HC reafirma vocação
de hospital terciário
Atendimento no PS será reorganizado
e ambulatórios vão priorizar casos de
maior complexidade
CLAYTON
LEVY
|
Gastão Wagner de Souza, secretário
executivo do Ministério da Saúde:
atendimento especializado |
A partir
de janeiro de 2004 a Unicamp iniciará a implantação
de um plano para readequar o Hospital de Clínicas
(HC) à sua verdadeira vocação,
que é a de hospital terciário e quaternário.
A proposta, que já foi discutida com a Divisão
Regional de Saúde (DIR12), ligada à
Secretaria de Estado da Saúde, e com os conselhos
municipais de saúde na região, prevê,
entre outras medidas, a reorganização
do atendimento no pronto-socorro e nos ambulatórios,
que passarão a dar prioridade aos casos referenciados
de maior complexidade.
Para isso, o antigo setor de pronto-socorro
passará a ser chamado de Unidade de Emergência
Referenciada (UER) cujo principal objetivo será
atender pacientes graves. Todo encaminhamento à
UEF será feito através de contato telefônico
pelos sistemas de resgate ou pela Central Reguladora
de Vagas da DIR12 e da prefeitura. O mesmo procedimento
deverá ser observado para as consultas ambulatoriais.
O HC também destinará 18% dos leitos
das especialidades para procedimentos considerados
estratégicos pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), como transplantes, cirurgias de epilepsia e
implante coclear, entre outros. Os leitos de UTI,
retaguarda do UER e oncologia ficaram fora destas
modificações.
O plano foi discutido por um grupo
de trabalho formado por 19 integrantes da área
de saúde, incluindo docentes, estudantes e
profissionais que respondem pelos diversos departamentos
do HC. Segundo o grupo, as mudanças têm
como principal objetivo preservar o papel do hospital
no sistema regionalizado e hierarquizado, instituído
pelo governo federal. A nossa proposta é
que o hospital universitário seja um espaço
de atendimento especializado, como transplantes e
tratamento do câncer, bem como de pesquisa,
ensino, residência e pós-graduação,
disse em recente entrevista ao Jornal da Unicamp o
secretário executivo Ministério da Saúde
e ex-secretário municipal de saúde,
Gastão Wagner de Souza.
Isso não significa, porém,
que a Unicamp deixará de fazer atendimento
primário e secundário na rede pública.
Segundo a diretora da Faculdade de Ciências
Médicas, Lilian Tereza Lavras Costallat, que
integrou o grupo de trabalho, esse atendimento continuará
ocorrendo como parte da formação dos
alunos de graduação e residência.
A diferença é que eles passarão
a atuar com mais intensidade nas unidades básicas
de saúde (UBS) e nos hospitais secundários
da rede pública, onde são inseridos
desde cedo como parte do currículo, explica.
Com essa mudança, a
população será atendida nas unidades
adequadas aos níveis de complexidade dos casos,
diz o diretor da DIR12, Sergio Grecco. Segundo ele,
o plano deverá desafogar o sistema e melhorar
a qualidade no atendimento regional.
Os municípios da região
já estão equipados para oferecer atendimento
primário e secundário, garante.
Grecco classificou o caso específico de Campinas
como privilegiado. De acordo com ele,
a rede municipal dispõe de técnicos
de alta qualidade, equipamentos modernos e unidades
bem estruturadas. O município é
capaz de atender facilmente à demanda que chega
à Unicamp sem estar referenciada para procedimentos
mais complexos, diz.
O diretor da DIR acredita que a
readequação do HC à sua vocação
original deverá gerar um impacto positivo em
todo o sistema. O que está sendo feito
chama-se educação em saúde,
afirma. Segundo ele, na medida em que o sistema é
organizado, pode-se racionalizar os recursos e elevar
a qualidade do atendimento. A Unicamp não
está fazendo isso sozinha; é um trabalho
integrado com a DIR e as prefeituras, observa.
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Ensino
terá impacto positivo
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Lilian Tereza Lavras Costallat, diretora da FCM:
discussão começou na academia |
A diretora da Faculdade
de Ciências Médicas, Lilian Tereza Lavras
Costallat, diz que o plano de readequação
no atendimento do HC da Unicamp deverá gerar
um impacto positivo na formação dos
estudantes de medicina. A redução
de pacientes primários é boa para o
ensino porque permitirá aos alunos mais tempo
para acompanhar os casos que chegam ao hospital,
diz. Além disso, segundo a diretora, os estudantes
também continuarão em contato com pacientes
primários e secundários, só que
nas Unidades Básicas de Saúde (UBS)
e nas unidades intermediárias, como o Hospital
Estadual de Sumaré.
A vantagem é
que o médico se formará compreendendo
os diferentes papéis das unidades que integram
o SUS em cada nível de complexidade,
explica. Lilian. Segundo ela, o contato dos estudantes
com pacientes primários será garantido
por uma parceria com a administração
municipal de Campinas, que garante o acesso deles
às UBS. A própria FCM custeou
a reforma de várias UBS para poderem acolher
os alunos de graduação e residentes
do HC, conta.
A diretora lembra,
ainda, que o grupo de trabalho que elaborou o plano
de readequação contou com a presença
de representantes da Comissão de Ensino e Graduação,
Comissão de Residência Médica,
e representante dos alunos de graduação.
É importante destacar que essa discussão
começou na academia, afirma.
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Os
números de uma distorção cultural
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Ivan Toro, superintendente do Hospital das Clínicas:
meta é reduzir déficit mensal |
Outra meta do plano,
segundo o grupo de trabalho, é reduzir o déficit
mensal do HC, da ordem de R$ 450 mil. De acordo com
o superintendente do hospital, Ivan Toro, o prejuízo
é em parte causado por procedimentos que o
hospital realiza, mas que não são remunerados
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Toro
diz que boa parte desse atendimento resulta da demanda
espontânea de pacientes que, em muitos casos,
segundo ele, deveriam ser atendidos em unidades de
nível secundário ou primário
da rede pública. Para ele, trata-se de uma
distorção cultural que se consolidou
nos últimos anos em razão da falta de
informação sobre o princípio
de hierarquização que rege o sistema
de saúde.
Essa distorção
fica evidente, por exemplo, quando são examinados
os números do pronto-socorro. O grupo de trabalho
que elaborou o plano de adequação constatou
que dos 350 pacientes que todos os dias recorrem ao
pronto atendimento do HC, 80% chegam espontaneamente,
ou seja, sem encaminhamento médico. Pela avaliação
dos diagnósticos de procura, observou-se que
apenas 20% dos pacientes caracterizam casos graves
e portanto deveriam ser assistidos pela Unicamp. Do
total de pessoas atendidas, 70% são procedentes
de Campinas, 20% de Sumaré e Hortolândia,
e os 10% restantes vêm de outros municípios.
Toro diz que esse quadro
gera impactos negativos em várias frentes.
Em outubro desse ano, por exemplo, o custo dos atendimentos
no pronto-socorro chegou a R$ 657 mil enquanto a remuneração
do SUS cobriu apenas R$ 122,5 mil. Segundo o superintendente,
isso ocorre porque o SUS, pela pactuação
do sistema, remunera a Unicamp apenas pelos casos
de alta e média complexidade. Como temos
uma demanda batendo à porta, acabamos atendendo,
diz. Com isso, atendemos a um excedente pelo
qual não temos contrato, destaca.
O superintendente explica
que o pacto com o SUS estabelece um teto anual de
R$ 85 milhões, mas os gastos efetivos chegam
a R$ 230 milhões. Mensalmente, o SUS destina
à Unicamp R$ 7 milhões. Esse dinheiro,
porém, é dividido entre as demais unidades
de saúde da Unicamp, como Gastrocentro, Hemocentro
e Centro de Atenção Integral à
Saúde da Mulher (Caism). Com isso, sobram para
o HC R$ 3,5 milhões, que são insuficientes
para cobrir todos os gastos.
Segundo Toro, em setembro
os gastos superaram o teto em R$ 900 mil e, em outubro,
o déficit chegou a R$ 400 mil. Só com
tomografias o prejuízo chega a cerca de R$
50 mil por mês. Pelo teto, podemos realizar
600 tomografias mensais, mas na prática acabamos
fazendo mais de mil, exemplifica.
A readequação
do atendimento, segundo Toro, permitirá corrigir
estas distorções, fazendo com que o
HC retome o seu papel de hospital terciário.
Outra vantagem, segundo o superintendente, será
a ampliação no atendimento aos casos
considerados estratégicos pelo SUS, como transplantes
de órgãos, cirurgias de epilepsia e
implante coclear, entre outros. Por serem considerados
estratégicos e de alta complexidade, estes
procedimentos contam com verbas extra-teto garantidas
pelo Ministério da Saúde independente
de sua quantidade.
A médio prazo,
diz Toro, o HC Unicamp terá, com as mudanças,
melhores condições de participar da
regionalização, hierarquização
da demanda e equidade no atendimento, cumprindo o
papel esperado pela academia e pela população
, na direção de um Sistema Único
de Saúde melhor.
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Atendimento
básico é responsabilidade do município
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Paulo Eduardo,
pró-reitor de Desenvolvimento Universitário:
a porta de entrada do sistema não deve
ser o hospital |
A política que
direciona as ações do Sistema Único
de Saúde (SUS) atribui aos municípios
a responsabilidade pelo atendimento básico
de saúde. Para isso, o governo federal instituiu
o Piso de Atenção Básica (PAB),
através do qual as prefeituras recebem mensalmente
1 real por habitante, a fim de garantirem os procedimentos
fundamentais na rede primária. Campinas, com
cerca de um milhão de habitantes, recebe anualmente
R$ 12 milhões para oferecer esse atendimento.
Além do PAB, os municípios também
podem fazer ações mais complexas, dependendo
de sua estrutura. Através do modelo de
gestão plena, a prefeitura recebe por aquilo
que se propõe a fazer, explica o pró-reitor
de Desenvolvimento Universitário e ex-superintendente
do HC, Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva. O
município está credenciado e tem autonomia
para gerir o sistema controlado pelo seu conselho
municipal de saúde, completa.
Em razão dessa
política, há cinco anos os hospitais
universitários de perfil terciário,
a exemplo do HC da Unicamp, deixaram de receber verbas
federais para o atendimento primário, a fim
de centrar seu foco nos casos mais complexos, que
não podem ser atendidos nas Unidades Básicas
de Saúde (UBS) ou hospitais secundários.
Isso significa que a porta de entrada do sistema
não é o hospital, e muito menos o hospital
terciário, diz o pró-reitor.
O pró-reitor
explica que a porta de entrada do sistema é
sempre uma UBS. Quando se trata de um caso de
emergência, o paciente deve ser levado para
uma unidade de pronto atendimento, diz. Segundo
ele, o sistema também funciona na horizontal,
permitindo que pacientes de uma determinada cidade
sem hospital secundário sejam atendidos em
municípios vizinhos que disponham dessa estrutura,
em vez de serem levados ao hospital terciário.
Alguns municípios
fazem isso, mas outros, acabam buscando outras maneiras
de atender o paciente, como oferecer o transporte
para levá-lo ao hospital terciário,
diz Rodrigues da Silva. De outras vezes, segundo o
pró-reitor, o município faz a sua parte,
mas os moradores acabam se dirigindo espontaneamente
ao hospital terciário quando poderiam ser atendidos
numa UBS próxima à sua casa. O
pronto atendimento referenciado tem como objetivo
direcionar para o lugar certo essa demanda espontânea,
explica.
O paciente só
poderia ser encaminhado ao pronto atendimento com
a garantia de que o hospital terá vaga para
interná-lo em seguida. Quando o paciente
chega sem essa referência, ocorre uma sobrecarga
na capacidade de atendimento do hospital. Segundo
Rodrigues da Silva, o plano de readequação
do HC só não foi implementado antes
porque as prefeituras não estavam dotadas da
estrutura necessária. Agora elas estão
e precisam fazer pelo menos o atendimento básico,
conclui.