mais bem preservado
está aquele ponto de mata, explica.
Com exceção da mata
do Ribeirão Cachoeira, onde se mantém
o equilíbrio do sistema, os demais fragmentos
apresentaram um dossel mais aberto, o que significa
árvores com menos folhas e com galhos quebrados,
sofrendo pressões do vento ou de queimadas.
Da mesma forma, na mata do Ribeirão há
equilíbrio entre as plantas jovens e as que
estão morrendo, enquanto em outras os percentuais
chegaram a 50% de espécies extremamente debilitadas,
contra apenas 8% que entravam no sistema. Tudo
isso indica uma degradação futura. Sem
o combate às queimadas e o replantio de espécies
nativas, esses fragmentos podem desaparecer naturalmente.
Por sorte, a escala de tempo de uma árvore
é bem diferente da nossa.
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A biodiversidade fragmentada
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A pesquisadora Karin dos Santos: estudo pode orientar
projetos de conservação dos pequenos
fragmentos |
O Lançado em março
de 1999, o Programa Biota/Fapesp tem o objetivo é
mapear e analisar a biodiversidade do Estado de São
Paulo, incluindo a fauna, a flora e os microorganismos.
O Biota-Fapesp se desenvolve por meio de uma rede
virtual que interliga cerca de 500 pesquisadores paulistas
envolvidos em 38 projetos de pesquisa. Em 2001, o
programa passou a contar com o SinBiota, Sistema de
Informação Ambiental, que reúne
e integra as informações produzidas
pelos pesquisadores, permitindo a distribuição
das espécies catalogadas sobre uma base cartográfica
digital do Estado.
Os mapas do SinBiota mostram relevo,
rede de drenagem, vegetação e clima.
Ali estão os dados de mais de 4 mil espécies
de plantas, animais e microorganismos registrados
no território paulista. Quem quiser um exemplo,
pode fazer a busca de uma das espécies encontradas
por Karin Santos (veja lista nesta página):
no mapa, aparecerão somente dois pontos, localizando
Sousas e Joaquim Egídio.
O
Estado de São Paulo é formado basicamente
pelos biomas Mata Atlântica e Cerrado. Esses
ecossistemas foram incluídos recentemente na
lista de hotspots (regiões biologicamente mais
ricas e ameaçadas do planeta) organizada pela
Conservation Internacional. Segundo o Inventário
Florestal do Estado de 1993, São Paulo possui
33 milhões de hectares de mata natural, ou
seja, 13,4% de seu território. Cerca de 60%
da área remanescente de mata natural estão
na região litorânea. De 1962 a 1992,
a perda desta vegetação foi de 57%,
um índice alarmante.
Um dos principais problemas enfrentados
para a conservação dos remanescentes
florestais do Estado é sua extrema fragmentação.
No cerrado, por exemplo, os remanescentes estão
distribuídos em mais de 8.000 fragmentos. A
dificuldade de conservação da fauna
também reflete essa fragmentação
do ambiente: 62 espécies paulistas aparecem
na Lista de Animais Ameaçados de Extinção
do Brasil.
Tese:
Características florística e estrutural
de 11 fragmentos da mata estacional semidecidual
da APA de Sousas e Joaquim Egídio (Campinas).
Unidade: Instituto de Biologia
Autora: Karin dos Santos
Orientadora: Luiza Kinoshita
Co-orientador: Flavio dos Santos
Fonte de financiamento: tese incluída no
Projeto Biota/Fapesp
Auxílio Fapesp: R$ 32.000 |
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