Do ofício acadêmico
à experiência de governo
Livro traz depoimentos de intelectuais
da Unicamp que integraram o governo FHC
EUSTÁQUIO
GOMES
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Paulo Renato, Vilmar Faria,Barjas Negri,
José Serra, Maria Helena Castro e Carlos
Américo Pacheco |
Poucas
são, no Brasil, as instituições
de ensino superior que lograram consolidar a tradição
de fornecer quadros para os mais altos estamentos
da República, passando a influir decisivamente
na formulação das grandes políticas
públicas. Do Império ao Estado Novo,
este foi um privilégio de quatro ou cinco escolas
jurídicas. A Universidade de São Paulo
começou a dar ministros e secretários
de Estado a partir da segunda metade do século
XX. Três décadas mais jovem, a Unicamp
despontou como um celeiro de primeira grandeza em
meados da década de 80, primeiro no plano estadual,
com o governador Franco Montoro, e em seguida no federal
com a ascensão do grupo que gravitava em torno
do ministro Dílson Funaro, no governo Sarney.
Diferentemente dos bacharéis
engenheiros ou advogados que sempre
ocuparam funções ministeriais às
expensas de sua reputação política,
no caso dos doutores da Unicamp a percepção
de sua tarefa pública nunca deixou de estar
relacionada com sua origem acadêmica, como se
a universidade agisse em bloco em nome de um pensamento
unívoco. Foi assim que, nos meados de 80, a
Unicamp levou o bônus e o ônus do Plano
Cruzado, a princípio celebrado e depois execrado.
Ao dar curso a essa questão
e freqüentemente desmistificando-a, a jornalista
Mônica Teixeira constrói, ao longo de
uma série de conversas com cinco protagonistas
do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002)
a cientista social Maria Helena Castro e os economistas
Carlos Américo Pacheco, Barjas Negri, Paulo
Renato Souza e José Serra , um livro
que vai muito além do interesse institucional.
Universidade e Governo: professores da Unicamp no
período FHC (Escuta, 2003) mostra, no dizer
do próprio ex-presidente, que prefacia a obra,
como se dá o diálogo entre o conhecimento
acadêmico e a experiência de governo,
considerando-se os acadêmicos como vozes novas
nas relações entre estado, sociedade
e economia.
Acostumada a temperar suas entrevistas com o sal do
contraditório, Mônica Teixeira, organizadora
da obra, trata de fazer com que seus interlocutores
não se limitem a bater o tambor de suas realizações
que sempre as há, em menor ou maior
grau mas também a desatar o nó
górdio de seus impasses.
Por um feliz acaso, quatro atuaram
em duas áreas sociais vitais: a saúde
e a educação. Dois foram ministros e
um deles, José Serra, não se tornou
presidente da República por razões que
a história explicará mais tarde, quando
as cabeças se colocarem outra vez acima do
nevoeiro. Paulo Renato confessa que bolou o Provão
andando na praia e admite que o que pretendia, mesmo,
era ser ministro do Planejamento. Seu principal feito
foi chegar perto da universalização
das matrículas no ensino fundamental, o que
não é pouco. Serra ganhou a batalha
dos genéricos contra a indústria farmacêutica,
baixou a taxa de mortalidade infantil e fez o que
pôde para reorganizar o sistema de saúde.
Graças a isso as políticas sociais foram
um dos pontos fortes do governo FHC, no entender de
Serra, ao lado da estabilidade de preços e
da consolidação do processo democrático.
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Universidade e
Governo: Professores da Unicamp no
Período FHC.
Organização: Mônica Teixeira.
Entrevistas a Mônica Teixeira
e Clayton Levy.
Editora Escuta, São Paulo, 2003.
272 páginas. |
Resta saber por que a sociedade
não depositou em Serra o voto de confiança
que havia dado a Fernando Henrique em 1994 e 1998.
Nunca tinha havido antes uma tal constelação
de intelectuais, e não só da Unicamp,
num mesmo governo. Nunca uma percepção
tão aguda do cenário global, das correlações
internacionais de força econômica e
como diz o falecido Vilmar Faria no artigo que abre
o livro dos limites estruturais atingidos
pela industrialização protegida, da
reorganização do capital internacional,
da crise do estado de bem-estar social, da planetarização
dos processos de produção e do crescimento
da importância do conhecimento como fator estratégico
para as nações.
Então, por quê? A resposta
é dada pelo próprio Serra no final de
sua entrevista: Uma das heranças da ditadura,
que permaneceu presente na época da democratização,
foi a de que o governo está sempre errado e
a sociedade sempre certa. Ao constatar que há
um permanente catastrofismo em relação
aos indicadores sociais, Serra admite que houve
um indicador que francamente teve um desempenho ruim
no governo passado o do emprego. E conclui:
Não tenho dúvida de que o emprego
é a variável social mais crítica.
Segundo esse raciocínio,
Serra foi derrotado pelas taxas de desemprego. Sabemos
que não foi só por isso muitas
outras variáveis compõem o espectro
de uma sucessão presidencial mas, pelo
sim ou pelo não, eis um sinal de alerta para
o governo que aí está. O qual, como
se sabe, continua a ter a presença da Unicamp
em algumas de suas áreas mais sensíveis;
o que, afinal, deixa claro a pluralidade de idéias
da instituição e seu poder de fogo enquanto
celeiro de inteligências, independentemente
de cor ideológica.