A tecnociência no centro da discussão
(embora ela não goste)
ÁLVARO
KASSAB
Considerando
a centralidade da tecnociência hoje, não
há como trabalhar a sociedade contemporânea
se não discutirmos seu papel e o conseqüente
impacto das novas tecnologias na sociedade.
A afirmação é do professor Laymert
Garcia dos Santos, do Departamento de Sociologia,
que acaba de lançar o livro Politizar as novas
tecnologias, obra que reúne artigos publicados
ao longo dos anos 90. Para abordar o tema central,
o professor percorre diferentes áreas, entre
elas a arte, o meio ambiente e a biotecnologia. Na
entrevista que segue, Laymert Garcia dos Santos detalha
alguns dos temas explorados por ele no livro.
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Doutor em Ciências da Informação
pela Universidade de Paris VII, Laymert Garcia
dos Santos é professor e chefe do Departamento
de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Unicamp (IFCH) e membro do Centro de
Estudos dos Direitos da Cidadania da USP. É
autor de Desregulagens, Alienação
e capitalismo (Brasiliense, 1981) e Tempo
de Ensaio (Companhia das
Letras, 1989) |
Jornal
da Unicamp Por que o senhor considera importante
politizar as discussões sobre os efeitos das
novas tecnologias?
Laymert Garcia dos Santos Uma das questões
mais interessantes da situação contemporânea
é que a tecnociência não gosta
de ser colocada no centro da discussão. Considerando
a centralidade da tecnociência hoje, não
há como trabalhar a sociedade contemporânea
se não discutirmos seu papel e o conseqüente
impacto das novas tecnologias na sociedade. E preciso
politizar esse debate. É preciso colocar a
tecnociência no centro e começar a discutir
politicamente o que ela faz, o que ela é, o
que ela pretende, o que faz conosco e o que nós
fazemos com ela. No livro, não faço
outra coisa senão reatar com uma série
de autores que já trabalhavam nessa direção.
Nietzsche, por exemplo, na Genealogia da Moral, já
colocava no século 19 a urgência de politizar
a discussão sobre a biologia. Hoje estão
em debate a clonagem, uma nova eugenia, a modificação
ou não da natureza humana, se a chamada medicina
pós-humana altera ou não o patrimônio
genético dos indivíduos, a bioética
etc.
JU O senhor dedica uma
parte do começo do livro à Lei das Patentes.
Qual o seu papel nesse contexto?
Laymert É quase impossível
discutir patentes sem vinculá-la à questão
do acesso aos recursos genéticos. Patente é
acesso à tecnologia, você tem de pagar
por um determinado tipo de conhecimento. Nos anos
80, a questão das patentes foi colocada de
um modo muito interessante, desfavoravelmente para
nós. Os países do primeiro mundo pretendiam
regular o acesso à tecnologia, mas pleiteavam
o livre acesso aos recursos genéticos. Escrevi
esses textos há dez anos e o tempo mostrou
que eu estava certo. Houve a regulação
do ponto de vista da tecnologia, mas não quanto
ao acesso aos recursos genéticos. A questão
portanto continua aberta. A dificuldade em se conseguir
regular o acesso aos recursos mostra o quanto as pressões
existem para que tenhamos duas velocidades. Uma, que
nos favoreça e anda em marcha lenta, e outra
que vai em marcha ultra-rápida que é
a questão da regulação do acesso
à tecnologia, que nós não temos.
Só o fato de existirem essas duas velocidades
já mostra por si mesmo o tratamento diferenciado
que é dado para as questões que interessam
àqueles que estão na estratégia
da aceleração total e àqueles
que não estão.
JU - O senhor diz que o plano da informação
passa a ser a medida das coisas, jogando por terra
antigos paradigmas, inclusive o referencial do humanismo
moderno. Como fica a noção do trabalho
nesse contexto?
Laymert Não que Marx estivesse
errado, ao contrário, mas a terceira revolução
industrial mostrou que a categoria trabalho precisa
ser repensada precisamente porque a tecnologia é
trabalho e invenção. A terceira revolução
mostrou que o trabalho enquanto dispêndio de
energia passa a ser menos importante do que a invenção.
O trabalho tecnocientífico, que é o
trabalho de invenção, ganhou centralidade.
Isso deslocou a centralidade do trabalho tal qual
nós entendíamos na primeira revolução
industrial. Com isso, o conhecimento ganhou também
uma centralidade até então inédita.
O trabalho tecnocientífico tem hoje um valor
que o trabalho perdeu. Isso é manifestado através
da propriedade intelectual, que passou a ser a nova
riqueza. Ao mesmo tempo observa-se uma desqualificação
e uma marginalização progressiva da
força de trabalho industrial.
JU - Qual seriam seus efeitos?
Laymert Tem um efeito negativo fantástico.
Nós esperávamos chegar lá contando
com uma massa enorme de trabalho desqualificado, barato;
achávamos que poderíamos continuar nosso
processo de acumulação através
dele. Mas hoje esse trabalho não serve para
nada. O fato de termos esse monte de gente que poderia
fornecer trabalho barato deixou de ser um trunfo e
passou a ser um fardo, um estorvo. De certa maneira
é o Fernando Henrique sugerindo que havia uns
30 milhões de brasileiros descartáveis
- para usar um termo do subcomandante Marcos, do exército
zapatista. Trata-se de uma mão-de-obra que
não serve para a produção dessa
nova fase do capitalismo. Estou mencionando isso porque
na verdade a centralidade do conhecimento e a centralidade
da inovação é que dão
o motor da estratégia de aceleração
total, econômica e tecnocientítifica.
JU - Que por tabela gera exclusão...
Laymert Sem dúvida. O que acontece
com o Brasil é que não só não
somos capazes de nos desenvolver, como estamos desmontando
o pouco que a gente tinha de potencial. É só
ver o que está acontecendo com a universidade
pública no Brasil. Estamos nos desindustrializando,
voltando a ser exportadores só de matérias-primas
agrícolas. De certa maneira está sendo
reposta, em outro patamar, uma situação
neocolonial. Vivemos uma espécie de regressão.
Num momento em que o conhecimento é fundamental,
nós estamos acabando com as poucas fontes de
produção de conhecimento. Num momento
em que a inovação é absolutamente
capital, o máximo que a gente consegue fazer
é copiar. Como podemos acreditar que seremos
o país do futuro, se o futuro já era?
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Festa em tribo Ianomami (acima) e desmatamento
na floresta amazônica(abaixo): segundo Laymert,
nossa riqueza revela nossa fraqueza |
JU - Qual seria a saída
para esse impasse?
Laymert Não vejo solução,
não que eu seja pessimista. É que vejo
que, no processo tal como ele se desenha, se sobrou
para nós o desmanche da modernização,
o que é que nós vamos fazer? É
uma pergunta trágica, levantada por Roberto
Schwarz, mas precisa ser feita. Não vejo sequer
condições de haver uma mudança
estrutural. Pior do que isso é não querermos
enxergar a situação na qual nós
nos encontramos. Os efeitos que esse processo tem
sobre a própria crise da universidade, por
exemplo, também não são discutidos.
A questão é reduzida, considerada apenas
como se fosse apenas um problema de interesses corporativos,
de privilégios, ou um problema de contabilidade.
JU - Quando esse desmanche teve início?
Laymert Ele começa quando o próprio
desenvolvimento do capitalismo deixou de incluir todo
mundo, como era a perspectiva até os anos 70/80.
Foi o divisor de águas. Nesse livro, tento
mostrar justamente como a terceira revolução
industrial, que chamo de virada cibernética,
mudou completamente o referencial está
transformando a realidade , e também
o pensamento sobre esse referencial, inclusive sobre
o que é o humano. O objetivo é discutir
até a transformação da natureza
humana, que é um tema eminentemente contemporâneo.
O entendimento do que é humano mudou e temos
que acompanhar isso até para entender o que
está acontecendo conosco.
JU
- E a noção do saber?
Laymert O saber se tornou hoje fundamental
por causa da questão da inovação
e da aliança entre a tecnociência e o
capital global e por causa da importância que
a propriedade intelectual tem na constituição
da riqueza daqui para frente. O que interessa para
o capitalismo de ponta é também o que
interessa para a tecnociência. É a exploração
da dimensão virtual da realidade. Para você
explorá-la e operar nesse nível, só
com conhecimento. A realidade virtual cabe na exploração
da dimensão virtual da realidade, mas não
a esgota.
JU Alguns teóricos afirmam que esse
conhecimento seria mais fragmentado. O senhor concorda?
Laymert O próprio regime de propriedade
intelectual mostra como você tem uma intervenção
que é ao mesmo tempo molecular e planetária.
Você vai acessar a informação
aonde ela estiver no planeta, mas através do
trabalho tecnocientífico você vai conferir
um valor a ela e exercer a apropriação
desse valor através de um sistema legal reconhecido
globalmente. Portanto, você interfere no plano
micro, mas o alcance da sua interferência, no
mesmo plano micro, é global. A realidade virtual
entra nessa história através do modo
como a informação digital e a genética
são hoje a base a partir da qual se constrói
a nova riqueza.
JU Seu livro discute também a relação
entre a tecnologia e a arte. Até que ponto
a arte se apropria das tecnologias e em que medida
ela pode servir de resistência a esse estado
de coisas?
Laymert Não separo as duas coisas.
O que me interessa na arte é o modo como ela
questiona e explora outros devires que não
os programados pela aliança entre a tecnociência
e o capital global. A arte pode incorporar isso com
ou sem recursos tecnológicos. No caso do filme
Dançando no Escuro [Lars von Trier], por exemplo,
o que me interessa é justamente o fato de você
tomar a tecnologia de ponta como uma aliada para fazer
uma discussão e uma exploração
desses outros devires, mostrando que eles podem acontecer
inclusive dentro de sociedades altamente tecnológicas.
A arte me interessa para olhar para frente, ela é
uma interrogação do que está
por vir. Mas isso só pode ser percebido dentro
de uma perspectiva crítica. Porque o próprio
mercado de arte contemporâneo também
está interpelando as novas tecnologias, com
objetivo diferente do meu, é claro, que é
perceber justamente aquilo que escapa. O deles é
perceber aquilo que tem potencial para ser capturado
pelo sistema.
JU - Quais seriam as diferenças entre as
formas de resistência manifestadas pela arte
nas décadas de 60, 70 e 80 e as de hoje?
Laymert A resistência hoje precisa
ser muito mais complexa e mais sofisticada do que
ela foi, inclusive no nível da linguagem. Isso
porque o próprio sistema se complexificou e
se sofisticou enormente. Portanto hoje, se você
quiser fazer resistência, é preciso levar
em conta a mudança de paradigma. Nas artes
plásticas, por exemplo, a gente está
vendo um interesse da alta finança que não
existia há 30 anos. Por que esse interesse
se ela nem produz obra, se não existe mais
nem objeto para ser comercializado? No meu entender,
está interessada porque sabe que ela própria
tem de lidar com a dimensão virtual da realidade.
A alta finança já lida com isso. Ela
quer ver como pode explorar e capturar os diferentes
modos de atualização desses devires
que estão acontecendo. Não importa se
não existem objetos; os circuitos são
controlados... Não importa se você não
pode se apropriar da produção; você
pode se apropriar, de uma certa maneira, da própria
definição do campo do que pode ser arte
ou não. As instituições bancárias,
por exemplo, fazem perfis e prospecção
entre jovens artistas.
JU - Em que medida essa estratégia se difere
da usada pelo mecenato tradicional?
Laymert É muito diferente, a
começar da interferência no próprio
processo de criação. No mecenato, de
certa maneira, você tem muito pouca intervenção
do mecenas no modo como aquilo é produzido.
Aqui, não. Se o mercado de arte já define
quem é artista, antes até de o gesto
ser feito, você tem um nível de intervenção
muito grande.
JU Num texto de 1993 publicado no livro,
o senhor alertava para a encruzilhada em que se encontrava
a política ambiental brasileira. O que mudou
de lá para cá?
Laymert Acho que não mudou, fundamentalmente.
Os temas que estavam colocados lá continuam
valendo. De certo modo, diria que apesar dos progressos
e de tudo que aconteceu na última década,
tenho a impressão que a questão ambiental
não entrou ainda na cabeça dos brasileiros.
Continua sendo uma questão paralela e menor.
Basta ver, por exemplo, o modo como é pensada
a retomada do desenvolvimento no governo Lula. Mesmo
como uma ministra [Marina Silva] que advoga a transversalidade
da questão ambiental, que advoga que a questão
ambiental deve perpassar toda a política pública
brasileira, isso não está acontecendo.
Acho que a encruzilhada na qual estávamos em
1993, continua aí e mais agudizada do que há
dez anos. As questões e as tensões se
agravaram.
JU No livro, o senhor
diz que a biotecnologia não morre de amores
pela biodiversidade da floresta tropical brasileira.
Como o senhor vê as relações entre
a biotecnologia e o biomercado?
Laymert Apesar de projetos importantes
na década passada, entre eles o Xylella da
Fapesp, não está resolvida a tensão
estabelecida entre país número um em
megadiversidade e o pouco desenvolvimento em biotecnologia.
Não estamos sabendo conduzir essa história,
até porque não foi construída
uma ponte interessante entre os cientistas e os ambientalistas.
De certo modo, temos uma espécie de polarização,
no próprio campo, dessa tensão. Ficaram
os ambientalistas de um lado, e os cientistas do outro.
JU A que o senhor atribui
essa distância?
Laymert À falta de diálogo
entre eles; falta amadurecimento. A melhor maneira
de conduzir a questão não era a de uma
polarização de campos. A questão
dos transgênicos mostra que boa parte dos cientistas
está do lado da Monsanto, ou até de
alguns projetos de biotecnologia bastante discutíveis.
Os ambientalistas consideraram que os cientistas estão
do lado de lá; por outro lado, quando escutamos
os discursos dos cientistas, vemos que eles consideram
arcaica toda discussão a respeito do impacto
sociotécnico da biotecnologia. O campo é
minado.
JU Como o senhor vê
o papel do governo nesse episódio?
Laymert É interessante notar
que no governo FHC, até do ponto de vista da
ação que foi feita pelo Greenpeace e
o Instituto de Defesa do Consumidor com respeito à
questão dos transgênicos, o processo
que ocorreu era emblemático. Nós tínhamos
a sociedade civil nacional e global de um lado, e
o estado e a corporação transnacional
de outro. A questão tal qual está sendo
levada no governo Lula mostra que houve uma transformação.
O estado não está mais monoliticamente
colocado do lado da corporação. Você
tem um conflito que atravessa o estado. E a sociedade
civil está retomando a mesma posição
que tinha antes. Isso significa, de uma certa maneira,
que a questão está sendo discutida e
que ganhou um outro patamar. Acredito que temos hoje
um debate muito mais intenso. O fato de a sociedade
ter conseguido com que pelo menos uma fração
do estado escute suas reivindicações,
traz um nova dimensão para o conflito. A questão
se tornou agora mais interessante, mas a ambigüidade
continua.
JU Até que ponto
os componentes históricos interferem nesse
quadro?
Laymert O Brasil tem um problema sério
que é o modo como as elites se relacionam com
essa terra. Sérgio Buarque já dizia
em Raízes do Brasil que somos uns desterrados
em nossa própria terra. Acho que essa questão
continua. Podemos ver a continuidade dessa questão
atravessando o século 20 não só
pelo modo como as elites tratam a própria terra,
mas também como tratam os nativos da terra,
que são os povos indígenas. Só
a partir dos anos 80 começou, ainda que timidamente,
uma mudança de mentalidade com relação
ao problema. Essa mudança está em curso,
mas ela ainda não conseguiu transformar a relação
das elites com os nativos.
JU Qual é o efeito
disso?
Laymert Faz com que os nativos sejam
estrangeiros em sua própria terra. E faz, ao
mesmo tempo, com que tenhamos uma relação
com a terra que parte de um negativo, de um recalque.
De saída, recalcamos aqueles que são
da terra. Portanto, não enfrentamos positivamente
o problema; assim, nunca poderemos saber quem somos.
Apesar de a Constituição de 1988 ter
reconhecido a integralidade dos direitos dos povos
indígenas, vemos que hoje a mentalidade predominante,
principalmente nas elites, é a de negação
do vínculo com a terra. Isso é extremamente
complicado.
JU No livro, também
em artigo escrito no início da década
de 90, o senhor escreve que hoje, como plantas
silvestres, animais selvagens e germoplasma, o povo
brasileiro está se tornando res nullius e matéria-prima
para a biotecnologia e o biomercado externo.
Na semana passada, uma quadrilha internacional de
tráfico de órgãos foi presa em
Pernambuco, o que demonstra o componente premonitório
do alerta. Quais são os riscos de o problema
fugir ao controle no campo da biotecnologia?
Laymert Escrevi esse texto em função
do impacto que tinha, naquele período, e que
continua tendo, a chegada da biotecnologia na questão
dos recursos genéticos humanos. Apesar das
ressalvas e das exceções, não
temos tecnologia de ponta, mas temos recursos genéticos.
No caso, a biodiversidade é grande, mas a sociodiversidade
também o é. E a sociodiversidade está
ligada justamente à sobrevivência desses
povos indígenas. São quase 200, e existem
aqueles que sequer foram contactados. Na medida em
que essa riqueza em sociodiversidade não é
reconhecida e valorizada, se torna presa fácil
para uma possível exploração.
Isso fica caracterizado de um modo muito claro, por
exemplo, quando constatamos que o projeto de acesso
a recursos genéticos, de autoria de Marina
da Silva, está tramitando há oito anos
no Congresso e até hoje não foi votado
e regulamentado. Isso dá uma idéia não
só das dificuldades da questão como
também de como tratamos o problema da megadiversidade.
Por outro lado, apesar do reconhecimento da Constituição
de 88, e apesar de ter uma série de proibições
com relação ao acesso a genes humanos
no Brasil, sabemos que existem coletas. Temos uma
legislação ambiental muito boa, mas
ao mesmo tempo sua aplicação é
extremamente falha. Essa questão do acesso
aos recursos genéticos humanos é complicada
porque desde os anos 80 a gente sabe que esse patrimônio
genético específico de populações
tradicionais tem interesse grande por parte das farmacêuticas
e outros.
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Cena do filme Dançando no Escuro, dirigido
por Lars von Trier: tecnologia como aliada |
JU Que tipo de interesse?
Laymert Esse patrimônio específico
muitas vezes permite acesso a recursos genéticos
que podem ser interessantes. De certo modo, a nossa
riqueza revela a nossa fraqueza.
JU No livro, o senhor
afirma que o país parece enveredar pelo caminho
da ruptura. Quais seriam os elementos que apontam
para isso?
Laymert Há uma obsessão
do descompasso, como escreveu Alfredo Bosi em
Dialética da colonização. É
um problema de colonizado e que não se restringe
à colônia. A gente continua colonizada.
O problema de certa maneira fica até mais exasperado
agora do que antes, na medida em que, a partir dos
anos 70 para cá, com a terceira revolução
industrial, o trem-bala do desenvolvimento técnico-científico
do primeiro mundo disparou. Com isso, a obsessão
do descompasso se intensificou. Quanto mais difícil
fica a gente pegar esse trem, mais exasperada fica
a nossa situação de querer entrar nele.
Acho que da década de 70 para cá começou
a ficar clara a dificuldade da nossa possibilidade
de entrar nesse trem. Até então, acreditávamos
que podíamos. E o primeiro mundo, por sua vez,
também acreditava no nosso potencial.
JU A academia também
assumiu esse discurso?
Laymert Claro. Naquilo que ela não
enfrenta, que é a dificuldade de entender o
corte que aconteceu a partir da década de 70.
Afetou o lado tecnológico e humanístico.
O ponto principal do meu incômodo dentro da
academia, e também fora dela, é o recalque
com o exame da questão. Nós preferimos
de certo modo acreditar que vamos chegar lá.
Quando algumas cabeças da academia apontam
a dificuldade de isso poder acontecer, de certa maneira
são ignoradas ou até mesmo mal-vistas.
A partir da década de 70 você tem uma
aceleração total, econômica e
tecnocientífica. Vejo isso com grande preocupação,
não só porque não conseguimos
acompanhar. Mas também por isso ter efeitos
extremamente destrutivos.
JU - Quais seriam as áreas
mais afetadas por esse descompasso?
Laymert Todos os campos. Se não
conseguimos acompanhar essa aceleração,
isso significa que temos que lidar com um contingente
crescente dos chamados descartáveis,
formado pela massa da população brasileira
excluída desse processo. Trata-se de uma questão
muito complicada, porque se há mesmo uma estratégia
ela não é mais de inclusão, mas
sim de exclusão.
JU - As políticas compensatórias
adotadas pelo governo Lula são emblemáticas
nesse sentido?
Laymert Aparece no governo Lula até
no modo, por exemplo, como são introduzidas
políticas compensatórias, que não
podem resolver questões estruturais, mas que
ao mesmo tempo atenuam a percepção da
aceleração ou do aumento da distância.
Acho que de alguma maneira, a médio prazo,
aquilo que está recalcado vai aparecer. Mesmo
que você faça política compensatória,
que num primeiro momento possa dar a impressão
de que as coisas estão andando, não
há como recalcar a longo prazo os efeitos da
aceleração. O aumento da exclusão
de algum modo vai aparecer. Em geral, isso já
aparece naquilo que o Roberto Schwarz chamou de desmanche.
Serviço
Politizar as novas tecnologias
O impacto sócio-técnico
da nformação
digital e genética, de Laymert Garcia
dos Santos
Editora 34
páginas: 320
Valor: R$ 34,00
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