Ainda que nascido de família modesta em Recife, Oliveira Lima conseguiu obter sua formação em Portugal, cursando letras, filosofia, direito e diplomacia. Os serviços diplomáticos pelo Itamaraty propiciaram andanças por Lisboa, Berlim, Washington, Londres, Tóquio, Caracas, Bruxelas e Estocolmo, favorecendo as pesquisas para sua vasta obra historiográfica. Seus principais livros são Pernambuco e seu desenvolvimento histórico (1894), Aspectos da literatura colonial brasileira (1896), O reconhecimento do Império (1902), D. João VI no Brasil (1909), Formation historique de la nationalité brésilienne (1911) e Evolução histórica da América Latina comparada com a América inglesa (1914). Em 1903, o diplomata foi escolhido como um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras, juntamente com Machado de Assis e seu grupo.
Dom Quixote Gordo é um apelido atribuído pelo escritor Gilberto Freyre, que conviveu muito proximamente com o diplomata e o teve como um mestre. “Pode-se falar em dois Oliveiras Limas: o aparente e o íntimo. O gordo por fora e o magro por dentro. O aparente tinha alguma coisa de cômico, de tão obeso. Era um Sancho Pança em ponto grande. O outro tendia a ser um Dom Quixote, embora fosse muitas vezes corrigido ou moderado pelo bom-senso que o envolvia”, escreveu Freyre. “Vaidoso, ranzinza, teimoso, ao ponto de cabeçudo (...) porém um homem de personalidade inconfundível: corajoso nas idéias, bravo nas atitudes, insuperável na independência do seu pensar e do seu sentir”, é outra opinião deixada por Freyre e recuperada pelo diplomata Paulo Roberto de Almeida, autor de um dos artigos da Remate dos Males.
Revoltado “No fundo, Oliveira Lima era um revoltado. Ele se indispôs com o governo brasileiro, sobretudo com o Barão do Rio Branco, porque seu sonho era assumir como embaixador em Londres e reunir os livros espalhados pela Europa para realizar suas pesquisas de história”, afirma o professor Antonio Arnoni Prado, que organizou este volume da publicação do Departamento de Teoria Literária. As críticas à diplomacia brasileira, porém, eram sinceras. “Ele tinha uma visão moderna de diplomacia, achava que o cônsul não deveria ser apenas uma representação formal do país, fazedor de sala, mas um homem atuante que facilitasse os negócios brasileiros”, acrescenta.
A respeito desta posição, o próprio Oliveira Lima escreveu: “O diplomata ideal dos nossos dias é o que souber redigir uma nota num francês sem asneiras, formular uma informação, concisa e luminosa, à consulta urgente de um ministro de Estado e explorar o mercado mais promissor e mais vantajoso para os nossos gêneros de exportação. Não se aprendem, porém, línguas estrangeiras com a simples leitura de passaportes, nem se disseminam borracha, açúcar, algodão e café, enfiando meias de seda para ir a concertos de Buchinghan Palace ou envergando uma casaca irrepreensível nos cotillons de New-port”.
Contrariando a disciplina tradicional do Itamaraty, Oliveira Lima negligenciou frente à orientação do barão para que fosse de Tóquio a Lima, onde pendiam questões sobre o Acre. Repreendido e relegado a escanteio por três anos, recebeu como outra espécie de punição a nomeação para o posto em Caracas. Quando voltou à Europa, em 1907, foi como embaixador da Bélgica, onde causaria novo constrangimento por não comparecer à recepção ao marechal Hermes da Fonseca na sua chegada a Bruxelas.
Monarquista “É com esse espírito estigmatizado pelos republicanos e repudiado pelos militares que Oliveira Lima deixa a Bélgica em fins de 1912 para retornar ao país ressaltado pela chamada questão da restauração monárquica”, lembra Arnoni Prado, que assina o artigo “Um paladino da monarquia na imprensa republicana”. O professor do IEL reconstitui, a partir dos jornais da época, toda a polêmica em torno das declarações do diplomata, elogiando a família imperial, e de sua amizade com o príncipe Dom Luiz Orleans de Bragança, que o elegeu mentor do movimento pela volta à monarquia.
Diante da cogitação de seu nome para Londres, Oliveira Lima sofreu acirrada oposição dos republicanos e Lauro Muller, chefe do Itamaraty, acusou-o de “conluio grave”, à frente de um “movimento demolidor das instituições que jurou servir com lealdade”. “Ele precisava apenas admitir seu erro, mas não deu o braço a torcer”, diz Arnoni Prado. Em seu artigo, o pesquisador reproduz uma dúbia declaração do diplomata: “Não sou, declaradamente, monarquista. O que afirmei é que a forma de governo monárquico é superior à republicana, porque acaba com as agitações, tão reprováveis, ainda que explicáveis, das eternas, constantes e seguidas sucessões presidenciais”.
Aposentado O sonho de Londres acabou em março de 1913, visto que Oliveira Lima não foi indicado pelo Barão do Rio Branco e tampouco nomeado por Hermes da Fonseca. “Cansado da batalha para reunir cerca de 16 mil livros na Europa. oito mil sobre o Brasil, ele se aposentou em agosto de 1913. Nos quatro ou cinco anos que se seguiram, andou lecionando nos Estados Unidos e dando conferências pela Argentina, até ser contratado para dar aulas de direito internacional da Universidade Católica da América, em Washington”, informa o professor do IEL.
É esta universidade que mantém, desde 1924, a biblioteca de 40.000 volumes cedida pelo diplomata e que, acrescida de novas doações, acabou constituindo o núcleo de um centro de estudos brasileiros, portugueses e da América espanhola na capital americana. Já se tentou trazer o acervo para o Brasil, mas a doação foi feita por escritura. Oliveira Lima não quis voltar ao país nem para ser sepultado. Falecido em 24 de março de 1928, seu túmulo no cemitério Mont Olivet, em Washington, traz apenas a inscrição anônima: “Aqui jaz um amigo dos livros”. “Nem seu nome quis pôr no túmulo. Foi um turrão”, comenta Arnoni Prado.