Sensoriamento remoto,
a salvação da lavoura
Pesquisadores da Unicamp participam
de projeto que prevê ajuste de sensor em plataforma
espacial; imagens de satélites orientarão
produtores rurais
MANUEL
ALVES FILHO
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Jurandir Zullo Júnior, diretor do Cepagri:
importante ferramenta para produtores rurais e
gestores públicos |
Ainda hoje
é comum entre alguns agricultores brasileiros
o hábito de tomar a terra nas mãos para
verificar o seu nível de umidade e, assim,
definir qual o melhor momento para irrigá-la.
Dentro de poucos anos, tal decisão não
precisará ser tomada com base em procedimento
tão rudimentar. Em vez de recorrer apenas à
intuição ou, no máximo, à
análise do solo, o lavrador poderá valer-se
de informações vindas do espaço.
Imagens geradas por satélite revelarão
se o terreno está mais seco do que o recomendado
para o plantio. Mas para que os dados enviados do
alto estejam o mais próximo possível
da realidade encontrada no campo, é preciso
calibrar o sensor instalado na plataforma Aqua, lançada
em 20001 pela Nasa, a agência espacial norte-americana,
para estudar o ciclo hidrológico da Terra.
Esse trabalho está sendo executado com o auxílio
de seis instituições de pesquisa brasileiras,
entre elas a Unicamp. O objetivo final é fazer
do sensoriamento remoto uma ferramenta útil
não apenas para pesquisadores e gestores públicos,
mas também para o produtor rural.
O projeto,
concebido pela Nasa e Departamento de Agricultura
dos Estados Unidos (USDA), está sendo coordenado
no Brasil pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa). Pela Unicamp, estão participando
professores e estudantes de pós-graduação
do Centro de Meteorologia e Climatologia Aplicadas
à Agricultura (Cepagri) e Faculdade de Engenharia
Agrícola (Feagri). Completam o conjunto de
instituições brasileiras o Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Companhia
de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), Universidade
Federal do Rio de Janeiro e Universidade Católica
de Brasília. Ao todo, são 39 pesquisadores,
sendo dez da Unicamp.
De acordo
com Jurandir Zullo Júnior, diretor do Cepagri,
os preparativos para o desenvolvimento da pesquisa
consumiram cerca de um ano. As negociações
envolveram inclusive a Presidência da República,
que teve de autorizar a entrada de um avião
norte-americano no espaço aéreo brasileiro.
O trabalho será realizado em duas etapas. A
primeira ocorreria entre os dias 30 de novembro e
10 de dezembro, em Barreiras, município localizado
no oeste da Bahia. A cidade foi escolhida porque apresenta
características únicas: clima tropical
e localização numa área de transição
entre o cerrado e o semi-árido. Zullo explica
que a primeira fase consiste na coleta de uma série
de dados em 20 pontos previamente demarcados, como
temperatura e umidade do ar, umidade do solo, velocidade
do vento etc.
Durante essas
atividades, os pesquisadores farão o que é
tecnicamente conhecido como passagem de escala,
procedimento indispensável à calibração
do sensor. Vertendo para uma linguagem mais simples,
as informações serão coletadas
em três níveis: no solo, pelo avião
norte-americano e pelo satélite, num mesmo
instante. A segunda parte do estudo compreenderá
o cruzamento e interpretação dessa massa
de dados. O desafio é desenvolver um modelo
matemático que permita verificar que tipo de
imagem gerada do espaço corresponde à
situação de campo. O diretor do Cepagri
esclarece que esse tipo de ajuste é importante,
pois ao ser lançado juntamente com o satélite,
o sensor normalmente sofre alterações,
que podem ser provocadas por uma série de fatores,
entre eles a trepidação.
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O professor Jansle Vieira Rocha: trabalho de previsão
de safra será facilitado |
Além
disso, prossegue, a própria atmosfera pode
interferir no funcionamento do equipamento, daí
a necessidade da nova aferição. Zullo
afirma que ainda é cedo para prever quanto
tempo levará para concluir a pesquisa. Ele
adianta, porém, que assim que os dados gerados
pelo sensor estiverem disponíveis, tanto os
produtores rurais quanto os gestores públicos
terão uma importante ferramenta para orientar
a tomada de decisões. Embora não
seja o único, o sensoriamento remoto é
um recurso cada vez mais importante, por exemplo,
para auxiliar na definição de políticas
públicas na área agrícola. Por
meio dessa ferramenta, somada a outras, é possível
fazer até mesmo a previsão de safra,
explana.
O Diretor
do Cepagri afirma, ainda, que os especialistas brasileiros
aproveitarão o trabalho para calibrar sensores
de outros dois satélites: o NOAA, que tem função
meteorológica, e o CBERS-2, recém lançado
pela China e Brasil. De acordo com Eduardo Assad,
pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária,
unidade que funciona no campus da Unicamp, o principal
objetivo da análise dessa família de
satélites é monitorar a umidade
do solo e adquirir dados meteorológicos e agrometeorológicos
em larga escala. Outra conseqüência
importante dessa cooperação com especialistas
de outros países, conforme Zullo, é
a possibilidade da execução de intercâmbios,
por intermédio dos quais alunos de graduação
e pós-graduação brasileiros possam
complementar seus estudos no exterior e vice-versa.
Outro resultado esperado é a geração
de artigos científicos.
Experiência
O convite para que a Embrapa e as demais instituições
brasileiras participassem da empreitada deve-se, sobretudo,
pela experiência acumulada por elas nas várias
áreas que envolvem o sensoriamento remoto.
A opinião é do professor Jansle Vieira
Rocha, da Feagri-Unicamp. A Faculdade, de acordo com
ele, mantém uma linha de pesquisa em geoprocessamento
voltada ao monitoramento de culturas como cana-de-açúcar,
soja, café e milho. O estudo integra um projeto
nacional de previsão de safra, que está
sob os cuidados da Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab), agência
do Ministério da Agricultura.
Rocha diz que o conhecimento da umidade do solo é
importante por se tratar de um fator que mantém
relação com a produtividade e, conseqüentemente,
com o trabalho de previsão de safra, objeto
de estudo da equipe que coordena. A partir da calibração
do sensor, explica o docente da Feagri, as imagens
geradas pelo satélite ganham em confiabilidade.
Tendo uma boa correlação entre
os dados enviados do espaço e a situação
do campo, nós temos condição
de regionalizar a informação, a ponto
de saber se uma área de grande extensão
necessita ou não de irrigação,
ensina.
Essa capacidade de ampliar a escala
de monitoramento, continua Jansle, é fundamental
para reduzir tempo e custos. Atualmente, como citado
na abertura deste texto, o produtor tem que recorrer
à intuição ou a análise
do solo para saber se é o momento de irrigar.
No caso de uma região inteira, é preciso
lançar mão da simulação
de balanço hídrico, que tem por base
indicadores como a medição diária
do volume de chuva e do nível de evaporação,
para poder tomar tal decisão. Com o sensoriamento
remoto, nós temos como ser mais ágeis,
abrangentes e precisos no diagnóstico,
diz o pesquisador da Feagri.
De acordo com os professores Jansle
e Zullo, a expectativa é que os dados gerados
pelos satélites sobre a umidade do solo possam
ser colocados à disposição dos
interessados na internet, o que permitiria o acesso
sem qualquer custo. Esse é um dos princípios
do Cepagri. Aqui, todos as informações
que geramos são disponibilizadas gratuitamente,
afirma o diretor do Centro, que, junto com o colega
da Feagri, integrou a comitiva que executou o trabalho
de campo na Bahia.