+
Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 240 - de 8 a 23 de dezembro de 2003
Leia nessa edição
Capa
Artigo: crer ou não crer
HC: hospital terciário
Do ofício à experiência
C&T: qualidade de vida
Pesquisa: destilador molecular
Discussão: tecnociência
Cooperunicamp: estímulo
Altec: unicamp é destaque
Estudo: maturação sexual
Painel da semana
Oportunidades
Teses da semana
Idosos: retratos da velhice
Sensoriamento remoto
 


 

4

Do ofício acadêmico
à experiência de governo
Livro traz depoimentos de intelectuais
da Unicamp que integraram o governo FHC

EUSTÁQUIO GOMES

Paulo Renato, Vilmar Faria,Barjas Negri,
José Serra, Maria Helena Castro e Carlos Américo Pacheco

Poucas são, no Brasil, as instituições de ensino superior que lograram consolidar a tradição de fornecer quadros para os mais altos estamentos da República, passando a influir decisivamente na formulação das grandes políticas públicas. Do Império ao Estado Novo, este foi um privilégio de quatro ou cinco escolas jurídicas. A Universidade de São Paulo começou a dar ministros e secretários de Estado a partir da segunda metade do século XX. Três décadas mais jovem, a Unicamp despontou como um celeiro de primeira grandeza em meados da década de 80, primeiro no plano estadual, com o governador Franco Montoro, e em seguida no federal com a ascensão do grupo que gravitava em torno do ministro Dílson Funaro, no governo Sarney.

Diferentemente dos bacharéis – engenheiros ou advogados – que sempre ocuparam funções ministeriais às expensas de sua reputação política, no caso dos doutores da Unicamp a percepção de sua tarefa pública nunca deixou de estar relacionada com sua origem acadêmica, como se a universidade agisse em bloco em nome de um pensamento unívoco. Foi assim que, nos meados de 80, a Unicamp levou o bônus e o ônus do Plano Cruzado, a princípio celebrado e depois execrado.

Ao dar curso a essa questão e freqüentemente desmistificando-a, a jornalista Mônica Teixeira constrói, ao longo de uma série de conversas com cinco protagonistas do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) – a cientista social Maria Helena Castro e os economistas Carlos Américo Pacheco, Barjas Negri, Paulo Renato Souza e José Serra –, um livro que vai muito além do interesse institucional. Universidade e Governo: professores da Unicamp no período FHC (Escuta, 2003) mostra, no dizer do próprio ex-presidente, que prefacia a obra, como se dá “o diálogo entre o conhecimento acadêmico e a experiência de governo”, considerando-se os acadêmicos como vozes novas nas relações “entre estado, sociedade e economia”.
Acostumada a temperar suas entrevistas com o sal do contraditório, Mônica Teixeira, organizadora da obra, trata de fazer com que seus interlocutores não se limitem a bater o tambor de suas realizações – que sempre as há, em menor ou maior grau – mas também a desatar o nó górdio de seus impasses.

Por um feliz acaso, quatro atuaram em duas áreas sociais vitais: a saúde e a educação. Dois foram ministros e um deles, José Serra, não se tornou presidente da República por razões que a história explicará mais tarde, quando as cabeças se colocarem outra vez acima do nevoeiro. Paulo Renato confessa que bolou o Provão andando na praia e admite que o que pretendia, mesmo, era ser ministro do Planejamento. Seu principal feito foi chegar perto da universalização das matrículas no ensino fundamental, o que não é pouco. Serra ganhou a batalha dos genéricos contra a indústria farmacêutica, baixou a taxa de mortalidade infantil e fez o que pôde para reorganizar o sistema de saúde. Graças a isso as políticas sociais foram um dos pontos fortes do governo FHC, no entender de Serra, ao lado da estabilidade de preços e da consolidação do processo democrático.

Universidade e
Governo: Professores da Unicamp no
Período FHC.
Organização: Mônica Teixeira.
Entrevistas a Mônica Teixeira
e Clayton Levy.
Editora Escuta, São Paulo, 2003.
272 páginas.

Resta saber por que a sociedade não depositou em Serra o voto de confiança que havia dado a Fernando Henrique em 1994 e 1998. Nunca tinha havido antes uma tal constelação de intelectuais, e não só da Unicamp, num mesmo governo. Nunca uma percepção tão aguda do cenário global, das correlações internacionais de força econômica e – como diz o falecido Vilmar Faria no artigo que abre o livro – “dos limites estruturais atingidos pela industrialização protegida, da reorganização do capital internacional, da crise do estado de bem-estar social, da planetarização dos processos de produção e do crescimento da importância do conhecimento como fator estratégico para as nações”.

Então, por quê? A resposta é dada pelo próprio Serra no final de sua entrevista: “Uma das heranças da ditadura, que permaneceu presente na época da democratização, foi a de que o governo está sempre errado e a sociedade sempre certa”. Ao constatar que “há um permanente catastrofismo em relação aos indicadores sociais”, Serra admite que houve um indicador que francamente teve um desempenho ruim no governo passado – o do emprego. E conclui: “Não tenho dúvida de que o emprego é a variável social mais crítica”.

Segundo esse raciocínio, Serra foi derrotado pelas taxas de desemprego. Sabemos que não foi só por isso – muitas outras variáveis compõem o espectro de uma sucessão presidencial – mas, pelo sim ou pelo não, eis um sinal de alerta para o governo que aí está. O qual, como se sabe, continua a ter a presença da Unicamp em algumas de suas áreas mais sensíveis; o que, afinal, deixa claro a pluralidade de idéias da instituição e seu poder de fogo enquanto celeiro de inteligências, independentemente de cor ideológica.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP